Breve histórico sobre as relações entre meios de comunicação e geopolítica. Por Francisco Fernandes Ladeira.

Por Francisco Fernandes Ladeira.

Pelo menos desde as primeiras décadas do século XX, não há como analisarmos o cenário geopolítico global sem levar em conta a importância dos diferentes meios de comunicação de massa; seja como instrumentos geopolíticos – aos quais os diversos atores internacionais recorrem para divulgar suas agendas –, seja na própria atuação dos grandes grupos midiáticos como geopolitical players.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o rádio foi fundamental para que as populações dos países beligerantes aderissem aos esforços de guerra. As ondas radiofônicas também proporcionaram palanques privilegiados para que nomes como Hitler, Stalin, Churchill, Vargas e Roosevelt se dirigissem diretamente às massas, revolucionando o caráter da liderança política.

Enquanto na Alemanha nazista todos os funcionários de rádio foram obrigados a se filiar à Câmara de Cultura do Reich; na Itália, o ditador fascista Benito Mussolini controlava com mão de ferro as estações radiofônicas, por onde divulgava sua doutrina e filtrava todas as informações disseminadas no país. Qualquer crítica ao governo era aniquilada, mediante uso da violência e do terror.

Na época, o impacto deste novo meio de comunicação foi tanto que, erroneamente, muitos consideraram que os movimentos de cunho fascista prosperaram, exclusivamente, por causa do rádio, negligenciando os aspectos políticos e econômicos que estavam por trás de suas ascensões, como a crise capitalista de 1929.

Posteriormente, o cinema despontou como importante mecanismo de soft power do recém-hegemônico imperialismo estadunidense. Assim, foram difundidos todos os tipos de estereótipos e geografias imaginativas que interessavam a Washington. No contexto da Guerra Fria, o objetivo era demonizar o comunismo soviético. Com o advento da Nova Ordem Mundial, o alvo da alteridade negativa se voltou para a civilização islâmica. Pelas telas do cinema, e posteriormente da televisão, o american way of life se vendeu para o mundo como modelo de vida a ser seguido.

Por falar nisso, a televisão elevou as relações entre mídia e geopolítica a um outro patamar. Nos noticiários televisivos do Ocidente, as grandes agências internacionais de notícias (sem exceção, ligadas às agendas externas das potências imperialistas) passaram a ditar “o que deveria” (e “o que não deveria”) ser noticiado; e “como seria” noticiado. Não por acaso, os grandes grupos de comunicação são considerados poderosos atores geopolíticos, que podem induzir o público a apoiar um conflito ou influenciar na deposição de governantes (Dilma Rousseff que o diga!).

Nem a programação infantil escapou. Os famosos Huguinho, Zezinho e Luisinho (órfãos e sobrinhos do Pato Donald) foram espécies de consolo para crianças estadunidenses que perderam os pais, mortos em combate na Segunda Guerra. Já os inimigos externos ianques eram constantemente ridicularizados em desenhos animados.

Em contrapartida, nem sempre a cobertura televisiva favorece a agenda geopolítica de uma grande potência. As fortes imagens da Guerra do Vietnã, por exemplo, foram fundamentais para que boa parte da população dos Estados Unidos se posicionasse contra o conflito no Sudeste Asiático.

Também os atores contra-hegemônicos souberam tirar proveito da visibilidade gerada pela televisão. O atentado de 11 de setembro não teria o mesmo impacto mundial se não fossem as imagens de um avião colidindo com as

Torres Gêmeas do World Trade Center. Ou seja, tratou-se de uma ação cuidadosamente planejada para ser um “grande evento midiático”, capaz de despertar a atenção de plateias em todo o planeta, gerando reações emotivas como ódio, medo, revolta ou até mesmo um tácito sadismo com a desgraça alheia.

No entanto, nenhum outro meio de comunicação de massa foi tão revolucionário para a geopolítica global quanto a internet (mesmo com as poucas décadas de sua popularização). Pela primeira vez na história, surgiu um veículo em que todos os seus usuários não são apenas consumidores de notícias; são também produtores e distribuidores de informações. Isso faz toda diferença.

Evidentemente, a rede mundial de computadores também é usada (e com eficiência) pelos atores internacionais hegemônicos. Basta lembrarmos sobre como as redes sociais foram importantes para convocar “manifestações espontâneas” mundo afora (as chamadas “revoluções coloridas”) patrocinadas pelo imperialismo ou como as big techs permitem discursos de ódio contra Putin e a Rússia e censuram posicionamentos pró-Palestina.

Por outro lado, tal como ocorria em relação à televisão, “inimigos” do Ocidente fazem bom uso da internet (de acordo com seus objetivos políticos). Na anteriormente citada Rússia, influenciadores digitais – conhecidos como “Z-bloggers” (ou blogueiros Z) – frequentemente são autorizados a acompanhar o exército do país para, posteriormente, publicar imagens da linha da frente, incentivando jovens a se alistar.

Do mesmo modo, as degolações realizadas pelo (não tão “inimigo” do Ocidente) Estado Islâmico, estrategicamente compartilhadas na internet, são eficientes chamarizes para o recrutamento de jovens muçulmanos sem perspectiva (e alvos de todos os tipos de preconceitos no continente europeu).

Nesse sentido, seria ingenuidade acreditar que o TikToK está em processo de banimento dos Estados Unidos somente pelas dancinhas escalafobéticas, por possíveis vazamentos de dados para o governo chinês ou pela concorrência comercial. Trata-se de um espaço online, diferentemente de seus congêneres, em que denúncias sobre o genocídio do povo palestino não são censuradas em grande escala.

Aliás, é na repercussão dos acontecimentos na Faixa de Gaza que podemos observar o caráter revolucionário da internet para a geopolítica global. Antes disso, Julian Assange e Edward Snowden já haviam exposto os podres do imperialismo ianque na rede mundial de computadores.

No entanto, as fortes imagens que rodam o mundo, vindas de Gaza, sobre perdas materiais e, sobretudo, humanas, – no primeiro genocídio “instragamável” da história –, fizeram cair o mito sionista de “defesa de Israel” e de um “exército que não ataca civis, só busca combater os ‘terroristas’ do Hamas” (eufemismo para “punição coletiva”). Contra fatos não há argumentos.

Ainda nessa linha, a imprensa alternativa tem contribuído significativamente para desconstruir narrativas hegemônicas favoráveis a Israel e esclarecer para audiências mundo afora sobre o que realmente ocorre na Palestina: mais uma etapa do processo de limpeza étnica da população autóctone daquela região (projeto que está no cerne do sionismo).

Se o Estado de Israel se encontra cada vez mais isolado no cenário internacional, não é exagero relacionar essa situação às denúncias de sua política genocida via internet, pois, como sabemos, há uma intensa propaganda ideológica pró-sionismo feita pelos grandes grupos de comunicação ocidentais.

Dialeticamente, o mesmo recurso digital que propicia escancarar para o mundo os crimes sionistas foi essencial, por exemplo, na organização da chamada “Internacional fascista” (associação que reúne políticos e figuras públicas ligadas à extrema direita). Mas, assim como o rádio não criou o nazismo, a internet, sozinha, não pariu Trump, Bolsonaro ou Milei. Basta lembrarmos que estamos em uma conjuntura de crise do capital, como ocorreu nos anos 1930.

Fato é que o cenário geopolítico atual não é o mesmo após a popularização da rede mundial de computadores. E essa nova realidade comunicacional, pelo menos para o campo progressista, é muito mais positiva do que negativa. A mídia hegemônica ocidental perdeu o monopólio de pautar a agenda pública global. Parafraseando Hans Christian Andersen, o imperialismo e seus aliados, de certa forma, agora estão nus.

Francisco Fernandes Ladeira é Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.

 

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