Por Eduardo Marinho.
A manifestação odiosa do vereador de Caxias do Sul, em defesa da vinícola escravista, não é nenhum “absurdo”, embora seja de uma perversidade exemplar. Ele representa seus financiadores de campanha – a tal vinícola inclusive – e é a voz dos escravizadores contemporâneos. Trabalho escravo acontece no país inteiro – eu mesmo cruzei um fugitivo na estrada Belém-Brasília, em 1980 (“Fuga da escravidão”, em observareabsorver.blogspot.com). Cassar o mandato desse cara é importante e simbólico, mas não elimina essa mentalidade e, muito menos, essa prática.
Todos os “absurdos” acontecidos, toda a criminalidade institucional revelada, toda a perversidade trazida à tona, inclusive no convívio social, nas relações pessoais, familiares e nos coletivos em geral, estão aí, enraizados na sociedade. E encontraram campo, momento e estímulo para se revelarem sem pudor, como nunca antes.
Tempos de revelação, de transição e mudanças mais aceleradas do que nunca. Embora o “aceleramento” histórico possa passar despercebido à grande maioria, entorpecida, iludida e alienada pelo domínio das comunicações por empresas enormes, ligadas aos interesses econômicos ocidentais – leia-se anglo-estadunidenses encabeçados pelas antigas oligarquias agigantadas pela colonização de grande parte do mundo, de início pelas potências militares europeias, hoje pela união entre os mais podres de ricos que se instalaram nos subterrâneos dos governos de Estados Unidos e Grã-Bretanha.
O colonialismo que nos é imposto, induzido descarada e sutilmente, tem a função de submeter os países a esses interesses econômicos que agora estão ameaçados pelos poderes asiáticos. A guerra na Ucrânia é uma tentativa de evitar a perda desse domínio mundial – que se mostra inevitável – e as investidas em Taiwan são a continuação dessa tentativa. Rússia e China são a ameaça à quebra desse pretendido controle.
O chamado “mundo livre” é livre só pros endinheirados de cima, mas é a escravização geral a valores, objetivos e comportamentos induzidos, a uma visão superficial de mundo, à infantilização mental onde o “bicho-papão” é um “comunismo” que não se sabe o que é, mas apresentado como “perigo mortal” ou “demônio” da vez – aproveitando as raízes da já antiga “guerra fria”.
O pavor dos “de cima” sempre foi a união e a conscientização dos “de baixo”, maioria absoluta. Aí está uma seta na direção das lutas verdadeiramente revolucionárias.
Acabou o romantismo do revolucionário de fuzil na mão, combatendo exércitos compostos de pobres armados, alienados e atirados contra a maioria e suas organizações. Hoje a revolução acontece pela conscientização – sem a arrogância de “conduzir as massas” e com a humildade de aprender sua língua e respeitar a sabedoria de vida dos desescolarizados pela sabotagem institucional – tanto da educação, quanto das comunicações.
A sabedoria nasce nas dificuldades e sua superação, na resistência e organização independente das periferias, no sofrimento e na atenção às lições práticas da vida, na vida de cada um e na coletividade – enquanto o saber pode vir de mestres e livros acessíveis às classes médias, minoria social. A função não assumida dessa minoria – a não ser exceções – é levar esses saberes pra junto da sabedoria, que saberá melhor o que fazer com eles em benefício coletivo da maioria e, enfim, do todo.
Um serviço pra várias gerações, que já vem rolando há milênios e conta com milênios pela frente. Com picos de mutação como o que estamos vivenciando no presente.
Eduardo é arteiro, penseiro, escrevinhador entre outros.
Obs. A opinião do autor não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.