Por Gustavo Veiga.
A história se repete 35 anos depois. A autodenominada Lei de Bases é o filho adotivo da Reforma do Estado de 1989. O dueto Menem-Cavallo é uma reminiscência do dueto Milei-Caputo. A lei atual “é cinco vezes” maior do que aquela, declarou Martín Menem, sobrinho do ex-presidente de La Rioja e agora a maior autoridade na Câmara dos Deputados. Ele contou o número de artigos da lei aprovada durante o governo de seu tio e lembrou que eram 107. Não no ônibus desses dias, que carrega muita angústia e uma traição colossal ao povo.
Mais uma vez, os ultradireitistas que o detestam tanto reavivaram o pensamento de Karl Marx. Também os peronistas com prazo de validade, como Miguel Pichetto e Cristian Ritondo, e os radicais livres de Rodrigo de Loredo, moléculas instáveis que sempre jogam com a direita. O autor de O Capital escreveu em O 18º Brumário de Luís Bonaparte: “Hegel diz em algum lugar que todos os grandes eventos e personagens da história universal aparecem, por assim dizer, duas vezes. Mas ele se esqueceu de acrescentar: uma vez como tragédia e outra como farsa”.
Estamos endurecidos, mas não derrotados. Isso é outra coisa. O mau humor social é como os galhos com os quais o fogo começa a ser preparado. Alguém precisa soprá-los e incendiar a pradaria. As puebladas são uma tradição muito argentina. O poder as teme. É por isso que ele se arma de impudência quando o pão está faltando na mesa de cada pessoa pobre. O protocolo antipiquete é seu impedimento, como o bastão de Mafalda que entorta a ideologia. Embora ele já tenha começado a se desgastar porque aqueles que marcham não têm medo dele.
A saga da lei que foi aprovada na Câmara dos Deputados tem uma cereja no topo da sobremesa da rendição nacional. Ela foi uma surpresa na véspera do Primeiro de Maio. É “o presentinho” para a classe trabalhadora mencionado no Congresso pela deputada da Frente de Izquierda, Myriam Bregman. Algo semelhante também foi dito pela deputada Julia Strada, da Unión por la Patria. Mas houve muito mais vozes – internas e externas – que pediram silêncio.
O governo comemorou sua festa com multinacionais, CEOS e lobistas, até mesmo nos camarotes do próprio Congresso. Lá estavam sentados a sorridente Karina Milei, o ministro Guillermo Francos e o diretor da YPF, José Rolandi. O mesmo homem que pediu aos acionistas da empresa estatal que quadruplicassem seu salário em 2024. Em outras palavras, para receber uns 410.000 reais. Para isso, há dinheiro.
A extrema direita também comemorou junto com a claque de jornalistas cortesãos que se intoxicam dia após dia com suas pregações antiestatais ditadas pela Casa Rosada. Eles são os mesmos que vivem da pauta oficial em todos os governos. No canal TN, seus olhos saltaram das órbitas quando Martín Menem contou sobre a façanha libertária de aprovar uma lei remendada que favorece o capital concentrado. Seus defensores se cansaram de dizer que votaram nela para “ajudar o povo”. O congressista José Luis Espert comentou o fato com seu cinismo habitual. Não há necessidade, Espert. O povo dispensa seus serviços para que ela não cause mais danos.
“Eles têm o poder e vão perdê-lo”, cantou Gustavo Cordera, da Bersuit, no final da década de 1990. A letra da música Señor Cobranza, escrita pelo líder do Las Manos de Filippi, Carlos Cabra de Vega, ainda ressoa em nossos ouvidos. Ela acaba de nos levar de volta ao mesmo pesadelo. O de um país doente que deve ser curado com o mesmo remédio legislativo.
“E agora? O que resta?
Eleição ou reeleição,
para mim é a mesma merda
Filhos da puta no Congresso
Filhos da puta na Rosada e em todos os ministérios”.
Se o ajuste é a lei, a rebelião popular é a justiça. A marcha universitária de 23 de abril nos deu uma indicação muito forte. Ela foi tão transversal quanto massiva. Ela galvanizou várias gerações de argentinos com uma demanda que se estende por todas as classes sociais: não mexam com a educação pública gratuita.
Essa foi apenas uma batalha vencida na guerra cultural desencadeada pelas forças do céu. Tão reacionários quanto vassalos do império que tem um presidente muito prestativo, que faz todos os seus recados para eles. Sob a bandeira do leilão que o La Libertad Avanza, o PRO e seus aliados da oposição amigável acabaram de aprovar, o país está à venda com a gente dentro.