Um Israel em constante expansão abrirá caminho para sua ruína. Por David Hearst.

É apenas uma questão de tempo até que a guerra envolva todos os países ameaçados pelos ataques punitivos de Israel e suas fronteiras em constante expansão.

Uma explosão é vista após um alerta de míssil em meio às hostilidades transfronteiriças entre o Hezbollah e Israel, visto de Nahariya, norte de Israel, em 16 de outubro de 2024. Foto: Reuters

Por David Hearst.

A imagem de uma menina de 11 anos com queimaduras de napalm correndo nua por uma estrada no Vietnã foi considerada tão chocante em 1972 que ganhou um Prêmio Pulitzer.

“O Terror da Guerra” se tornou a imagem icônica da Guerra do Vietnã.

Hoje, em Gaza e no Líbano, há muitas fotos de pessoas queimandotendas queimando, corpos empilhados nas ruas do campo de refugiados de Jabalia e sobreviventes cobertos de poeira cambaleando para fora dos escombros com os corpos sem vida de seus filhos pequenos nos braços, mas ninguém se dá ao trabalho de publicá-las. 

Imagens do “Terror da Guerra” sendo cometido por Israel em Gaza ou no Líbano não são inscritas no Prêmio Pulitzer. Nem provocam declarações de condenação ou desgosto de presidentes dos EUA ou primeiros-ministros britânicos.

Os diretores de jornal estão muito assustados.

Sugerir que Israel está matando crianças deliberadamente em Gaza é um “libelo de sangue” que lembra o romancista britânico Howard Jacobson dos pogroms de judeus na Inglaterra do século XIII, desencadeados por rumores de que eles estavam comendo restos mortais de crianças cristãs em pão ázimo matzah.

Mas as forças israelenses estão matando deliberadamente mulheres e crianças em Gaza e no Líbano, e a opinião pública em Israel está incentivando seus soldados a continuarem. 

Não há tabus no debate em Israel sobre a solução final para o norte de Gaza ou o sul do Líbano. Não há problemas em usar palavras como “extermínio”.

É isso que Uzi Raby, um dos especialistas mais requisitados de Israel no Oriente Médio, faz. O professor sênior do departamento de estudos do Oriente Médio e da África na Universidade de Tel Aviv disse em uma entrevista na TV no mês passado: “Qualquer um que fique lá (norte de Gaza) será julgado pela lei como terrorista e passará por um processo de fome ou um processo de extermínio.” 

O ‘Plano dos Generais’

Historiadores em Israel não são um freio à conversa genocida. Eles são incitadores dela. 

Raby disse que Israel não deveria tentar resolver os problemas da região com luvas de pelica ocidentais, e acrescentou que as ações de Israel seriam condimentadas com um “tempero do Oriente Médio”.

Benny Morris, que em tempos idos foi um dos “novos historiadores” que revelaram os massacres cometidos por Israel em 1948, agora quer bombardear o Irã.

O plano que esses historiadores estão debatendo foi tramado pelo ex-general do exército, Giora Eiland. Eiland reconhece que as táticas de Israel em Gaza falharam. Ele observa que toda vez que eles limpam uma área de combatentes do Hamas e recuam, o Hamas reaparece.

Eiland, no entanto, não é uma pomba.

Sua solução não é negociar. É forçar 400.000 habitantes do norte de Gaza a sair, dando a eles a opção de passar fome ou morrer. Esta, diz Eiland, é a única maneira de atingir os objetivos de guerra de Israel.

Este plano recebeu amplo apoio no exército, no parlamento e na mídia. O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu disse que está estudando isso.

O plano Eiland está longe de ser um pensamento benévolo. Netanyahu encarregou seu principal assessor Ron Dermer em dezembro passado de considerar maneiras de  “esvaziar Gaza”.

Muitos hoje acreditam que o exército já está implementando partes dele. O exército emitiu ordens de expulsão nomeadas no plano como o primeiro estágio.

A chave para as táticas de cerco de Eiland, o corredor Netzarim que corta a faixa ao sul da Cidade de Gaza, já foi construído e armado com sua própria guarnição.

Na época de sua construção, em fevereiro passado, Shimon Orkabi, o tenente-coronel responsável pela pavimentação da estrada, disse que um dos objetivos da estrada era “impedir a passagem do sul para o norte e controlá-la com muita precisão”.

Três soldados que servem em Gaza disseram ao Haaretz esta semana que o plano está sendo implementado.

“O objetivo é dar aos moradores que vivem ao norte da área de Netzarim um prazo para se mudarem para o sul da faixa. Após essa data, quem permanecer no norte será considerado um inimigo e será morto”, disse um soldado estacionado no corredor de Netzarim, segundo a citação.

A máquina de matar

Uma matança indiscriminada também já está acontecendo. No coquetel mortal de bombardeios ininterruptos, quadricópteros e lançamento de bombas de 2000 libras em tendas, os israelenses introduziram a mais recente máquina de matar: robôs explosivos capazes de demolir seis casas em uma fileira.

Os moradores do norte de Gaza já vivenciaram “demolições explosivas” de uma intensidade que é estranha até para eles, depois de sobreviverem a um ano de guerra total.

Um jornalista que vive neste buraco do inferno disse ao MEE: “O bombardeio foi diferente do que já experimentamos. O som da demolição explosiva é muito alto, como nunca havíamos experimentado antes. 

“Apesar disso, as pessoas, particularmente em Jabalia, não estão saindo de suas casas. As pessoas estão dizendo que preferimos morrer nas ruas do que ir para o sul, porque até mesmo as pessoas no sul têm dito, ‘melhor morrer na Cidade de Gaza do que morrer no sul’, porque enquanto a morte é a mesma, a vida no sul é insuportável e muito mais difícil do que no norte. As pessoas estão vivendo em tendas e humilhação.”

A carnificina que acontece diariamente é entusiasticamente encorajada. Quanto mais os palestinos se recusam a se mover, mais vozes em Israel, como o comentarista popular Eliahu Yusian, proclamam que não há “civis inocentes” em Gaza.

O professor Avi Bareli, professor de Israel e história do sionismo na Universidade Ben-Gurion, escreveu em outubro passado que os palestinos são “uma sociedade que adora a morte e levanta a bandeira do assassinato”.

Raby, Bareli, Morris e todos os generais e soldados que cometem crimes de guerra contra civis estão bastante seguros. 

Eles não têm, e não deveriam ter, medo de serem presos na próxima vez que forem à Oxford Street, em Londres, para fazer compras de Natal ou assistir ao último musical do West End, porque há uma completa ausência de condenação ou pressão do número cada vez menor de países que ainda apoiam Israel.

Silencioso ou cúmplice

A mídia é silenciosa ou cúmplice. A Sky News inicialmente descreveu os soldados mortos em um ataque de foguete do Hezbollah em uma base do exército como “vítimas adolescentes” na mesma manchete que fez referência aos 23 mortos em uma escola atacada por Israel apenas em números. 

A BBC rotineiramente se refere ao número de mortos civis como alegado pelo Hamas, nem mesmo por uma autoridade de saúde “administrada pelo Hamas”. De forma semelhante, o editor do Oriente Médio da BBC, Jeremy Bowen, entrevistou Eiland, com neutralidade estudada, como se seu plano fosse uma visão legítima.

Bowen não sugeriu, fez referência ou relatou o fato de que há dois grandes processos judiciais em andamento sobre crimes de guerra e genocídio em dois dos mais altos tribunais de justiça internacional, dos quais o plano Eiland é a principal prova.

Talvez Bowen pense que esses casos são irrelevantes ou que as Convenções de Genebra e de Genocídio são letra morta. 

O próprio Eiland dedica energia e tempo para afirmar que tudo o que sugere é legal, mas Bowen, como repórter, não o contestou nem tentou verificar suas alegações. 

Eles teriam relatado o massacre de Sabra e Shatila dessa forma? Exatamente a mesma coisa está acontecendo agora no campo de refugiados de Jabalia.

Talvez nossa emissora de serviço público não pense que seu dever de serviço público a obriga a fazer referência em suas reportagens ao enorme, alguns diriam esmagador, conjunto de opiniões jurídicas internacionais que atualmente existem sobre esse assunto. 

Tanto a BBC quanto a Sky News costumam confundir a distinção entre combatentes armados e civis desarmados, que é o propósito de Israel.

O silêncio compra tempo. O tempo compra a morte. 

A última tentativa de Biden de restringir o cerco e a fome no norte de Gaza segue os passos de sua tentativa patentemente fracassada de impedir Netanyahu de ocupar Rafah. Ele ameaçou então parar a entrega de bombas pesadas.

Sua ameaça não interrompeu o fornecimento de armas nem impediu a ocupação completa da fronteira com massacres diários.

O Programa Mundial de Alimentos disse que toda a ajuda foi interrompida no norte de Gaza por 16 dias, mas o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e o Secretário de Defesa deram a eles mais 30 dias antes de começarem uma “reavaliação” da ajuda militar.

“De uma perspectiva humanitária, um prazo de 30 dias é basicamente uma sentença de morte, especialmente para aqueles no norte de Gaza que estão enfrentando fome”, disse Natasha Hall, pesquisadora sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), ao Middle East Eye.

Pequeno Israel, grande Israel

Se o plano de Israel para o norte de Gaza for bem-sucedido, o sul do Líbano será o próximo. Meir Ben Shabbat, ex-conselheiro de segurança nacional e chefe de gabinete para segurança nacional, disse que Israel tinha três opções em sua operação atual no Líbano: criar uma zona de segurança sob controle militar israelense, oferecer um acordo político que permitiria a Israel impor um novo regime na fronteira ou esvaziar a terra ao longo de toda a fronteira.

Shabbat favorece a última alternativa: “A aplicação na zona tampão será realizada por Israel por meio de uma combinação de inteligência e fogo. A vantagem dessa alternativa são os custos relativamente baixos de aplicação e o fato de que pode ser possível de forma rotineira, sem dilemas sérios. Outra vantagem está na mensagem que transmite: o terrorismo contra Israel causou uma perda de território.”

Ataque o pequeno Israel e você terá um Israel Maior. 

Assim como os primeiros líderes de Israel, Ben Gurion, Levi Eshkol e Yitzhak Rabin usaram a conquista de territórios como um meio de punir aqueles que atacaram Israel, e a derrota e a perda de terras levaram a acordos de paz com o Egito e a Jordânia, Israel deve agora usar a mesma tática no Líbano e na Síria, é o que está sendo instado . 

Afinal, os sionistas religiosos afirmam que Jerusalém se estende até Damasco.

A única resposta que esses planos provocarão é uma guerra permanente em todas as frentes por todos os povos do mundo árabe. Aqueles que ficam à margem hoje, não o farão amanhã. Eles serão obrigados a agir. 

É apenas uma questão de tempo até que essa guerra e essas táticas envolvam todos os países ameaçados pelos ataques punitivos de Israel e suas fronteiras em constante expansão. 

A Jordânia acabará rasgando seu tratado de paz com Israel. O Irã e o Hezbollah lutarão por suas vidas.

Levou algumas semanas para os estadunidenses derrubarem o Talibã em 2001 e mais 20 anos para que o Talibã os obrigasse a sair.

Foram necessárias três semanas para derrubar a estátua de Saddam Hussein em Bagdá, em abril de 2003, e mais oito anos para que o papel de combate dos EUA no Iraque terminasse em ignomínia e derrota.

Esses não são precedentes felizes para uma guerra, que envolverá muito mais do que a derrubada de regimes impopulares e repressivos no Afeganistão e no Iraque. Essa guerra envolverá a própria identidade dos sunitas e xiitas da Síria , Jordânia, Iraque e Irã

Esta guerra será existencial para todos os envolvidos.

Esta será uma guerra até o fim. Ela terminará em conquista ou recuo? Não tenho certeza se Israel tem mais capacidade de recalcular, parar e repensar, enquanto marcha cegamente em direção à sua própria ruína.

A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.

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