Por Francisco Fernandes Ladeira.
Em 2016, ao acessar as redes sociais na manhã posterior à vitória do republicano Donald Trump sobre a democrata Hillary Clinton para a presidência dos Estados Unidos, lembro de encontrar um clima pessimista entre pessoas à esquerda do espectro político.
Compreensível. Haja vista que a maior potência imperialista do planeta – à época envolvida em invasões diretas no Afeganistão e Iraque – seria comandada por um indivíduo abertamente de extrema-direita.
No entanto, o que me chamou mais a atenção foi o fato de muita gente no campo progressista acreditar que, caso Hillary fosse eleita, viveríamos tempos melhores, como se os Estados Unidos, ao terem uma mulher na presidência, fossem apresentar uma postura diferente em relação ao planeta. É fato: Washington sempre será uma potência bélica e intervencionista, independente de quem ocupe a Casa Branca. O presidente (ou virtual presidenta) é mero fantoche nas mãos do grande capital.
Além disso, uma breve análise sobre a atuação de Clinton como secretária de Estado do governo Barack Obama revela uma postura política que defendeu fervorosamente a invasão estadunidense a outros países, sobretudo à Líbia.
Por outro lado, a extrema-direita (àquela altura do campeonato já saída do esgoto) comemorou fervorosamente a vitória de Trump, com seu viralatismo habitual. Parecia que o republicano fora eleito para a presidência do próprio Brasil.
Então chegamos em 2024. Novamente Trump é eleito. Dessa vez contra Kamala Harris. Ironicamente, mesmo com os quatro anos de governo do republicano e quatro anos de mandato Biden (com Harris na vice-presidência) as reações entre certos setores da esquerda e da extrema-direita foram praticamente as mesmas registradas oito anos atrás.
Na esquerda, houve quem falasse em provável ditadura Trump nos Estados Unidos, apocalipse eminente e, sobretudo, vitória do “fascismo” sobre a “democracia” (como se Harris, apoiadora de genocídio, não fosse tão fascista quanto Trump, só que sob o verniz de ser mulher, negra e filha de imigrantes).
Na extrema-direita, a vitória do democrata foi vista como indício da volta do bolsonarismo ao poder na eleição presidencial de 2026 (mesmo com o “mito” inelegível). O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, escreveu em sua conta no X que “o resultado [da eleição nos EUA] mostra a insatisfação com os governos de esquerda”.
Não precisa gastar palavras para justificar o quão delirante é considerar o Partido Democrata como “esquerda” (pior que tem gente no próprio campo progressista que também acha isso!).
Os posicionamentos apresentados acima podem estar relacionados às análises personalistas sobre o cenário eleitoral. Ou seja, as personalidades de certos políticos são mais enfatizadas do que propriamente suas propostas ou os grupos de interesses a quem representam.
Nesse sentido, houve quem apontasse que Kamala Harris perdeu votos por ser mulher e negra, e não pelo governo do qual faz parte ser associado às políticas neoliberais, que tanto prejudicam os setores mais vulneráveis da população. Além disso, há o anteriormente mencionado apoio incondicional da atual vice-presidente ao genocídio que ocorre em Gaza (o que, obviamente, impediu que descentes de árabes aderissem à campanha democrata).
Portanto, é impossível ser favorável à causa palestina e, ao mesmo tempo, apoiar Harris para a presidência dos Estados Unidos. Infelizmente, parte da esquerda, mais preocupada em lacrar nas redes sociais e manter sua incondicional submissão ao Partido Democrata, não compreende essa realidade.
Em contrapartida, Donald Trump, ao demagogicamente apontar soluções simples para problemas complexos, atraiu o voto de minorias sociais, mesmo sendo abertamente contrário a tais setores da população.
Também não deixa de ser irônico constatar o fato de a extrema-direita brasileira – representada principalmente pelo bolsonarismo – se alinhar de maneira fidedigna aos discursos fascistoides do trumpismo, mas não ter a mesma postura do republicano em relação aos interesses nacionais.
Enquanto Trump tem entre suas prioridades defender o mercado interno da concorrência estrangeira e não submeter os Estados Unidos a acordos internacionais, a extrema-direita brasileira quer abertura econômica e entrega de todo o patrimônio nacional ao grande capital externo. Do mesmo modo, não há como imaginar Trump prestando continência à bandeira de outro país ou dizendo ao mandatário de outra nação que o ama (na própria língua estrangeira) e, depois desse ato grotesco, ser desprezado.
Enfim, a repercussão da eleição estadunidense demonstra que o viralatismo político no Brasil não tem espectro ideológico. A extrema-direita é uma cópia mal acabada do Partido Republicano, pois são “entreguistas” e não defendem os interesses nacionais como seus congêneres do norte. Já a esquerda brasileira (pelo menos boa parte) é fiel reprodutora do Partido Democrata e sua agenda identitária. Inclusive a rejeição popular é a mesma por aqui.
É o soft power do Tio Sam funcionando a todo vapor; colonizando corações e mentes no debate público brasileiro.
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