Por Nicoly Ambrosio , Amazônia Real.
O novo Ministério da Igualdade Racial, sob o comando da ativista e jornalista Anielle Franco, trouxe ares de esperança para o movimento negro no País. Para as lideranças negras e quilombolas do Amazonas, o órgão federal dá um novo alento para a retomada da certificação de territórios quilombolas. A luta contra o racismo é outra ação que será cobrada.
“Esperamos que penas severas sejam aplicadas para as pessoas que usam de má-fé, que deturpam e que falam mal da imagem do negro. Queremos ser respeitados em questão de religião, igualdade racial e social”, resume Keilah Fonseca, presidente da Associação Crioula do Barranco de São Benedito.
“Essa retomada de direitos perdidos será para nós uma forma de fazer com que a sociedade brasileira realmente chegue a aquilo que nós tanto almejamos, que é a justiça social, todas as faces da sociedade estarem em tal equilíbrio que faça com que todos possam buscar suas oportunidades igualmente”, acrescenta Arlete Anchieta, professora e coordenadora do Fórum Permanente de Afrodescendentes do Amazonas (Fopaam ).
Há esperança, mas também pressa para recuperar a terra arrasada que foi a gestão de Jair Bolsonaro (PL) sobre as políticas públicas de igualdade racial. Não havia dinheiro para executá-las, depois de uma drástica redução do orçamento destinado à área. No governo anterior, a igualdade racial ficou sob responsabilidade do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, da bolsonarista Damares Alves, eleita senadora.
A pauta pleiteada pelos movimentos é ampla e abarca os temas transversais da educação, da saúde e de ações voltadas à população jovem, periférica e negra. Keilah Fonseca afirma que espera da ministra Anielle Franco e do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a execução efetiva de políticas públicas para que o racismo, em caráter geral, seja combatido. Um primeiro passo já foi dado, de forma simbólica e categórica. Durante a cerimônia de transmissão de cargo da nova ministra , Lula sancionou o Projeto de Lei que tipifica a injúria racial como crime de racismo.
Representante do Movimento de Mulheres Negras da Floresta – Dandara, a historiadora e ativista do movimento negro Francy Júnior lista uma série de expectativas que o próprio movimento negro tem, como implementar e subsidiar as secretarias estaduais de igualdade racial, promover e fomentar os conselhos estaduais de igualdade racial, mapear os casos de racismos e injúria racial nos estados que ainda não foram julgados e implementar a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância. “Queremos o diálogo constante com o movimento negro”, diz Francy.
Elisa Maia, cantora amazonense e gestora no Coletivo Difusão, organização cultural voltada para a cultura negra e periférica em Manaus, considera que “o Brasil ganha muito com o Ministério da Igualdade Racial, porque mostra que o novo governo e assim o Estado brasileiro reconhecem a importância de cuidar da população negra, maioria dos brasileiros, e deve tratar racismo como um mal a ser combatido”.
Para Arlete Anchieta, é “tempo de esperançar, buscar novas lutas e resgatar o que nos foi retirado”. A ativista elogia a ministra Anielle Franco, a qual diz ter “todo um letramento sobre o racismo, sobre o preconceito da sociedade”. “É uma pessoa que viveu e vive tudo o que a nossa população precisa superar”, diz.
Reconstrução institucional
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, participa da cerimônia de posse das ministras da Igualdade Racial, Anielle Franco, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara (Valter Campanato/Agência Brasil)
O novo ministério é a retomada de um movimento que surgiu com a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), criada em 2003 durante o primeiro governo Lula. Em 2015, em uma reforma ministerial do governo de Dilma Rousseff (PT), a pasta foi reduzida a órgão subordinado ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.
A partir de novembro de 2022, um grupo de transição de igualdade racial do governo Lula passou a indicar nomes de profissionais negros para ocupar as pastas da gestão, além de fazer um raio-X da área, que está sem verba já que nenhum recurso foi alocado para a promoção da igualdade racial no Orçamento deste ano (Projeto de Lei Orçamentária Anual) . O GT de Transição de Igualdade Racial estabeleceu que a prioridade é colocar o combate ao racismo no centro de pautas importantes, como economia, educação e questões climáticas.
Anielle Franco aceitou o convite de Lula e foi empossada como ministra da Igualdade Racial no dia 11 de janeiro, em uma solenidade que contou também com a posse da Ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara. Em seu pronunciamento, Anielle afirma que a igualdade dará um passo à frente com a institucionalização da luta antirracista, “trazendo o racismo para o debate público, institucional, de um modo até então não vivenciado pela política brasileira, fruto das mobilizações sociais incessantes que antecederam e culminaram nesse momento”.
Em sua coluna no site UOL , publicada no mesmo 11 de janeiro, a ministra informou que aceitou a “tarefa histórica” pela memória de sua irmã, Marielle Franco, vereadora assassinada em 2018, “e pela vida das mais de 115 milhões de pessoas negras no Brasil, que são hoje a maioria da população e que precisam de um governo que se preocupe com os seus direitos e que construa um futuro de bem viver, de oportunidades, com segurança, de garantia de alimentação, educação, emprego, cultura e dignidade”.
O novo ministério pretende focar na ampliação, fortalecimento e efetividade das Leis de Cotas, na retomada do plano Juventude Negra Viva, uma iniciativa para reduzir a vulnerabilidade da juventude negra e criar políticas para as comunidades quilombolas nos diferentes ministérios. “Trabalharemos nos próximos quatro anos para fortalecer a Lei de Cotas e ampliar a presença de jovens negros e pobres na universidade pública. Buscaremos aumentar a presença de servidores negros e negras em cargos de tomada de decisão da administração pública. Chega do genocídio da população negra e jovem nesse País”, disse a ministra durante a sua posse.
A ministra Anielle Franco escolheu a advogada e mestre em Direito, Roberta Eugênio, para ser sua secretária executiva e quer atuar de forma transversal com outras pastas do governo como os ministérios dos Direitos Humanos, Ministério da Cultura e Ministério das Mulheres.
Quilombo manauara
Keilah Fonseca atual presidente da Associação do Quilombo de São benedito em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Keilah Fonseca diz acreditar que o ministério de Anielle Franco facilitará a regularização fundiária pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do território Quilombo Barranco de São Benedito, primeiro quilombo urbano da Amazônia Legal, localizado na Praça 14 de janeiro, na zona sul de Manaus. Desde 2014 a comunidade é certificada pela Fundação Palmares e pelo Ministério Público Federal.
“Acreditamos que vamos ter nossas certificações de terras, mas de forma limitada e não coletiva, pois temos nossas ramificações. Parte de nossa família mora em outras localidades da cidade, mas precisam ser considerados também quilombolas do Quilombo Barranco de São Benedito”, explica a ativista.
Segundo dados do Incra, 600 quilombos da Amazônia Legal estão à espera da titulação oficial de suas terras. O estado com o maior número de processos em aberto é o Maranhão, onde existem 398 comunidades quilombolas aguardando regularização. A ministra Anielle anunciou Ronaldo dos Santos como secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos. Procurada pela reportagem da Amazônia Real , a ministra Anielle Franco não respondeu aos questionamentos enviados por e-mail.