Em meio a uma onda de violência, fisica e verbal, contra refugiados africanos em Israel, os judeus etíopes acabam sofrendo os efeitos colaterais do aumento do racismo contra negros.
Hananya Vanda, doutorando de arqueologia da Universidade Ben Gurion, imigrou da Etiópia para Israel em 1980. Ele pertence a um grupo de acadêmicos etíopes que se dedicam à análise do fenômeno de discriminação racial contra os judeus negros em Israel.
O grupo, denominado YES (Young Ethiopian Students), estuda os aspectos culturais, econômicos, linguísticos e históricos do racismo contra os etíopes. De acordo com Vanda, em meio à crescente onda de racismo contra os refugiados africanos, aumenta o medo da comunidade etíope. Ele próprio sofreu agressões.
Ao passar perto da estação rodoviária de Tel Aviv, no dia 31 de maio, Vanda se deparou com uma manifestação em favor da expulsão de imigrantes sudaneses e eritreus de Israel. Os manifestantes, habitantes de bairros pobres do sul de Tel Aviv, juntamente com políticos de direita, acusavam os africanos de “disseminar doenças e ameaçar a segurança do público”.
Quando parou para conversar com os manifestantes, foi agredido por alguns deles, que gritaram “sudanês, vá para o Sudão!”. “Eu era o único negro no local e imediatamente a fúria dos manifestantes se voltou contra mim”, disse Vanda ao Terra. “Minha sorte foi que alguns israelenses, que também estavam lá, me protegeram”.
Negritude
Vanda afirma que na sociedade israelense existe racismo contra os judeus etíopes “pela nossa negritude”. “Há uma politica de dispersar a comunidade etíope por diversas partes do país, pois não gostam de ver um grande número de negros juntos”, disse.
No ano passado houve grandes manifestações contra a discriminação de judeus etíopes, depois que escolas se recusaram a aceitar alunos e condomínios proibiram o aluguel de apartamentos a membros da comunidade. O advogado etíope Elias Inbram chegou a imprimir uma camiseta com os dizeres “Cuidado, não sou infiltrado africano” e com a estrela de davi estampada em fundo amarelo, em referência à perseguição dos judeus pelo regime nazista.
“A produção da camiseta foi um gesto de protesto contra o racismo e contra a violência, para lembrar aos agressores do que o povo judeu sofreu na Europa”, disse Inbram. “Espero que, se alguém pensar em agredir um africano, se lembre dessa camiseta e evite fazê-lo”.
Inbram também disse que membros da comunidade etíope foram agredidos e que têm mais medo depois das agressões contra refugiados africanos. No entanto, Vanda discorda do gesto. “Acho estúpida a ideia da camiseta, pois passa a mensagem de que nós, os judeus etíopes, queremos nos diferenciar dos refugiados africanos, como se fosse legítimo agredi-los”, disse. “Devemos ser contra qualquer tipo de racismo”.
Para Yigal Shtayim, fundador do grupo Marak Lewinsky, que serve comida para refugiados africanos em Tel Aviv, o fenômeno do racismo contra negros estava adormecido e “foi despertado por políticos de direita, que incitam a população contra os refugiados africanos”.
Em Israel vivem cerca de 60 mil refugiados da África, principalmente da Eritreia e do Sudão, que entraram a pé no país, pela fronteira com o Egito.
Discriminação como política
O ministro do Interior, Eli Ishai, qualificou os refugiados africanos como “criminosos” e disse que “todos os infiltrados devem ser presos e expulsos”. Ishai também afirmou que os africanos “disseminam doenças” e que “constituem um perigo para a segurança de Israel”.
De acordo com Shtayim, o comportamento dos líderes políticos contra os refugiados africanos “vazou” e agora está ameaçando todos os negros do país, inclusive os judeus negros. “A desumanização que observamos hoje é consequência direta da política do governo em relação aos refugiados africanos”, acrescentou.
O governo israelense não fez triagem alguma entre os imigrantes africanos para verificar quais deles são refugiados e merecem receber asilo político no país.
Israel é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre os refugiados, que proíbe a repatriação de imigrantes do Sudão e da Eritreia, pois eles correriam risco de vida se voltassem a seus países.
O primeiro ministro Benjamin Netanyahu anunciou a construção de campos de detenção no sul do país para os quais serão enviados os refugiados africanos. Também está em andamento a construção de uma cerca na fronteira com o Egito, para conter a entrada de mais refugiados africanos em Israel.