Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.
“Ser cultos para ser libres” José Martí
Em outubro de 2021, a jornalista Lara Meneguelli, no sítio greenMe, informava que no Brasil, a cada 3 dias, uma grande livraria fechava as portas. Meneguelli acrescentava que em 2014 existiam 3.095 livrarias no país, mas que, em 2020, só restavam 2.200.
Já em 2022, a jornalista Bruna Teixeira, no Portal Prensa, debruçava-se sobre o problema e refletia sobre vários pontos que se conjugam para a desaparição constante das livrarias. Bruna Teixeira trouxe à luz os seguintes dados, afirmando a priori que “os brasileiros, no geral, não são conhecidos pelo seu hábito de ler. Lemos em média cinco livros por ano, segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil de 2019. Outra pesquisa do Instituto Pró Livro aponta que de 2015 para 2019, a porcentagem de leitores no Brasil caiu de 56% para 52%, sendo as maiores quedas de percentual de leitores observadas entre os mais ricos (classe A), que foram de 76% para 67% nesse mesmo período”.
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Os dados apresentados pela jornalista são uma boa fotografia também da sociedade brasileira contemporânea e como ela se representa, nas suas decisões pessoais, sociais e políticas. A maior queda de leitores entre os mais ricos coincide com o fato de ser entre o segmento dos ricos que estão os maiores apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Seguindo com o artigo de Bruna Teixeira vemos que “Dentre os motivos citados pelos entrevistados que deixaram de ler, os mais frequentes são a falta de tempo, as dificuldades de leitura (não saber ler, falta de concentração ou entendimento do texto), o aumento no preço dos livros, a falta de bibliotecas por perto e o aumento do uso das redes sociais no tempo livre”. Sobre estes dados que desaguaram no cenário que vemos em 2023, onde livrarias clássicas e icônicas do Brasil estão fechando as portas, em estado de falência ou em plena decadência, precisamos refletir.
Há menos livrarias, é fato, agora também há outras formas de ler através da internet. Mas todo mundo tem acesso a internet e de boa qualidade no Brasil? É fácil para todo mundo ler um livro em PDF, por exemplo. Todas as pessoas podem xerocar um livro inteiro? Quantos trabalhadores/as ficam sem emprego com o fechamento das grandes livrarias ou com a diminuição dos tamanhos das lojas, como aconteceu com a Livraria Catarinense em Florianópolis. Quantas editoras se vem obrigadas a fechar suas portas se o consumo de livros diminui sem o estímulo das livrarias? Podem os livreiros autônomos dar conta da demanda reprimida se houver?
No entanto, há outras perguntas na análise de Bruna Teixeira que são reveladores de problemas mais graves e constantes no decorrer da nossa história. Nas cidades gigantes e mal planejadas do Brasil as pessoas carecem de tempo para exercer direitos fundamentais com o lazer e a leitura, com deslocamentos para ir e vir das suas atividades cotidianas que fazem impossível o remanso mínimo para ler. Mesmo em Florianópolis, se a pessoa trabalha 8 horas diárias como é o caso de muita gente, ler é tarefa de fim de semana que concorre com a atenção básica do lar e a conversa com a família ou o futebol, assistido apenas com clicar o controle. 8 horas de trabalho e, no melhor dos casos, duas horas de transporte por dia, configuram 10 horas privadas de leitura, cozinhar, lavar, etc. consomem o restante do tempo.
Mas há outro dado assustador que também faz parte do problema. A pesquisa global Perigos da Percepção, realizada em 2017 em 38 países trouxe à tona uma dificuldade extra. O ranking, compara opiniões da população com dados da realidade, e os brasileiros só estão atrás dos sul-africanos. As informações coletadas foram comparadas com dados de fontes oficiais, resultando no ‘Índice da Percepção Equivocada’. O ranking aponta as distorções entre opiniões e realidade. Os piores resultados foram da África do Sul (1º), do Brasil (2º), Filipinas (3º), Peru (4º) e Índia (5º). De forma complementar, essa pesquisa revela o que Teixeira constatou, a dificuldades de percepção, problemas que fazem com que a pessoa tenha dificuldade em entender um texto, o famoso “não saber ler”.
Esse problema de falta de interesse, capacidade de compreensão ou mesmo possibilidade de acesso à leitura é estrutural. Vem de décadas de desinteresse de diferentes governos locais e federais pela qualidade do ensino, pela instrução crítica, pelo estímulo ao conhecimento e à leitura. O investimento em educação formal no Brasil é baixíssimo. Em 2021 o site G1 apresentava um relatório que mostrava que o Brasil tinha um dos mais baixos investimentos em educação: US$ 3.250 por aluno ao ano contra mais de US$ 10 mil na média dos 38 países da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento. E que não houve aumento de recursos em 2020, mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia.
Se a isto somarmos o monopólio do papel, o rebaixamento da programação televisiva, o estresse laboral, o custo dos livros, a simplificação terrível da informação através das redes sociais que fazem com que o indivíduo se sinta informado por uma manchete, ou mesmo por uma mentira que não consegue dissociar da realidade, teremos um cenário ideal para a morte das livrarias, a continuidade do baixo índice de leitura por pessoa no Brasil e o desinteresse pelo trabalho gigante dos nossos escritores e escritoras.
Sem livros a sociedade visita a perigosa zona da escuridão, das trevas, da ignorância plena, aonde nos quer levar o mundo do lucro, da superficialidade e do divertimento. Claro, para nos explorar melhor.
Salvem as livrarias e as bibliotecas, ninhos do saber.
Edição e Publicação: Tali Feld Gleiser
Raul Fitipaldi é jornalista e cofundador do Portal Desacato e da Cooperativa Comunicacional Sul.
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