Por Murilo Pajolla, para Brasil de Fato.
A internet da Starlink, do bilionário Elon Musk, é comercializada em grupos virtuais de garimpeiros que atuam ilegalmente na Terra Indígena Yanomami (RR). O serviço é fornecido via satélite e oferece uma das velocidades de conexão mais altas do Brasil, mesmo em áreas remotas e distantes de grandes centros.
Em um grupo de WhatsApp que reúne garimpeiros de Roraima, a antena da Starlink – braço da SpaceX de Musk – é revendida por até R$ 9,5 mil, quase quatro vezes o preço cobrado no site da empresa. Também “inflacionada”, a mensalidade oferecida aos mineradores chega a R$ 2,5 mil, dez vezes mais do que o valor do plano básico da companhia.
No Brasil não há mecanismos de fiscalização do uso de internet para atividades ilegais na Amazônia. Mas revender o serviço fere as regras da empresa de Elon Musk.
Os termos de uso da Starlink deixam claro: “você não pode revender o acesso aos Serviços a terceiros como um serviço autônomo, integrado ou de valor agregado sob este acordo”. As normas, disponíveis no site da empresa, não preveem punição a quem infringir a regra.
Os mesmos perfis de WhatsApp que revendem a internet da Starlink anunciam a compra de ouro e cassiterita extraídos ilegalmente da Terra Indígena Yanomami. Eles fazem parte, portanto, da cadeia ilegal de comercialização de minérios, que, sem fiscalização adequada, movimenta cifras bilionárias no país.
O Brasil de Fato perguntou ao representante legal da Starlink no Brasil, Vitor Urner, se a empresa pretende coibir a revenda de antenas. Ele disse por e-mail que não está autorizado a emitir posicionamentos públicos. A Starlink não disponibiliza contatos da assessoria de imprensa.
Starlink chegou primeiro a garimpeiros
A Starlink de Musk não é a única internet revendida em grupos virtuais de garimpeiros. A reportagem também localizou anúncios da Viasat, companhia norteamericana que fornece equipamentos e serviços para comunicações militares e comerciais nos Estados Unidos. No Brasil, a Viasat provê internet para áreas rurais com autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Comercializada pelos garimpeiros de Roraima desde novembro do ano passado, a internet de Elon Musk chegou pela primeira vez a uma comunidade Yanomami há duas semanas. No dia 31 de janeiro, a antena da empresa foi instalada em um polo de saúde na região do Surucucu, uma das mais afetadas pelo garimpo na Terra Indígena Yanomami.
Junior Yanomami, líder indígena da região e presidente da Urihi Associação Yanomami, disse ao portal g1 que o momento era “um marco histórico”, já que até então a comunicação era feita apenas por meio de radiofonia.
Internet foi vital para expansão do garimpo
Líderes indígenas e especialistas já afirmaram ao Brasil de Fato que a internet foi vital para que o garimpo ganhasse a escala atual no território Yanomami. A conexão ajudou a aumentar a “produtividade” da atividade, em comparação com o modelo de mineração ilegal que ocorria no território há 30 anos.
Além de internet, serviços diversos são oferecidos por meio de grupos de WhatsApp e Facebook, desde o transporte em áreas de garimpo ilegal até a venda de mercúrio, substância tóxica que envenena os rios usada na purificação do ouro.
Segundo o Ministério Público Federal de Roraima (MPF), a internet dificulta o êxito de operações policiais contra a mineração ilegal. Em muitos casos, os primeiros garimpeiros a serem alvos da fiscalização alertam colegas de trabalho em áreas mais distantes, diminuindo a chance de flagrante. A reportagem já flagrou esse tipo de alerta acontecendo em grupos virtuais de garimpeiros de Roraima.
Governo Bolsonaro interferiu na Anatel para favorecer Starlink
A chegada da Starlink ao Brasil foi marcada por irregularidades. Em 2022, o Brasil de Fato revelou que o governo de Jair Bolsonaro (PL) interferiu na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) pela autorização da operação, em território brasileiro, dos satélites da Starlink.
Quando esteve no Brasil para anunciar o início da operação da Starlink no país, Elon Musk afirmou que pretendia fornecer internet para 19 mil escolas em áreas remotas do Brasil. Em setembro do ano passado, três meses após o anúncio, o serviço havia chegado a apenas três escolas da região metropolitana de Manaus (AM).
Desde então, não houve anúncio da expansão do projeto educacional. O Brasil de Fato perguntou aos ministérios da Educação e das Comunicações se a iniciativa continua em andamento, mas não houve resposta até a publicação da reportagem.
Starlink feriu normas da Anatel
Na época da implementação no país, o modelo comercial da Starlink desrespeitava normas da Anatel e o Código de Defesa do Consumidor. A empresa não informava aos clientes o endereço ou a razão social da empresa, o que fere as regras da Agência. A informação foi publicada em setembro de 2022 pela Folha de S. Paulo.
Até o momento, não há registros de processos com o nome da Starlink na base de dados pública disponibilizada pela Anatel. A reportagem perguntou à agência reguladora se a empresa sofreu alguma sanção ou se há procedimentos administrativos em curso para apurar as irregularidades. Caso haja resposta, o texto será atualizado.
Edição: Thalita Pires