Por Jair de Souza.
Foi com enorme consternação que recebemos a notícia de que na passada quarta feira, 13/11, a ação terrorista levada a cabo por um bolsonarista redundou em sua própria auto-explosão e morte, ao ver-se ele encurralado por agentes de segurança que guardavam as dependências do STF.
O sentimento de tristeza advém do fato de a pessoa que protagonizou e sofreu as consequências mais graves de seu ato criminoso poderia ser classificada como um cidadão comum, sem nada que pudesse racionalmente associá-lo com as classes dominantes e o imperialismo, em cujos interesses ele inconscientemente atuava.
Não nos restam dúvidas de que, de modo geral, os seres humanos não aceitam viver exclusivamente em função dos bens materiais de que dispõem. Diferentemente do restante dos animais, homens e mulheres necessitam também terem satisfeitas outras necessidades, além daquilo que poderíamos catalogar como fatores econômicos.
Portanto, idealizar, prever e lutar por um futuro que coincida com nossas expectativas são coisas intrínsecas ao conjunto da humanidade. Poderíamos mesmo dizer que o fato de haver gente que não tenha este tipo de preocupações é o que deveria ser considerado como uma exceção à regra. É devido a esta elevada valorização de fatores tão subjetivos que os seres humanos em várias oportunidades se dispõem a entregar sua própria vida com o objetivo de fazer valer a força de seus ideais.
Desde muito cedo, aprendemos a valorizar nossos mártires, aqueles que abdicam de sua própria vida em defesa de propostas com as quais eles pessoalmente não poderiam ser beneficiados, visto que já não estariam vivos para delas usufruir. E em relação a isto, ao longo dos últimos dois séculos da história, nenhum grupo humano gestou mais mártires do que as forças políticas de esquerda, ou seja, aquelas engajadas nas lutas pelas causas das maiorias populares com vista a acabar com sua exploração por parte das classes dominantes.
Em vista do que mencionamos no parágrafo anterior, é muito difícil aceitar a possibilidade de que possa haver mártires vinculados a grupos de extrema direita. Como entender que alguém que não faça parte das classes dominantes esteja disposto a se imolar em favor das causas dos mais nefastos exploradores do povo? Se tal coisa de fato ocorreu, nós precisamos fazer uma profunda reflexão a respeito e tentar descobrir em que estamos errando. Sim, não deveríamos nos isentar pela tragédia cometida e sofrida pelo terrorista bolsonarista do caso de agora, nem de outros já ocorridos e que possam vir a ocorrer.
É importante que reconheçamos que estamos falhando ao não debater com nosso povo questões essenciais para sua existência como seres humanos em sociedade. Estamos deixando de explicitar a visão do mundo futuro ao qual aspiramos. Sabemos que nunca teríamos condições de atingir a totalidade daqueles que precisam conhecer o que pensamos e queremos para nossa sociedade, para nossos filhos e para as gerações vindouras. Mas, jamais deveríamos nos apegar ao argumento da dificuldade para justificar nossa falta de empenho. Lamentavelmente, não temos estado nos dedicando a cultivar em nossa gente a esperança de um mundo diferente do atual, um mundo em que já não predomine a injustiça e os privilégios dos setores exploradores sobre as necessidades do conjunto da população.
Há muito que não praticamos política em seu sentido mais nobre e justo de instrumento de transformação social, faz tempo que não falamos de pôr fim ao capitalismo e construir o socialismo. Precisamos dizer claramente a nossa gente que não pretendemos tão somente remendar o sistema em que estamos inseridos. Faz tempo também que não falamos com nosso povo sobre nossos sonhos. Por isso, muitos dos que teriam todos os motivos do mundo para estarem junto a nós têm sido arrastados para o lado dos opressores, induzidos por ideologias inteiramente contrárias a sua própria existência como parte do povo explorado.
Para dar significado a sua vida, os seres humanos sentem necessidade de depositar suas esperanças e se guiarem por seus sonhos. Porém, quando os sonhos estão ausentes, acabam prevalecendo os pesadelos. O caso específico do homem-bomba bolsonarista a quem fizemos referência foi um exemplo evidente que revela como o pesadelo ocupou o espaço reservado aos sonhos. Cabe a quem é verdadeiramente de esquerda a incumbência de fazer com que nosso povo volte a sonhar.
Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.