Justiça Federal barra devolução compulsória de migrantes retidos no aeroporto de Guarulhos

Medida atende a um habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União, mas tem caráter provisório

Migrantes retidos em área restrita do Terminal 3 do aeroporto de Guarulhos (SP). (Foto: ARRO)

Ao menos por enquanto, os migrantes que se encontram retidos no Aeroporto Internacional de Guarulhos não podem ser devolvidos aos países de origem. Essa foi a decisão que veio da Justiça Federal na quinta-feira (5) sobre três grupos de pessoas que ainda seguem na área restrita do terminal.

A decisão atendeu a um habeas corpus da Defensoria Pública da União (DPU) que pedia a proibição de devolução desses migrantes e que eles tenham acesso ao direito legal de requerer refúgio.

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O documento, ao qual o MigraMundo teve acesso, aponta que a medida atualmente em vigor no Brasil é ilegal e viola não apenas o direito de petição do migrante, mas, especificamente, o direito de solicitar refúgio e de ter acesso à regularização de sua situação migratória.

“Há verdadeiro perigo da demora, que vem consubstanciado na efetiva e iminenteretirada compulsória. Aliás, sequer se trata de perigo de dano, mas sim de dano efetivo. O que se busca com o pedido de medida liminar é, portanto, evitar a manutenção de uma conjuntura nefasta, que fere as garantias individuais fundamentais”, diz trecho do habeas corpus.

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De acordo com a decisão da Justiça, essas pessoas deverão permanecer sob custódia da Polícia Federal em área de fiscalização e segurança do aeroporto. A decisão vale até nova manifestação do Judiciário – ou seja, tem caráter provisório.

Em nota sobre a decisão, a DPU informou que “continua realizando visitas periódicas ao Aeroporto de Guarulhos e tomando as medidas judiciais cabíveis em defesa desses imigrantes”.

O MigraMundo procurou o Ministério da Justiça a respeito de alguma manifestação sobre a decisão e aguarda retorno.

Entenda o caso

Desde 26 de agosto está em vigor no Brasil uma medida estipulada pelo Ministério da Justiça que restringe a solicitação de refúgio por parte de pessoas migrantes que estejam apenas em trânsito pelo país. Na prática, pela nova norma, quem entrar com pedido de refúgio no Brasil e for de um país do qual é exigida a apresentação de visto terá que provar que está sendo perseguido no país de origem para ter autorização para ingressar em território brasileiro.

De acordo com a pasta, essa medida “tem como objetivo proteger o instituto do refúgio, assegurando seu acesso a pessoas que efetivamente demonstrem interesse em solicitar a proteção internacional por parte do Estado Brasileiro, além de quebrar a atuação de organizações criminosas no contrabando de imigrantes e tráfico de pessoas”.

O governo federal tem sustentado que o Brasil se tornou um local de trânsito de migrantes que visam basicamente chegar aos Estados Unidos e Canadá. Estudos diversos sobre a dinâmica migratória, no entanto, apontam que o Brasil é tanto um país de origem quanto de destino e de trânsito de pessoas migrantes.

A situação de migrantes na área restrita no aeroporto de Guarulhos não é nova, mas ganhou repercussão especial por conta do caso envolvendo o migrante ganês Evans Osei Wusu, de 39 anos, que passou mal depois de dias retido no terminal e acabou falecendo no último dia 13 de agosto. O caso vem gerando forte indignação, sobretudo junto à comunidade migrante, que cobra providências e justiça.

Manifestações

A medida anunciada pelo Ministério da Justiça é fortemente questionada tanto pela sociedade civil quanto pelo meio acadêmico e jurídico, que apontam tanto violações aos direitos garantidos aos migrantes por meio da legislação nacional quanto de acordos internacionais firmados pelo Brasil. A decisão recente da Justiça Federal em favor da DPU, ainda que em caráter provisório, é apontada como um exemplo dessa ausência de respaldo legal.

Em nota, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), por meio de seu Comitê de Migrações e Deslocamentos, vê nas restrições impostas pelo Ministério da Justiça uma violação aos direitos garantidos aos migrantes por meio da legislação nacional. E avalia que, na prática, ela dá à Polícia Federal um poder que só pode ser exercido pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados).

Um conjunto de 29 universidades brasileiras, por meio da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, expressou diretamente ao Conare sua contrariedade com a decisão do governo brasileiro. O grupo ressaltou a necessidade de se prevenir e combater o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes, mas que tais ações devem ser feitas respeitando os preceitos de proteção aos direitos humanos e de acordo com a tradição humanitária do Brasil.

Além disso, uma nota conjunta, assinada por dezenas de instituições, coletivos de migrantes e grupos de pesquisa no meio acadêmico, expressou repúdio à decisão do governo federal

As manifestações contrárias à decisão do governo ressaltam ainda que o caminho a ser adotado é o da construção de políticas públicas que definam direitos e deveres de cada um dos atores envolvidos com a temática migratória, e não o de restrições puras e simples.

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