Por Laura Scofield, Caio de Freitas Paes, Agência Pública.
Até agora, não se sabia detalhes sobre o papel da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante a crise golpista entre o término das eleições de 2022 e o fim do governo Bolsonaro (PL). Com exclusividade, a Agência Pública obteve relatórios encaminhados à CPMI do 8 de janeiro, que revelam que não faltaram alertas oficiais aos governos de Jair Bolsonaro (PL) e Ibaneis Rocha (MDB-DF), além de avisos aos serviços de inteligência das Forças Armadas, quanto à gravidade do que acontecia em Brasília (DF). Em 27 de dezembro, por exemplo, ao avaliar riscos antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Abin descreveu o cenário que se veria na futura invasão aos Três Poderes de 8 de janeiro.
Em um dos relatórios o órgão indicou o “elevado grau de radicalização e potencial para mobilização para violência” de “integrantes do movimento em frente ao Quartel General do Exército em Brasília”, o que poderia resultar em “atos de vandalismo e dano à propriedade pública e privada”, “invasões ou bloqueios de prédios, espaços públicos e infraestruturas críticas” e “confronto contra forças de segurança”.
Naquele mesmo dia 27, a Abin também produziu um relatório focado na presença de militares extremistas na capital, com “indicativos de mobilização para violência” no “acampamento em frente ao Quartel General do Exército” – trata-se, aqui, dos reservistas “boinas vermelhas”, relatados em reportagem da Pública no mês passado.
No dia 28 de dezembro, o órgão de inteligência enviou um novo relatório com uma “avaliação de conflitos sociais” para o fim da transição de governo, entre 31 de dezembro e 6 de janeiro. “Os recentes desdobramentos do processo de transição de poder e a perspectiva de realização da Cerimônia de Posse tendem a catalisar a frustração de membros para a radicalização”, conforme o material consultado pela reportagem.
No dia seguinte, 29 de dezembro, houve uma tentativa frustrada de desmonte do acampamento em frente ao QG do Exército, cancelada por decisão do Comando do Exército. Ainda em março, a Pública expôs a falta de integração entre o Comando Militar do Planalto (CMP), a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) e a Polícia Federal (PF) para evitar o levante golpista na capital.
Os documentos da Abin também revelam como a agência enxergava o papel de grupos extremistas na crise golpista. No início de dezembro, a agência constatou uma novidade: “até o pleito eleitoral de 2022, não se identificava histórico de envolvimento de grupos de supremacistas e neonazistas com pautas políticas ou manifestações”.
A situação mudou com o bolsonarismo e “adeptos de movimentos de deslegitimização (sic) do Estado, de supremacismo branco e neonazismo” passaram a constituir “os vetores mais prováveis de ameaças extremistas ideologicamente motivadas no contexto da posse presidencial”, de acordo com o relatório do dia 28 de dezembro.
“Destaca-se o aumento do risco de que as ações violentas sejam realizadas com emprego de arma de fogo – inclusive de precisão e longo alcance. As armas utilizadas podem ser convencionais ou construídas em impressoras 3D”, acrescentou o mesmo texto.
Até agora, não se sabia detalhes sobre o papel da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante a crise golpista entre o término das eleições de 2022 e o fim do governo Bolsonaro (PL). Com exclusividade, a Agência Pública obteve relatórios encaminhados à CPMI do 8 de janeiro, que revelam que não faltaram alertas oficiais aos governos de Jair Bolsonaro (PL) e Ibaneis Rocha (MDB-DF), além de avisos aos serviços de inteligência das Forças Armadas, quanto à gravidade do que acontecia em Brasília (DF). Em 27 de dezembro, por exemplo, ao avaliar riscos antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Abin descreveu o cenário que se veria na futura invasão aos Três Poderes de 8 de janeiro.
Em um dos relatórios o órgão indicou o “elevado grau de radicalização e potencial para mobilização para violência” de “integrantes do movimento em frente ao Quartel General do Exército em Brasília”, o que poderia resultar em “atos de vandalismo e dano à propriedade pública e privada”, “invasões ou bloqueios de prédios, espaços públicos e infraestruturas críticas” e “confronto contra forças de segurança”.
Naquele mesmo dia 27, a Abin também produziu um relatório focado na presença de militares extremistas na capital, com “indicativos de mobilização para violência” no “acampamento em frente ao Quartel General do Exército” – trata-se, aqui, dos reservistas “boinas vermelhas”, relatados em reportagem da Pública no mês passado.
No dia 28 de dezembro, o órgão de inteligência enviou um novo relatório com uma “avaliação de conflitos sociais” para o fim da transição de governo, entre 31 de dezembro e 6 de janeiro. “Os recentes desdobramentos do processo de transição de poder e a perspectiva de realização da Cerimônia de Posse tendem a catalisar a frustração de membros para a radicalização”, conforme o material consultado pela reportagem.
No dia seguinte, 29 de dezembro, houve uma tentativa frustrada de desmonte do acampamento em frente ao QG do Exército, cancelada por decisão do Comando do Exército. Ainda em março, a Pública expôs a falta de integração entre o Comando Militar do Planalto (CMP), a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) e a Polícia Federal (PF) para evitar o levante golpista na capital.
Os documentos da Abin também revelam como a agência enxergava o papel de grupos extremistas na crise golpista. No início de dezembro, a agência constatou uma novidade: “até o pleito eleitoral de 2022, não se identificava histórico de envolvimento de grupos de supremacistas e neonazistas com pautas políticas ou manifestações”.
A situação mudou com o bolsonarismo e “adeptos de movimentos de deslegitimização (sic) do Estado, de supremacismo branco e neonazismo” passaram a constituir “os vetores mais prováveis de ameaças extremistas ideologicamente motivadas no contexto da posse presidencial”, de acordo com o relatório do dia 28 de dezembro.
“Destaca-se o aumento do risco de que as ações violentas sejam realizadas com emprego de arma de fogo – inclusive de precisão e longo alcance. As armas utilizadas podem ser convencionais ou construídas em impressoras 3D”, acrescentou o mesmo texto.
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A Abin ainda apontou a possível inspiração dos golpistas: a invasão ao Capitólio, nos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021. Para a agência, o “espelhamento de movimentos originados no exterior e importação de agendas políticas e de narrativas conspiratórias” dos EUA para o Brasil elevavam “a preocupação em relação à ocorrência de incidentes como a invasão de Capitólio”.
A memória do trabalho da Abin entre 1º de outubro de 2022 e 1º de janeiro de 2023 possui mais de 500 páginas de alertas e relatórios de inteligência. O material foi enviado pela agência em resposta a requerimento da relatora da CPMI, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), pedido este aprovado pela comissão.
Os avisos da Abin eram geralmente enviados a pastas centrais durante a crise golpista, como o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do general Augusto Heleno, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) de Anderson Torres e o Ministério da Defesa (MD) do general Paulo Sérgio Nogueira, além dos serviços de inteligência das Forças Armadas e da Casa Civil do hoje senador Ciro Nogueira (PP-PI).
Ainda conforme os materiais consultados pela reportagem, as polícias federais e a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal – responsável pela proteção da Esplanada e da Praça dos Três Poderes – também foram avisadas dos riscos durante o período.
O trabalho da inteligência do governo federal na crise golpista vem à tona em meio à queda da cúpula da segurança do Distrito Federal, por suposta omissão no impedimento dos atos extremistas que culminaram nas invasões aos prédios públicos.
A Procuradoria Geral da República (PGR) acusa os oficiais de alta patente da corporação de terem recebido informes de inteligência sobre os riscos de invasão aos Três Poderes e não terem agido – em função de um suposto “alinhamento ideológico” com os golpistas. Não à toa, o STF determinou a prisão preventiva de sete membros da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF) na última sexta (18).
Para a Abin, tentativa de invasão à PF serviu “como oportunidade de propaganda por atores extremistas violentos”
Ao contrário da tese bolsonarista que afirma que o acampamento em frente ao QG do Exército era pacífico, a inteligência do governo federal se preocupava com o potencial de violência gestado no local durante a transição de governo.
A inteligência da Abin alertou que alguns dos acampados tinham acesso e porte de armas de fogo, além de terem participado da tentativa de invasão à sede da PF em Brasília na noite de 12 de dezembro – quando da diplomação de Lula como presidente.
Em relatório produzido no 16 de dezembro a Abin avalia que o episódio serviu “como oportunidade de propaganda por atores extremistas violentos para recrutamento de novos adeptos e para aglutinação de atores radicalizados” na capital.
“A manutenção das estruturas de apoio nas proximidades das rodovias e de OM [Organizações Militares] permite o prolongamento da mobilização, com estabilidade no número de participantes”, segundo outro relatório, de 13 de dezembro, um dia após os ataques na capital.
À época, o órgão de inteligência monitorava o fluxo de ônibus e veículos particulares rumo a Brasília, identificando quatro pontos de forte presença do agronegócio como origem das carreatas que vinham clamar por intervenção militar e golpe de estado na capital.
“O primeiro compreende municípios ao longo da BR-163 e da BR-364. O segundo fluxo deslocou-se pela BR-158, proveniente da região de Água Boa/MT. O terceiro deslocou-se pela BR-020 a partir da região de Luiz Eduardo Magalhães/BA. O quarto fluxo inclui grupos menores de caminhões provenientes de diversas cidades de Goiás, sobretudo Rio Verde/GO e Jataí/GO, no eixo da BR-060”, de acordo com o mesmo relatório de inteligência.
Na última semana do ano, a Abin também monitorou as movimentações nos pontos de concentração de bolsonaristas, que contestavam o resultado eleitoral nas principais cidades do país. Nos dias 23, 26, 27, 28 e 29 de dezembro foram compartilhados alertas com mapas sobre a situação dos acampamentos nas capitais brasileiras.
À época, o órgão de inteligência indicava que não havia “incidentes” ou “riscos identificados” nos locais monitorados. Ao menos no caso de Brasília, a análise dos alertas da Abin contradiz a conclusão dos relatórios já citados – que identificaram riscos provenientes dos acampamentos e alertaram sobre a possibilidade de radicalização.
A agência também estimou a quantidade de pessoas que estariam no QG. Em 26 de dezembro, o número chegaria a mil acampados, com desmobilização nos dias seguintes. 4 dias depois, cerca de 700 pessoas continuariam no local. Na manhã de 8 de janeiro, ao menos 3.900 chegaram de ônibus a Brasília, apontou a Abin.
No Distrito Federal, os principais pontos acompanhados pelo órgão de inteligência foram: o QG do Exército, pela presença por mais de dois meses do acampamento golpista; o hotel Meliá, onde o presidente Lula ficou hospedado durante o governo de transição; o Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República, onde Jair Bolsonaro estava recebendo apoiadores após mais de um mês de silêncio depois de sua derrota eleitoral; e a Praça dos Três Poderes.
Vazio de inteligência em momentos cruciais
Há outros pontos de destaque no material consultado pela Pública – como um vazio de informações por mais de um mês, durante a consolidação dos acampamentos golpistas não apenas em Brasília, mas em outras capitais brasileiras.
No conjunto de documentos não há nenhum relatório de inteligência produzido entre 28 de outubro e 24 de novembro passados. Neste período, a Abin apenas emitiu alertas encaminhados às autoridades públicas.
O vácuo de relatórios se repetiu em um momento crucial, na primeira semana de governo Lula. Nos documentos acessados pela reportagem, não há relatórios de inteligência que tenham sido produzidos entre 31 de dezembro de 2022 e 9 de janeiro de 2023 – um tipo de informação essencial para a prevenção da tentativa de golpe ocorrida em Brasília. Novamente, a inteligência apenas enviou alertas.
Por exemplo, durante as invasões do dia 8 de janeiro, a Pública revelou que o termo “festa da Selma” foi usado como código para convidar golpistas a invadir os prédios públicos sem serem identificados pelas autoridades ou pelo monitoramento das redes sociais. Nos documentos acessados, nada indica que este termo estivesse sendo monitorado nas redes pela inteligência do Estado. Na última quinta-feira (17), a Polícia Federal prendeu oito suspeitos ligados ao uso do termo na internet por meio da Operação Lesa Pátria.
Após o dia 10 de janeiro, a Abin passou a produzir uma série de relatórios sobre o que havia ocorrido no final de semana. O material, também consultado pela Pública, tem quase 400 páginas e aprofunda a atuação de empresas do agronegócio e do garimpo ilegal na tentativa de golpe; a presença de grupos extremistas em Brasília (DF) antes do 8 de janeiro; além da listagem de empresas que teriam financiado ônibus e caminhões em direção à capital federal no período.
A Pública procurou todos os órgãos citados na reportagem como recebedores dos alertas e relatórios de inteligência entre 1º de outubro e 31 de dezembro de 2022, para saber quais providências foram tomadas a partir do repasse das informações da Abin.
A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal afirmou que “todos os fatos relacionados à operação do dia 8 de janeiro de 2023 estão em processo de apuração” e destacou que “todas as informações e dados solicitados pelos órgãos responsáveis pelas investigações foram encaminhados no prazo”. Questionada sobre a prisão da alta cúpula da PM-DF, a pasta informou que “não comenta sobre investigações em curso”.
A Marinha do Brasil afirmou que “cabe ao Centro de Inteligência da Marinha analisar os relatórios de Inteligência recebidos de outros órgãos de Inteligência integrantes do Sistema de Brasileiro de Inteligência e assessorar a Força Naval estritamente no tocante ao cumprimento de suas atribuições constitucionais”. “Coube à MB [Marinha do Brasil] garantir a segurança dos seus ativos e contribuir para a segurança do Palácio do Itamaraty, tarefas executadas com pleno êxito”, disse ainda a Força.
Em nota enviada após a publicação da reportagem, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) afirmou que “nenhum dos dirigentes da nova gestão do Ministério foi convidado a adentrar grupo de WhatsApp gerenciado pela ABIN para receber relatórios sobre golpistas e criminosos que atuaram no dia 8 de janeiro. Não temos informações sobre materiais eventualmente enviados para dirigentes que pertenciam ao governo passado.”
Não houve retorno do restante dos órgãos que receberam os alertas e relatórios da Abin. Caso se manifestem, a reportagem será atualizada.
*Atualização às 15:21 de 21/08/2023: Inserimos o retorno do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).