Por Altamiro Borges.
Divulgado na semana passada, o relatório do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, produzido pela ONG Gestos em parceria com 47 organizações da sociedade civil, confirmou que o Brasil melhorou sua classificação nos índices dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2023, em relação ao ano anterior. Apesar dos avanços decorrentes das políticas sociais implementadas pelo governo Lula, porém, a situação do país ainda é insatisfatória.
Como realça o site UOL, “o combate à fome melhorou no Brasil, mas saúde e educação ainda são pontos que puxam o país para baixo. Os dados são do Relatório Luz, o principal documento de monitoramento dos ODS da ONU no Brasil e o único construído pela sociedade civil. O documento apresenta 160 recomendações para a implementação de políticas públicas que dialoguem com o desenvolvimento sustentável do país”.
“Já podemos afirmar que saímos da ‘vanguarda dos retrocessos’, com destaque para a reabertura dos espaços de participação da sociedade civil nas instâncias de governança e para o protagonismo que o Brasil voltou a ocupar nas relações internacionais. Porém, domesticamente, em muitos setores, progredir significou apenas voltar aos índices de 2015”, aponta o relatório.
O resultado mais expressivo é que no ano passado o país reduziu de 102 para 40 o número de metas com retrocesso entre um ano e outro. Ao todo, são 169 metas avaliadas no Brasil em 17 ODS. Os melhores resultados se deram na ODS 1, que trata da erradicação da pobreza. Das sete metas, cinco foram classificadas como satisfatórias.
Saldo positivo após trevas bolsonarianas
“No contexto de fome e pobreza, a gente estava em um abismo, um cenário de terra arrasada pela forma como as políticas públicas foram tratadas pelo governo anterior e pelo impacto da pandemia. Quando você retoma as políticas públicas, acaba tendo uma resposta mais rápida [que outros ODS] porque se a pessoa tem fome, e recebe uma renda básica, ela sai da situação”, explica a integrante da Comissão Nacional dos ODS, Juliana Cesar.
Como ela enfatiza, o saldo é positivo levando-se em conta os estragos produzidos pelas trevas bolsonarianas. “Eu diria que o estado brasileiro deixou de ser hostil… O governo anterior tinha uma postura de desmerecimento e negação dessa agenda. O Brasil retomou isso como uma prioridade, reinstituiu diversas instâncias de participação e controle social, entre elas a de cumprimento dos ODS”. Mas Juliana Cesar destaca que é preciso avançar muito mais, com maiores investimentos. “Não temos todos os índices que gostaríamos”.
Abaixo, as avaliações por área:
ODS 1: Erradicação da Pobreza
Satisfatório – 5
Estagnada – 1
Retrocesso – 1
ODS 2: Fome Zero e Agricultura Sustentável
Satisfatório – 1
Insuficiente – 5
Estagnada – 1
Retrocesso – 1
ODS 3: Saúde e Bem-Estar
Satisfatório – 1
Insuficiente – 3
Ameaçada – 1
Estagnada – 3
Retrocesso – 5
ODS 4: Educação de Qualidade
Insuficiente – 3
Estagnada – 1
Ameaçada – 1
Retrocesso – 6
ODS 5: Igualdade de Gênero
Insuficiente – 5
Estagnada – 3
Retrocesso – 3
ODS 6: Água Potável e Saneamento
Estagnada – 3
Retrocesso – 5
ODS 7: Energia Acessível e Limpa
Estagnada – 2
Insuficiente – 2
Ameaçada – 1
ODS 8: Trabalho Decente e Crescimento Econômico
Insuficiente – 6
Estagnada – 3
Ameaçada – 3
Retrocesso – 1
ODS 9: Indústria, Inovação e Infraestrutura
Insuficiente – 5
Estagnada – 2
Retrocesso – 1
Sem Dados – 1
ODS 10: Redução das Desigualdades
Insuficiente – 4
Satisfatório – 2
Estagnada – 2
Retrocesso – 2
ODS 11: Cidades e Comunidades Sustentáveis
Insuficiente – 3
Retrocesso – 4
Estagnada – 2
Sem Dados – 1
ODS 12: Consumo e Produção Responsáveis
Insuficiente – 5
Retrocesso – 3
Estagnada – 3
ODS 13: Ação Contra a Mudança Global do Clima
Insuficiente – 3
Estagnada – 2
ODS 14: Vida na Água
Estagnada – 6
Retrocesso – 2
ODS 15: Vida Terrestre
Insuficiente – 6
Retrocesso – 5
ODS 16: Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Insuficiente – 5
Estagnada – 4
Retrocesso – 4
ODS 17: Parcerias e Meios de Implementação
Satisfatório – 3
Insuficiente – 5
Estagnada – 5
Retrocesso – 4
Ameaçada – 2
A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.
Ao analisar o texto de Altamiro Borges sobre o progresso do Brasil nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), observo um esforço genuíno em ressaltar os avanços em relação ao governo anterior, com uma leitura positiva do impacto das novas políticas públicas. Contudo, há uma ênfase constante no contraste entre o governo atual e o governo anterior, o que soa repetitivo e politicamente direcionado, desviando a atenção da complexidade dos problemas que o país enfrenta.
A tentativa de associar a melhoria nos índices dos ODS diretamente ao novo governo é válida, mas não considera fatores estruturais que vão além da simples mudança de liderança. Por exemplo, o impacto da pandemia, que afetou todos os países, teve consequências profundas no Brasil e influenciou diretamente os índices de fome e pobreza. Além disso, retomar a comparação com 2015, ano de crise econômica e instabilidade política, parece conveniente para mostrar que estamos “recuperando” algo perdido, quando, na verdade, os desafios atuais são mais profundos e exigem reformas de longo prazo e não apenas um retorno a níveis anteriores.
Outro ponto que me incomoda é a falta de criticidade ao abordar áreas como educação e saúde, que claramente não avançaram com a mesma intensidade que o combate à fome. A análise poderia explorar por que esses setores ainda estão tão defasados, apontando falhas no sistema de investimento público, na formação de políticas de longo prazo ou na eficiência dos programas implementados. Apenas classificar a situação como “saldo positivo” simplifica questões que são de extrema importância para o desenvolvimento sustentável.
Além disso, o texto não aborda a necessidade de indicadores mais profundos que ajudem a entender, por exemplo, o porquê do retrocesso em áreas como água potável, saneamento e energia limpa. São setores essenciais que, quando negligenciados, comprometem o progresso em várias outras áreas dos ODS. A análise teria se beneficiado ao discutir essas falhas e ao reconhecer que não se trata apenas de recuperar “espaços de participação” ou “instâncias de controle social”, mas de promover uma transformação estrutural, algo que ainda não está em curso.
Por fim, o texto apresenta muitos dados sem uma análise crítica ou proposta concreta para superar os desafios listados. Dizer que “não temos todos os índices que gostaríamos” parece um tanto superficial quando se trata de metas tão ambiciosas como os ODS. Para realmente discutir o avanço do Brasil nessa agenda, seria mais produtivo questionar como os recursos serão alocados, quais são as principais barreiras a serem enfrentadas e quais mudanças são necessárias para alcançar uma melhoria duradoura.