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Chile: Jadue, um comunista que incomoda

A luta pela causa palestina é uma motivação ideológica para buscar sua prisão e inabilitação

Daniel Jadue. Foto: Agencia Uno

Por César Navarro Miranda.

A ferida que as ditaduras militares abriram em nossa região não se reduz apenas ao comportamento dos governos ditatoriais, mas também à sua ligação com grupos de poder econômico, midiático, político e religioso, além de promover e construir subjetividades fascistas em diferentes setores das sociedades. Estes dois últimos eixos justificam o sentido político de poder que transcende o tempo militar nos governos e se instala indefinidamente no presente como atores decisivos convertidos em democratas.

O Chile é um exemplo atual. Em outubro de 1988, um plebiscito decidiu estabelecer uma data de expiração para a ditadura de Pinochet, mas cerca de 43% concordaram em manter a ditadura até 1997. O pinochetismo deu direito aos cidadãos através do voto, o que definiu a formação do poder político chileno.

O último governo do bilionário Piñera e a candidatura do ultradireitista Kast, que perdeu no segundo turno presidencial para Boric, resumem o nível de politização da sociedade e das cidadãs e cidadãos chilenos.

No primeiro governo de Piñera, o sociólogo Daniel Jadue, descendente de palestinos e ex-coordenador geral da Juventude Palestina para a América Latina e o Caribe, membro do Partido Comunista do Chile, concorreu e venceu as eleições na comuna da Recoleta de Santiago em 2012 com 42%, em 2016 foi reeleito com 56%, em 2021 foi homologado prefeito com 64%. Jadue é filho da resistência e da luta democrática. Nas primárias presidenciais de 2021 da frente de esquerda Eu Aprovo a Dignidade, disputou a nomeação contra Gabriel Boric, A projeção do prefeito comunista é nacional e sua liderança ressoa como opção nas próximas eleições. Mas a forma de impedir a sua candidatura é inabilitá-lo através da prisão.

O prefeito comunista teve a capacidade de não se deixar absorver pela máquina política, burocrática e invisível do Estado. Além disso, perturbou o papel subordinado da comuna ao Estado. Desde sua liderança municipal lutou contra o lucro e o monopólio capitalista das farmácias privadas que definiam o custo dos medicamentos com base no lucro privado, em detrimento do direito à saúde. Fundou e formou “farmácias populares” pensando no ser humano e em o direito à saúde. Esta iniciativa foi assumida por cerca de 170 municípios do Chile, de todas as cores políticas, que fundaram a Associação Chilena de Farmácias Populares. Isto afetou uma das cadeias capitalistas: Farmacias Ahumada, da qual o empresário e ex-presidente Sebastián Piñera (+) era acionista.

Jadue foi denunciado pela empresa privada. As autoridades do Ministério Público e dos juízes, com a celeridade que corresponde ao poder, acusaram o prefeito comunista de “administração desleal e fraude fiscal”, ou seja, a acusação é que a comuna promoveu a venda e compra de medicamentos a preço abaixo do que impôs um monopólio privado às farmácias. Como afetava o lucro privado, chamaram-lhe “administração ou concorrência injusta”.

A luta pela causa palestina é uma motivação ideológica para procurar a sua prisão e impedimento. O centro sionista Simón Wiesenthal e recentemente o Departamento de Estado dos EUA acusaram Jadue de ser antissemita por acusar Israel de cometer genocídio em Gaza.

Jadue é um obstáculo comunista que tem que ser eliminado; a cumplicidade é judicial e política. O Pinochetismo, e também a certo nível o governo, estão interessados ??nisto. O prefeito da Recoleta critica Boric e a liderança política do poder de “esquerda”; nas eleições internas ele tem todas as chances de deslocar o revisionismo comunista e os socialistas de centro da corrida eleitoral e ser a opção presidencial.

A derrota da Assembleia Constituinte, um governo de “esquerdistas” funcional ao Estado que se construiu e emergiu da ditadura, são a característica da ofensiva da direita para a reprodução do poder. As próximas eleições, eliminando Jaude judicialmente, são o palco para que o Pinochetismo recupere a posse do poder político sem intermediários.

A certeza está baseada no efeito político e criminal do lawfare, a inabilitação é a necessidade que o poder exige e possibilita uma certa esquerda que aprendeu a fazer política sendo uma engrenagem do poder conservador.

César Navarro Miranda é um ex-ministro, um escritor com o coração e a cabeça à esquerda.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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