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A deputada federal Julia Zanatta (PL-SC) perdeu uma das ações judiciais que move contra uma jornalista que expôs o pagamento do seu gabinete a um jornal do interior de Santa Catarina. A sentença do juiz Marcelo Carlin, do 2º Juizado Especial Cível da Comarca de Florianópolis, destaca que um conteúdo publicado no X da jornalista Amanda Miranda foi fundamentado em dados públicos, obtidos de forma legítima. “A imprensa auxilia a transformar informações em conteúdo compreensível para todos, promovendo um debate público acessível a todos e essencial para o funcionamento de uma democracia vibrante”, registrou o magistrado.
A jornalista utilizou o Portal da Transparência da Câmara dos Deputados como fonte de pesquisa para uma postagem em rede social, que rapidamente viralizou, no dia 26 de dezembro de 2023.
Amanda identificou, por meio de uma nota fiscal, um pagamento no valor de R$ 5 mil do gabinete de Zanatta ao Jornal Razão, de Tijucas, no interior de Santa Catarina. A nota havia sido emitida dias antes da publicação de uma notícia no mesmo portal dizendo que a deputada era responsável pela prorrogação no prazo de pagamento de impostos de empresários atingidos por enchentes entre outubro e novembro de 2023.
“Está demonstrado que a Receita Federal não reconheceu nenhum vínculo entre a conduta da autora (envio de ofício ao secretário da Receita Federal) e à concessão da prorrogação do Simples Nacional na região do Alto Vale, constando apenas que a edição da portaria para essa finalidade é uma possibilidade em casos de calamidade semelhantes, ficando condicionada apenas ao decreto estadual”, explicou o juiz, na discussão do mérito. Zanatta se dizia vítima de uma postagem “mentirosa e desconexa com a realidade”, retratando tão somente espécie de “ódio e rancor que a ré nutre pela autora”.
Além de trazer à sentença o princípio constitucional da liberdade de expressão, o juiz registrou no documento a importância do trabalho jornalístico. “Destaco que a requerida é jornalista, desempenhando um papel crucial em um estado democrático de direito, pois garante que a população tenha acesso a informações, que os cidadãos acompanhem, fiscalizem e construam sua opinião sobre figuras públicas”. O magistrado também frisou que, por ser parlamentar, Zanatta “está sujeita às críticas exacerbadas”.
Desestímulo à perseguição a jornalistas
O advogado Lucas Mourão, do escritório Flora, Matheus e Mangabeira, diz esperar que o resultado sirva como desestímulo a novas ações dessa natureza. “Que a liberdade de expressão e de imprensa seja respeitada, em especial no âmbito do debate de assuntos públicos, onde a liberdade a ser protegida não é somente de quem publica a notícia, mas especialmente da população – que tem o direito de se informar livremente a partir de um jornalismo íntegro e corajoso, como o praticado pela Amanda”.
A jornalista ainda responde a uma ação criminal, pelo mesmo fato, movido pela deputada. Recentemente, a justiça catarinense moveu o processo para a vara de crimes políticos, algo contestado pela sua defesa. Amanda ainda responde uma ação civil do marido da deputada, Guilherme Colombo, que é funcionário público comissionado do governo de Santa Catarina e teve uma viagem ao exterior questionada pela jornalista por ocorrer em dia de expediente e sem vínculo com o trabalho.
Júlia Zanatta é citada pelo Monitor de Assédio Judicial Contra Jornalistas no Brasil como uma litigante contumaz, sendo a quinta principal autora de processos que ameaçam profissionais da imprensa. O documento é uma pesquisa elaborada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, uma das entidades responsáveis por patrocinar a defesa de Amanda, que também é amparada pela organização britânica Media Defence.
Para a jornalista, ainda que caiba recurso nesta decisão, trata-se de uma sentença que eleva o jornalismo ao lugar que ele merece. “É preciso que políticos com perfis autoritários aceitem que é papel da imprensa monitorar, questionar e criticar seus mandatos quando for necessário. Isto é democracia. Espero que, a partir de decisões como estas, colegas possam se sentir mais seguros para exercer sua função”.