Carta do Encontro em memória de Sepé Tiaraju
Nós, Mbya Guarani das Tekoa do Rio Grande do Sul, nos reunimos, de 18 a 21 de fevereiro de 2023, em Eldorado do Sul, para homenagear e celebrar a memória de Sepé Tiaraju, assassinado – em 07 de fevereiro de 1756 – pelos soldados dos exércitos da Espanha e Portugal, países invasores dos territórios imemoriais dos Povos Indígenas.
Sepé Tiaraju liderou nosso povo nas lutas em defesa da Mãe Terra, da natureza e dos nossos modos de ser e viver. Sepé Tiaraju, no entender de nossos antepassados, tornou-se um facho de luz a iluminar e guiar nosso povo na incansável busca pela Terra Sem Mal.
Nesses dias de encontro e memória, nós, mais de 250 pessoas, de 38 comunidades Mbya Guarani, somados aos nossos apoiadores, refletimos sobre os desafios impostos pelos governantes e pelas sociedades dos brancos – os juruá – que negam nossos direitos a uma assistência diferenciada nas áreas de saúde, educação escolar, nutrição, habitação, agricultura tradicional e à demarcação, regularização e garantia das terras. E, não bastasse tudo isso, os brancos degradam o ambiente através de projetos gananciosos que destroem os espaços sagrados de vida, contaminam as águas, devastam as matas e exterminam os animais silvestres, as aves e os peixes.
Nós, Mbya Guarani, esperamos e ainda acreditamos que o novo governo atue em favor da vida, pela defesa da terra, contra a degradação do que sobrou da natureza. É preciso parar de matar e começar a reconstruir e fazer nascer as sementes do bem viver.
Nós esperamos que o Ministério dos Povos Indígenas seja um espaço de diálogo, de acolhimento das demandas indígenas e, acima de tudo, atue na formulação e execução das políticas que assegurem a demarcação das terras, sua fiscalização e proteção. Sem a terra não há futuro, sem a terra morremos todos.
Nós esperamos que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas seja um órgão voltado para os povos e que atue diretamente nas áreas, junto às nossas comunidades, buscando solucionar os problemas, especialmente os fundiários.
A Funai precisa agir no sentido de retirar e indenizar os ocupantes de boa-fé das nossas terras e punir os invasores. Há dezenas de áreas ocupadas por exploradores e nada se fez para acabar com as práticas de invasão e exploração dos bens da natureza.
No Rio Grande do Sul há 25 comunidades indígenas que foram assentadas em terras públicas do estado, mas estão ameaçadas de despejo, porque o governo vendeu essas mesmas terras para empresas privadas.
Nós reivindicamos a imediata regularização de todas as terras cedidas pelo governo do estado do Rio Grande do Sul ao nosso povo Mbya Guarani. São elas: Três Bicos, no município de Camaquã; Piquiri, em Cachoeira do Sul; Ka’aguy Poty, em Estrela Velha; Pará Roke, em Rio Grande; Ka’aguy Porã, em Maquine; Yy Rupa, em Terra de Areia; Guajayvi, em Charqueadas e Gauviraty Porã, em Santa Maria.
Há ainda aquelas comunidades que decidiram retomar as terras por falta de demarcação, mas, lamentavelmente, as famílias foram, ao longo dos anos, abandonadas pela Funai. Exigimos respeito por estas comunidades e empenho da Funai junto ao Poder Judiciário para conter os processos de reintegrações de posse. E, diante desta realidade, é necessário criar os grupos de trabalhos para realizar os estudos circunstanciados de identificação e delimitação das áreas retomadas em Canela, Cachoeirinha e Ponta do Arado.
É urgente que a Funai retome os Grupos de Trabalho para a demarcação das nossas terras de Itapuã, Morro do Coco e Ponta da Formiga; Petim, Arroio do Conde e Passo Grande; Capivari do Sul, Estiva, Lomba do Pinheiro e Lami.
Há ainda muitas outras terras reivindicadas por nossas comunidades e que precisam das ações e medidas administrativas da Funai no sentido de proceder suas identificações e delimitações, tais como Mata São Lourenço, Esquina Ezequiel, Caró, Porto São Xavier.
É também urgente que se concluam as demarcações das terras Mato Preto e Irapuá. Estas áreas já passaram por todos os procedimentos demarcatórios, mas as nossas comunidades não têm possibilidade de acessar os territórios por conta da pressão dos inimigos da causa indígena e por falta de diálogo e negociação com os pequenos agricultores que foram, no passado, assentados sobre as nossas áreas.
Nos preocupa muito a omissão dos governantes na atenção em saúde. Sentimos que, nos últimos anos, as equipes responsáveis pela assistência nas comunidades ficaram fracas. Também sentimos grandes dificuldades de poder participar das discussões e dos planejamentos das ações e serviços em saúde. Precisamos dialogar mais sobre as contratações de motoristas, agentes de saúde, técnicas e técnicos em enfermagem e de outros profissionais que compõem as equipes que prestam assistência em nossas comunidades, também se requer a criação de um Polo Base em Camaquã ou Pelotas.
No que se refere à educação escolar, nossas comunidades avaliam que existe uma despreocupação do estado quanto a implementação de uma educação bilíngue e diferenciada. Reclamamos a falta de escola e de infraestrutura na maioria dos nossos Tekoa. Falta cursos ou formação específica para os nossos professores (as). Nossas lideranças, muito raramente, são chamadas ou convidadas para discutir e planejar a educação escolar e nossos pedidos e reivindicações, em geral, são esquecidos dentro de gavetas na secretaria de educação.
Requeremos, junto ao governo federal, posição contrária a tese criminosa do marco temporal e apelamos, à Ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal, que retome a pauta do julgamento do Recurso Extraordinário de repercussão geral, que discute esta tese anti-indígena e o indigenato, acolhido pela nossa Constituição Federal em seu artigo 231.
Nós, os Mbya Guarani, nos manteremos unidos e mobilizados pela defesa dos nossos direitos. Seguiremos com firmeza e determinação nas nossas lutas por justiça, terra e vida.
E assim como Sepé fez, nós faremos, gritando a todos e todas, Alto Lá! Esta terra tem dono!
Eldorado do Sul, RS, 21 de fevereiro de 2023