Por Ashjan Sadique Adi.
As feministas ocidentais não estão preocupadas com as mulheres do “Oriente”, da Palestina, do Iraque, do Irã, do Afeganistão, da Índia, como não estão preocupadas com as mulheres negras ou indígenas daqui; nunca estiveram. Estas são as mulheres “homo sacer” do Agamben, sub-mulheres, mulheres inferiores, que valem menos; suas vidas valem menos, suas existências valem menos, seus filhos valem menos, suas famílias valem menos, logo, a morte delas em nada afeta, não mobiliza suas consciências, corações ou cotidianos. É um detalhe menor, não fará diferença. Elas podem morrer, porque seu luto vale menos também.
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Isso me lembra a discussão feita pela Lila Abu-Lughod, em 2012, no artigo “As mulheres muçulmanas precisam de salvação: reflexões antropológicas sobre o relativismo cultural e seus outros”, no qual a antropóloga aponta que não existe uma essência, uma natureza feminina, mas que somos socialmente construídas, assim como qualquer ser humano, e possuímos outros desejos, outras formas de ser mulher, de se vestir, de crer, de amar etc. E afirma: “nós precisamos desenvolver uma séria avaliação das diferenças entre as mulheres no mundo – como produtos de histórias diferentes, expressões de diferentes circunstâncias e manifestações de desejos distintamente estruturados”. Portanto, mulheres que não vivem como nós, não pensam como nós, não creem como nós e que tem todo direito a isso. Mas o Ocidente quer sempre homogeneizar, padronizar e ignora, inferioriza, quem não acata seus moldes e molduras.
Por sua vez, a questão de classe no movimento feminista é outra celeuma, silenciada, inclusive. Com o que as feministas ocidentais estão efetivamente preocupadas? Historicamente, foram mulheres da elite, que reivindicavam o direito ao voto, por exemplo, e agora discutem o direito de se vestir, de mostrar ou não o corpo. Essas são algumas das suas preocupações, enquanto as mulheres da classe trabalhadora sequer têm o que vestir! Ou seja, as necessidades são outras, mais básicas, de cunho material e não ideológico.
As feministas ocidentais estão preocupadas em tirar o véu das muçulmanas; não se preocupam com as suas condições de saúde, de educação, de emprego, de moradia e outros direitos básicos, elementares para uma vida razoavelmente digna e com qualidade. Aliás, direitos que são retirados pelo próprio Ocidente, com suas guerras e intervenções militares, de falso caráter salvacionista e civilizatório, até alegadamente humanitário e, não raro, ultimamente pelo menos, até comandadas por algumas mulheres ocidentais.
Toda essa situação é também atravessada pela questão da cor: o discurso das mulheres brancas em detrimento do discurso das mulheres marrons, que sequer tem direito à fala, que se quer são ouvidas. Assim como pela dicotomia, pela suposta oposição Ocidente/Oriente e, nesse Ocidente, o sul global. A dicotomia mulheres cristãs versus mulheres muçulmanas, a dicotomia mulheres livres e libertadas versus mulheres oprimidas e subordinadas. Enfim, são muitas as dicotomias inventadas a nos separar. Portanto, ainda temos muito a refletir e muitos preconceitos a dirimir para superar estas distâncias e ajudar nossas irmãs com imensas dores e sofrimentos nos diferentes lugares desse mundo.
Ashjan Sadique Adi é graduada em Psicologia e mestre em Educação pela UFMS, doutora em Psicologia Social pela USP/ Ribeirão Preto. Membra do GRACIAS – Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes e diretora da secretaria de mulheres da FEPAL – Federação Árabe-Palestina do Brasil.
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