Por mais hipocrisia que possa haver no fato de realizar-se um Festival Pela Paz, com participação majoritária de jovens ricos, bem ao lado do maior campo de concentração do mundo, a prisão ao ar livre onde se encontra a maior densidade populacional do planeta (aliada aos piores indicadores de vulnerabilidade social de crianças de toda a história da Palestina), eu não cometerei felicidade ao assistir aquelas imagens brutais. Nem em Gaza, nem em Jerusalém.
Apologia ao ódio, morte, combinam mais com Bolsonaro (simpático ao nazismo), Netanyahu (fascista, antipático ao nazismo), do que com a luta contra o nazifascismo (as ideologias cuja base é exatamente a violência). O oposto da apologia da morte é a democracia (a de verdade, não a inventada pela grande mídia). Política é, para mim, sinônimo de vida. Isso é fundamental.
Neste momento, tento não dirigir minha atenção para a cobertura tendenciosa, eurocentrista, dos grandes meios de comunicação ocidentais. Cada criança palestina silenciosamente assassinada durante todos esses anos, ou morta de fome, ou com doença mental incurável pela crise de ansiedade de conviver com a violência quotidiana imposta pelo Estado de Israel, atrai minha atenção tanto quanto a dor de qualquer mãe de qualquer jovem israelense ou palestino sequestrado.
Quantos já existiam, antes desse domingo, sendo torturados e violados nas prisões de Israel?
Eu não confundo oprimido com opressor. Eu vou atrás: onde tudo começou?
É hora de dedicar mais tempo a um bom livro de história do que as horas infinitas que passaremos assistindo a barbárie que não começa, só continua, nas redes sociais.
Me interessa muitíssimo saber sobre o posicionamento político, não neutro, dos grandes líderes mundiais. Estados Unidos, Russia, China? Não. Quero saber da Presidência de turno da União Europeia, Pedro Sánchez, atual presidente da Espanha, onde eu vivo, e da UE. Quero saber da Presidência do Conselho de Segurança da ONU, Brasil, Lula. O Estadista Presidente do Brasil, que é – de acordo com a maioria dos importantes analistas de geopolítica mundial – uma das poucas pessoas no mundo capaz de mediar e reduzir a escalada desse conflito histórico.
A Espanha é, desde mais de duas décadas, o país que mais dinheiro ganha (as empresas privadas espanholas) no Brasil e é hora de observar melhor esta relação. A Espanha, e o partido de Pedro Sánchez, o Partido Socialista (leia-se Social-Democrata), indicaram seu representante, Josep Borrell, para ser o Responsável de Relações Internacionais de toda a potente União Europeia. Borrel é um incendiário. Um extremista num contexto de extremismos. Um dos políticos mais à direita de todo o Partido Socialista espanhol (e foi por isso que ganhou esse cargo). Sendo catalão (de Barcelona), foi o representante político mais elogiado pela extrema-direita espanhola, na hora de acionar a violência do nacionalismo espanhol, monárquico, contra o referendo catalão de autodeterminação, republicano. A verborragia agressiva de Borrel já foi barril de pólvora no meio de diversos conflitos. Por isso mesmo, em tempos convulsos, ele é mantido.
Porque, no fundo, o que contaria, agora, seria falar cada vez mais de autodeterminação. É disso que estamos falando, por mais que queiram nos esconder. Por mais que o PT já não trate mais tanto disso: o partido que foi fundado com a defesa da autodeterminação dos povos, principalmente pensando no povo palestino, já não toca com frequência nesse assunto. Eu, sim. É de autodeterminação que estou falando, seja na Catalunha, na Palestina, no Kosovo (atentos a esse eterno conflito) e… na Ucrânia! É hora de “somente”, ser coerente. Defender aqui ou ali o mesmo que eu defendo em qualquer lugar do planeta. Sem hipócritas conveniências.
Senão… a Declaração dos Direitos Humanos já não vale? Toda pessoa nasce livre e em igualdade de condições para ser o que ela auto-determina: a pessoa pode ser o que ela diz querer ser? Essa é a base filosófica do salto do indivíduo ao coletivo. As pessoas, juntas, escolhem viver do jeito que elas querem viver. O direito delas impede que alguém venha e as invada, as agrida, as violente, querendo determinar “de fora” como elas devem viver e onde devem se esforçar para viver.
Como todo processo é histórico, não adianta que passem muitos anos ou séculos. Algumas feridas, quando não curadas (porque pimenta no olho dos outros pode ser refresco para olhos alheios), explodem a qualquer grande conflito. Jornal serve pra vender imagens sangrentas, mas também servem pra esconder o que os seus patrocinadores lucram com o não-ver.
Israel tem tanto direito a ser um Estado próprio e a viver em paz, como também a Palestina, a Catalunha… e a Ucrânia (você queira ou não queira, por mais complexidade que haja). Há que respeitar-se dois princípios fundamentais nas relações internacionais: que a democracia interna decida, votando ser o que a maioria dessa territorialidade seja o que quer ser; e que se mantenha o princípio de não agressão mútua com seus territórios vizinhos. Israel não cumpre nenhum desses dois fundamentos em relação à Palestina. Mente aos fatos quem tentar dizer o contrário.
Essa é a única possibilidade de não passarmos a contar mortes somente considerando a bomba de hoje. Como se a bomba de ontem não valesse, por não ter saído no grande jornal (que te engana).
Quer dados fiáveis, verificados? Acabarei esse texto com dados verificáveis. Os apresento estes, sistematizados pelo companheiro David Karvala, daqui de Barcelona.
Mais de 200 palestinos já haviam sido assassinados somente neste ano, diariamente, antes de ontem, antes da reação palestina. Desde o ano 2007, este número só aumenta e já foram quatro episódios de guerra. “Somente” neles, já morreram 5.400 palestinos, segundo a ONU; contra um número de menos de 100 cidadãos de Israel, a maioria soldados.
São 15 anos de bloqueio da Palestina, com 2,3 milhões de palestinos sobrevivendo num verdadeiro campo de concentração (a maior densidade populacional do mundo, de crianças principalmente), segundo palavras de representantes da ACNUR, a agência da ONU para refugiados. Esta agência caracteriza a maioria dos Palestinos como Refugiados, pessoas expulsas das suas casas desde 1948, ano que se constituiu o Estado de Israel (negando a existência do Estado Palestino). Por isso, a ONU criou um departamento específico para a Palestina. A Palestina histórica é um território completamente invadido por Israel, com incentivo do colonialismo europeu, britânico principalmente. Isso está historicamente documentado. Não mostra quem não quer mostrar.
O acesso à água, eletricidade, combustível e alimentos da Palestina, depende de Israel, que os bloqueia, acusando o governo palestino de terrorismo. Isto é o que os analistas internacionais chamam de Terrorismo de Estado, perpetrado pelo governo de Israel, um dos mais militarizados.
Hamás, o grupo que atualmente domina a política palestina, fala em 5.200 pessoas – presas e presos palestinos em condições de barbárie (sequestro, tortura, violações – a maioria, jovens – e desinformação, ocultação dos seus paradeiros e dos seus corpos já sem vida).
Na última guerra declarada (para os palestinos o estado de guerra é permanente desde 1948), Israel invadiu a Palestina e em 7 semanas matou 2.200 pessoas entre homens, mulheres e crianças.
Hoje, Israel acaba de anunciar que seu único objetivo será devastar o território palestino. A União Europeia, atualmente presidida pela Espanha posicionou-se ao lado de Israel. Os Estados Unidos anunciaram nova ajuda milionária e, com isso, gastarão muito mais dinheiro para o exército de Israel do que o da Ucrânia.
Só a solidariedade internacional, desde baixo (manifestações democráticas de rua em todo o Mundo e repercussão nos meios alternativos ou em redes sociais) será capaz de ajudar o povo palestino a escapar desse novo massacre. Não duvidemos, o objetivo é o seu completo extermínio, como declarou o próprio atual governante israelense, aliado de Trump, de Bolsonaro e do neocolonialismo europeu.
Porém, há solução. Cinquenta anos atrás, Israel bombardeou (ali também) a Palestina. Diante de tanto terror, os cidadãos de Israel mudaram de opinião e passaram a votar em candidatos de esquerda, judeus progressistas, que defendiam a criação de ambos Estados: de Israel e da Palestina. O acordo de paz só não prosperou porque uma bala assassinou o negociador do lado palestino. Uma bala! Quantas bombas mais?
Flávio Carvalho. Barcelona, 9 de outubro de 2023.
@1flaviocarvalho, @amaconaima, sociólogo e escritor, residente em Barcelona.
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