A geografia não serve apenas para fazer a guerra; serve também ao genocídio. Por Francisco Fernandes Ladeira.

A aspiração expansionista do sionismo trabalha com duas importantes temáticas estudadas pela ciência geográfica: território e demografia.

Por Francisco Fernandes Ladeira.

Em meados da década de 1970, Yves Lacoste lançava “A Geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra”, livro em que apresenta a tese de a Geografia ser um saber estratégico, intimamente ligado a um conjunto de práticas políticas e militares. Desse modo, em um conflito, é necessário ter informações e estratégias de combinações geográficas, das relações entre os homens e as condições naturais.

Não sabemos se os líderes sionistas (movimento que está por trás da criação do Estado de Israel), do passado e do presente, leram Lacoste, mas é fato que eles utilizaram (e ainda utilizam) os conhecimentos geográficos para levar a cabo o genocídio do povo palestino. A própria aspiração expansionista do sionismo – conseguir o maior número de terras, com o menor número de palestinos – já trabalha com duas importantes temáticas estudadas pela ciência geográfica: território e demografia.

De acordo com Pedro Lima Vasconcellos, professor da UFAL, mesmo antes da criação de Israel, em maio de 1948, o movimento sionista vinha operando uma demolidora transformação da geografia palestina, por meio da anulação das grafias árabes de determinados lugares e acidentes geográficos, para impor nomes extraídos das escrituras judaicas (processo conhecido como “despalestinização” da Palestina).

Assim, milhares de acidentes geográficos (montes, vales, cursos d’água, etc.), vilas, ruínas, itens da flora e da fauna foram renomeados com termos e expressões hebraicas. O objetivo era claro: fazer com que a paisagem palestina, expressa em séculos de presença árabe, pudesse ser remodelada em vistas a comparecer aos novos olhos como “israelense”, corroborando o slogan sionista sobre a Palestina ser uma terra sem povo para um povo sem terra (no caso, os judeus).

Além do aspecto toponímico, conhecer a geografia foi fundamental para a limpeza étnica promovida por Israel na Palestina, por meio do chamado “Plano Dalet” (1947-1948), que almejava expulsar todos os árabes palestinos da região para impor um Estado exclusivamente judeu em toda a Palestina.

Conforme aponta o historiador Ilan Pappe, a partir desse projeto foi organizado um meticuloso mapeamento de todos os vilarejos palestinos (urbanos e rurais), registrando detalhes precisos como localizações de cada vila, suas vias de acesso, qualidade da terra, nascentes de água, principais fontes de renda, composição sociopolítica, filiações religiosas, nomes de líderes comunitários, relações com outros vilarejos e idade da população masculina.

No entanto, o uso dos conhecimentos geográficos para colocar em prática o genocídio do povo palestino não está restrito ao passado.

Lembrando a obra da professora da Unicamp, Tânia Seneme do Canto, no presente contexto comunicacional, a cartografia tem passado por uma considerável expansão; incluindo novas formas, sujeitos e linguagens ao universo do mapeamento. Consequentemente, isso propicia o surgimento de outas formas de representar (e controlar) o espaço geográfico.

Logo, Israel também vai utilizar o que há de mais avançado para atingir a anteriormente mencionada “despalestinização” da Palestina.

Na atual fase do genocídio ocorrido na Faixa de Gaza, iniciada após 7 de outubro do ano passado, o exército israelense tem empregado a ferramenta Lavender, de Inteligência Artificial, para monitorar deslocamentos espaciais de possíveis “suspeitos de atividades terroristas” (eufemismo aplicado a todos os palestinos mortos por Tel Aviv) para, posteriormente, bombardear suas respectivas residências.

Ainda nessa linha, o documentário “Investigando crimes de guerra em Gaza”, produzido pela Al Jazeera, denuncia como Israel recorre a dados sobre coordenadas geográficas – que fornecem a localização de um determinado lugar – para atacar comboios de ajuda humanitária direcionada à população da Faixa de Gaza.

Em depoimento para o referido documentário, Bill Van Esveld, da Human Rights Watch, afirmou: “Nós registramos sete casos onde especificamente os trabalhadores humanitários foram atacados depois de ter dado aos militares israelenses suas coordenadas precisas e informações detalhadas, sobre suas atividades e movimentos. […] Nossa avaliação é muito clara que as autoridades israelenses estão usando a fome como arma de guerra em Gaza”.

Voltando ao livro “A Geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra”, Lacoste aponta que a chamada “Geografia dos professores” possui a estratégica função de ocultar a importância do raciocínio geográfico para fins bélicos, a partir de um ensino que opta pelo discurso fundamentalmente descritivo dos elementos humanos e naturais (expresso, sobretudo, nos manuais didáticos).

Nesse sentido, não é por acaso que o Estado sionista possui um ensino de Geografia totalmente voltado para legitimar o genocídio do povo palestino, com destaque para os mapas em livros didáticos que apresentam Israel com um território além da Palestina histórica, constituindo a bíblica “Eretz Yisrael” (que vai do Rio Nilo ao Rio Eufrates).

Portanto, em Israel, tanto a “Geografia dos Estados maiores e das grandes empresas capitalistas”, quanto a “Geografia dos professores”, não visam apenas à guerra, mas também legitimar aquele que, conforme a precisa definição da Federação Árabe Palestina do Brasil, já é considerado “o primeiro genocídio televisionado da história”.

Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.

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