Porque a economia brasileira não avança. Por José Álvaro Cardoso.

Por José Álvaro Cardoso.

Os indicadores da economia brasileira têm melhorado recentemente, em alguns aspectos. A taxa de desemprego, por exemplo, de 7,8% no trimestre concluído em fevereiro, apesar de ser ainda bastante alta, vem caindo e o rendimento médio real dos ocupados, atualmente de R$ 3.100,00 (segundo a PNAD Contínua, do IBGE) também vem melhorando um pouco. Mas como as condições estruturais da economia brasileira são ainda muito adversas para a maioria, faltam medidas que realmente façam a diferença, especialmente para os mais pobres.

Em alguma medida o governo brasileiro está se baseando em fórmulas que deram certo no passado, mas que em face de uma realidade transformada, tendem a não funcionarem novamente. Cito alguns aspectos da questão:

1) O Banco Central não está mais no comando do presidente da República, a instituição se tornou “independente” em 2021. Ou seja, o governo federal perdeu o comando da política monetária, que é uma das fundamentais, e que define, por exemplo a taxa básica de juros, a Selic. Hoje, mais do que nunca, a taxa de juros é uma atribuição de alguns burocratas, em boa parte ligados aos banqueiros;

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2) Não existe mais o “boom das commodities”, ou seja, o aumento da demanda e dos preços de muitas commodities físicas, minerais e alimentares, que ocorreu durante os primeiros anos do século 21, e que impulsionou muitas economias ricas na produção deste tipo de mercadoria, especialmente na América Latina. No caso do Brasil esse processo permitiu uma folga nas contas públicas, possibilitando ações importantes, que melhoraram a vida de uma quantidade enorme de trabalhadores;

3) A economia vem crescendo pouco, há algum tempo, o que limita muito as ações públicas. A previsão para este ano é de um crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em torno de 2%;

4) As contas públicas continuam asfixiadas pelos gastos com a dívida pública;

5) A conjuntura internacional se agravou significativamente, em termos políticos e econômicos, atingindo patamares inéditos, o que influencia diretamente a economia brasileira.

Esses fatores tornam muito difícil realizar ações que melhorem expressivamente a vida dos trabalhadores, especialmente os mais pobres. Há uma polarização ao nível internacional, entre o imperialismo e os países subdesenvolvidos, que acaba por se refletir internamente nos países, como ocorre, por exemplo, em toda a América Latina. A gravidade da crise no sistema imperialista traz o risco dos conflitos escalarem, podendo chegar a uma conflagração de nível mundial.

Há vários focos da crise no mundo. A situação na América Latina ilustra essa gravidade da crise, com destaque para o caso da Argentina. Atualmente o país é uma espécie de laboratório de uma política de perda de direitos e de poder aquisitivo, que nunca foi vista no subcontinente, em período algum. O governo Javier Milei já enviou mais de mil medidas ao Congresso, ou as divulgou por decreto, que destroem a economia e o combalido poder aquisitivo da população. E vem prometendo tomar mais milhares de ações com o mesmo teor, de ataque aos direitos e à economia da Argentina. Não precisa ter bola de cristal para saber que tal política, se não for barrada pela população, irá conduzir o país vizinho a um beco sem saída, mais cedo ou mais tarde.

A política econômica atual do Brasil, caracterizada por juros estratosféricos e pesada restrição fiscal, dificulta muito o desenvolvimento de programas de transferência de renda aos mais pobres e de melhoria dos níveis salariais. A Selic, taxa básica de juros, em 10,50% ao ano, representa uma taxa real de 7%, a segunda do Planeta, abaixo somente da taxa praticada no México. Os juros da dívida de pessoas físicas, durante 2023, oscilaram em torno de 55%, para uma inflação acumulada inferior a 5%. Juros reais nesta magnitude impedem o crescimento da demanda das famílias na economia. A taxa média de juros para as empresas está em torno de 23%, o que praticamente inviabiliza o investimento produtivo. Quem dispõe de Capital, o destina para papeis da dívida pública, faturando, 7% após descontada a inflação. Nenhum investimento produtivo oferece um retorno destes, sem precisar contratar trabalhadores, adquirir matérias-primas, e vender o produto ou serviço. Isso explica em boa parte porque a economia brasileira vem fazendo “voos de galinha” há décadas.

O crescimento econômico nos países subdesenvolvidos não é questão meramente técnica. É ilusão imaginar que os países atrasados tenham total liberdade para tomar decisões de crescimento. O Brasil sofreu um golpe de Estado recentemente, exatamente pelas políticas econômicas adotadas por governos progressistas, mas moderados.

O golpe foi dado, por exemplo, para acabar com a Lei de Partilha, que retinha uma parcela maior da renda petroleira no Brasil, a partir da descoberta das reservas existentes na camada de pré-sal. Aliás, o que acontece na Petrobrás atualmente, no que se refere às decisões da direção da companhia, é uma ilustração dessa ingerência dos países imperialistas nas decisões econômicas do país. O agravamento da crise mundial tornou essa “marcação” sobre os subdesenvolvidos, ainda mais dura. Como os EUA perdem espaço no mundo de forma muito célere, apertam seu controle na América Latina, que consideram seu “quintal”.

O fenômeno mundial intitulado financeirização, no caso da economia brasileira pode ser traduzido em números muito concretos. O custo anual do programa Bolsa Família, que livra 56 milhões de brasileiros da fome absoluta, custa R$170 bilhões. O gasto anual com a NIB (Nova Indústria Brasil), política industrial do governo – considerando que o investimento será de R$300 bilhões em três anos – é de R$100 bilhões, para o desenvolvimento de uma política estratégia para o país, sob qualquer ângulo que seja observada. Ao mesmo tempo, o custo anual com juros da dívida pública (até janeiro último) chegou a R$745,9 bilhões, 7,5 vezes o gasto com a política industrial. Gasto este que serve apenas para enriquecer ainda mais milhares de superespeculadores, verdadeiros parasitas, que não produzem absolutamente nada.

Curiosamente, todo o foco das críticas da imprensa comercial e dos economistas ortodoxos são os gastos primários do governo, com saúde, educação e infraestrutura nacional, cujos orçamentos somados, aliás, são inferiores aos gastos anuais com a dívida pública. Como o governo não tem força para enfrentar os rentistas, é forçado a realizar acrobacias para gastar um pouquinho a mais com combate à pobreza ou com políticas estratégicas, como a política industrial.

O encaminhamento do crescimento e da distribuição de seus frutos, implica na retomada do papel que foi retirado do Estado brasileiro, nas últimas décadas. Mas o Estado hoje, em boa parte, é um gerador de lucros para o capital parasitário, através do mecanismo da dívida pública, como descrito. O que ainda torna a situação, por enquanto, relativamente acomodada, é que a inflação está no momento sob controle (menos de 4% em 12 meses), e o câmbio se mantem relativamente estável, em boa parte em função das reservas externas acumuladas há mais de uma década e que hoje estão em US$355 bilhões.

As ações econômicas que o governo conseguiu desenvolver, com destaque para o estabelecimento do Novo Marco Fiscal, interessa também à burguesia, ou seja o governo Lula conseguiu encaminhar algumas pautas importantes, sem entrar em trajetória de colisão com os setores dominantes do empresariado. Isso revela, por um lado, a própria natureza da coalização ampla, mas também um governo extremamente pressionado, que não conseguiu encaminhar medidas que realmente fariam a diferença para a maioria da população. Por exemplo, não foram desenvolvidas ações política para a reestatização da Eletrobrás, cuja privatização foi um verdadeiro crime de lesa pátria. Uma Eletrobrás pública seria fundamental para a oferta de energia a preços compatíveis e para a retomada da indústria no país.

O Brasil tem uma população muito pobre, são 8,5 milhões de pessoas desocupadas, sem contar o desemprego oculto por trabalho precário e por desalento, que também é muito elevado. Ademais, o subemprego é imenso: mais da metade da força de trabalho está na informalidade, onde todos os indicadores são muito ruins. Mesmo para quem está em um emprego formal, os salários são muito baixos, o rendimento médio real atual é de R$ 3.100,00. Esse valor corresponde a menos de 45% do valor do salário mínimo necessário calculado pelo Dieese (R$ 6.912,69, 4,9 vezes o mínimo atual de R$ 1.412,00).

Em plena nona economia do mundo em PIB, e no país que detém algumas das maiores reservas de riqueza do globo, mais de um quarto da população depende do Bolsa Família, para não passar fome. É um contexto, cuja alteração requer medidas vigorosas de redução da pobreza, na melhoria dos salários e no processo de “reindustrialização”. Resta saber se tais ações são possíveis, com o Estado nacional transferindo, todo ano, de 5% ou 6% do PIB para um grupo minúsculo (e muito poderoso) de especuladores.

José Álvaro Cardoso é economista do DIEESE em Santa Catarina.
A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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