Por Amanda Miranda, jornalista da Agecom/UFSC.
Dois grupos de pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina – um do campus Florianópolis e outro do campus Joinville – trabalham em um projeto internacional que vai estudar a dinâmica da água e do óleo nas rochas para a extração de petróleo. O Laboratório de Meios Porosos e Propriedades Termofísicas (LMPT) e o Grupo de Pesquisa em Meios Porosos (Poro) estão sendo financiados pela petroleira norueguesa Equinor por meio da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O projeto envolve parceria com instituições brasileiras e colaboração com universidades da Escócia, Bélgica, Holanda e Estados Unidos.
Os pesquisadores, liderados em Florianópolis pelo professor Celso Peres Fernandes e em Joinville pelo professor Diogo Nardelli Siebert, também atuarão em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), onde está uma das instalações mais potentes do mundo para o estudo de materiais – o Sírius, acelerador de partículas que gera feixes de partículas subatômicas em velocidades altíssimas, muito próximas da velocidade da luz.
O contrato com a Equinor, no valor de R$ 9,5 milhões, é fruto da lei de petróleo, um recurso existente na ANP que prevê investimento em ciência e tecnologia no Brasil a partir da produtividade das operadoras que atuam no país. Segundo o professor Celso, a negociação começou no final de 2020, a partir da demanda da empresa, que já conhecia os grupos que trabalhavam com a análise de rochas. “Nós já tínhamos contato científico com eles há alguns anos. Como a Equinor já sabia o que queria e identificou grupos chaves e experientes nas universidades, ficou desenhado o papel de cada um no projeto”, reforça.
No caso do LMPT, o histórico de pesquisas do grupo e um equipamento específico, que realiza microtomografia de raios X de alta resolução espacial foram centrais para a participação na pesquisa, que envolve também o CNPEM e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Um importante processo para a extração do petróleo, que se encontra nos poros da rocha reservatório, consiste na injeção de água para deslocar o petróleo até a superfície. O estudo da UFSC envolve identificar como a água desloca o óleo dentro das rochas, um dos procedimentos que poderia aumentar a produtividade na extração do petróleo.O tomógrafo do laboratório gera imagens de alta resolução espacial, que permite que os menores poros por onde os líquidos circulam também sejam observados.
O professor explica que o acelerador de partículas Sirius complementa essas informações acrescentando a dimensão do tempo. “Com o equipamento que nós temos, conseguimos analisar água e óleo na rocha em condição estática. No Sirius também entra o tempo, e nós conseguiremos ver os fluidos se movimentando, acompanhando essa dinâmica”, diz.
O objetivo central da parceria é aprimorar o conhecimento sobre fenômenos de deslocamentos de óleo por água para contribuir com a eficiência na recuperação do petróleo, mas é a primeira vez que, por meio do Sírius, a equipe da UFSC terá acesso a esse nível de detalhamento.
A pesquisa será realizada na linha Mogno – uma linha de luz de imagem de raios X especializada em zoom-tomography, segundo o CNPEM uma técnica em que uma amostra pode ser estudada em baixa e alta resolução, e em experimentos in-situ resolvidos no tempo, a partir dos quais é possível observar um material sob condições específicas. “É a tecnologia dando dados para que nós possamos ter um aprimoramento científico de um problema físico”, finaliza Fernandes.
Imagens para aperfeiçoar algoritmos
A pesquisa também será executada por uma equipe de cientistas da UFSC Joinville, do Grupo de Pesquisa em Meios Porosos, o Poro. “Nós vamos poder interagir com pesquisadores que estão aplicando esse conhecimento dentro da indústria e também com pesquisadores no exterior que se debruçam sobre esses problemas”, destaca o professor Diogo Nardelli Siebert, ressaltando que o projeto envolve diferentes áreas da indústria.
Siebert também reforça que a interação com o laboratório nacional onde está o acelerador de partículas vai permitir que a equipe da UFSC tenha acesso a dados inéditos no mundo. Os pesquisadores de Joinville trabalham no desenvolvimento de algoritmos para prever dados como a quantidade de óleo residual depois da exploração petróleo e a permeabilidade das rochas – que influencia também na quantidade de energia necessária para extração do óleo.
“Esse tipo de previsão pode ser feito se a gente consegue simular como a água consegue retirar o óleo de dentro da rocha. Essa simulação depende de vários fatores: primeiro depende de a gente conseguir imagens de como são essas rochas e também de a gente entender como é que é a física da interação entre essas duas fases, que a água e óleo, e a rocha”, explica.
Segundo o professor, essa física é mais inacessível justamente pela dificuldade de se conseguir dados de como isso está ocorrendo e qual a influência de cada fenômeno. “Isso vai poder ser feito com base nesses experimentos que a gente faz em microtomógrafo, onde a gente pode repetir esse processo que acontece no interior da rocha e ter uma imagem 3D do que ocorre ali para entender melhor como se dá essas interações”, pontua.
Essa nova dimensão da compreensão física de como os diferentes fatores afetam o resultado final do processo de extração poderá ser incorporado aos algoritmos do Poro. “O nosso grupo desenvolve métodos para simular a física microscópica no interior das rochas”, sintetiza.
Outros ganhos científicos devem surgir a partir dessa parceria, já que, com base nessas informações, será possível aprimorar os resultados de modo que beneficie outras áreas além da indústria petrolífera. “A gente pode usar esse conhecimento para aprimorar os algoritmos e aplicá-los em outros problemas, pois há questões de impacto na sociedade que também então ligados a isso”. Um exemplo seria o escoamento ou a contaminação de lençóis freáticos, que também poderia ser prevista a partir do algoritmo.
“Essa infraestrutura do Sírius vai permitir a gente enxergar esse processo ocorrendo no tempo com uma resolução temporal, com uma quantidade de imagens por segundo que é impossível com qualquer outra técnica. A gente sabia, com base em conhecimentos teóricos que os processos ocorriam, mas agora a gente vai conseguir enxergá-los, medi-los e vai poder analisar se os nossos métodos de simulação estão prevendo esses fenômenos corretamente”, finaliza o professor.
Para o professor Jacques Mick, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da UFSC, a parceria com a Equinor, a Unicamp e o CNPEM reforça o compromisso da UFSC com o desenvolvimento de ciência e tecnologia de alta qualidade e suas aplicações na indústria, marca importante na identidade de nossa universidade. “Este projeto é especialmente relevante pela elevada internacionalização, ao nos conectar com uma multinacional atuante em um setor estratégico da economia brasileira e com pesquisadores de vários outros países”, salienta.