Pra onde foi o tempo? Por Roberto Liebgott.

Por Roberto Liebgott.

De repente a memória se volta contra o tempo e procura por quem eu era, uma existência de crescimentos, avanços, pausas e recomeços.

Olho para trás e vejo o menino jogando bolita com outros meninos e meninas, que depois, com os anos, nunca mais se teria noticias deles.

Vejo meu pai Henrique aborrecido e doente, mas – também – encontro a mãe Catarina, forte, determinada e profundamente empenhada em cuidar da gente.

Eu vejo minha irmã Roseli e irmão Carlos, crianças ao redor de um fogão de lenha, aquecendo água, um bule de café e cozinhando uma panela de feijão.

Naqueles momentos pouco havia, além de uma casa velha, um pai adoecido e uma mãe que tomava conta de tudo e nos dava de comer.

Ela rezava – tinha uma fé inabalável -, acreditava que Deus daria suporte, segurança e zelaria sempre pelos seus.

Ela trabalhava tanto e, apesar de não possuir um palmo de terra, a tomava emprestada, para plantar pipoca, batata doce, mandioca, amendoins e milho.

Criava galinhas, além delas, sempre tinha um porquinho no chiqueiro e uma vaquinha – a Estrela, que nos fornecia o leite.

Nos domingos, depois da missa, o almoço era uma bela macarronada caseira, regada com o molho de alguma galinha cuidada no terreiro.

Crescíamos, entre muitos amigos – todos pobres e contentes -, como se a pobreza, algum dia, viesse a ofertar-lhes todas as boas aventuranças.

Íamos à escola de uniforme, carregávamos o caderno, lápis e borracha numa sacola feita da embalagem de arroz.

A felicidade se comunicava entre as pessoas humildes e sonhadoras, porque elas se abriam para o amanhã.

Sobreveio a doença na mãe, embora antes, o médico já havia desenganado o pai e, precocemente, o tempo deles esgotou.

Ficamos sós, mas as outras irmãs – do primeiro casamento do pai, Edy, Matilde e Lina -, nos levaram, cada qual para um lado.

Não sentiríamos mais os perfumes do jardim e do quintal que a mãe cuidava com tanto carinho e tão pouco teríamos aquele almoço de domingo.

Eu não jogo mais bolitas, minha irmã e irmão partilham alegrias, a vida ofereceu-lhes amores no caminho, Júlia, Amanda e Ana.

Tornei-me missionário indigenista no Cimi, convivo com povos originários, que seguem em movimentos de resistência por dentro das adversidades tensas e violentas.

Eu, apesar do tempo que andou apressado, percebo que a felicidade caminha pelo percurso compartilhado entre os amores mais sublimes.

Amores do cotidiano, nas boas e más horas, no lazer, nas lutas, no lar e na família, entre Iara, Camila e eu.

E me pergunto, pra onde foi o tempo – o meu tempo – de idas e vindas, de sonhos, risos, perdas, lágrimas e conquistas?

Concluo que o meu tempo foi constituído naquilo que me tornei, mesmo diante das nostalgias, ele segue por dentro de tudo que vivemos e somos.

O tempo não apaga as memórias, que me fazem visitar os que já se foram e aqueles que permanecem tecendo laços de vida.

Porto Alegre (RS), 17 de setembro de 2024.

Roberto Antônio Liebgott é Missionário do Conselho Indigenista Missionário/CIMI. Formado em Filosofia e Direito.

 

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