Peruanos atravessam fronteira para comprar combustível e alimento em Assis Brasil, no Acre

A crise política e social do Peru afetou o abastecimento de combustíveis e alimentos em localidades onde houve bloqueios de estradas por parte dos manifestantes, como é o caso de Iñapari.

Grandes filas se formaram no único posto de combustível do município acreano no último dia 23, mas prefeito disse que o fluxo de peruanos diminuiu (Foto cedida por Jerry Lima à Amazônia Real)

Por Nicoly Ambrosio, Amazônia Real. 

Manaus (AM) – O desabastecimento de combustíveis e insumos no Peru levou a população daquele país a entrar no Brasil, pela fronteira do Acre, no início desta semana. Na última segunda-feira (23), centenas de cidadãos peruanos saíram da cidade de Iñapari e lotaram o único posto de combustíveis do município acreano de Assis Brasil.

O prefeito do município, Jerry Lima, disse que os municípios vizinhos são ligados pela Ponte da Integração Brasil-Peru e que sempre há movimento de moradores dos dois lados, mas que o grupo estava à procura de alimentos e combustíveis como gasolina e diesel, devido aos bloqueios das rodovias que impediram o abastecimento do lado peruano.

“Em Assis Brasil tem esse movimento de peruanos aqui do lado brasileiro e brasileiros do lado peruano, é um movimento contínuo. Mas ontem nós recebemos centenas de pessoas procurando combustível e comida e tivemos que reunir as autoridades para discutir sobre a situação, porque mesmo que não haja proibição de venda de combustível a peruanos, a questão seria a segurança do transporte deste produto”, afirmou Lima, à Amazônia Real. Ele não soube dizer o número de peruanos que entraram na cidade. Limitou-se a contabilizar em “centenas”.

Há quase dois meses, o Peru passa por uma onda de protestos, que se intensificaram nas últimas semanas. Os manifestantes exigem a renúncia de Dina Boluarte, que assumiu a presidência após o impeachment de Pedro Castillo, no início de dezembro de 2022. Mas Dina Boluarte já declarou que continuará na presidência até abril de 2024, data estipulada pelos parlamentares para as próximas eleições.

A crise política e social do Peru afetou o abastecimento de combustíveis e alimentos em localidades onde houve bloqueios de estradas por parte dos manifestantes, como é o caso de Iñapari.

Além de Iñapari, também atravessaram a fronteira do Brasil peruanos das cidades de Ibéria e Puerto Maldonado em busca de produtos em Assis Brasil.

Edimilson Lopes Júnior, coordenador da Cáritas Paroquial de Assis Brasil, organização que acompanha de perto os fluxos migratórios naquela fronteira, disse à Amazônia Real que a falta de alimentos básicos como tomate e cebola no lado peruano forçou essas populações a entrar em Assis Brasil.

Ele afirmou que o fluxo é temporário, já que os peruanos estão apenas comprando no Brasil e voltando para as suas cidades e para a zona rural.“Nota-se que a maioria das pessoas está em Iñapari mesmo e o fluxo migratório é pequeno por conta dos bloqueios. As pessoas estão vindo aqui para comprar alimentos e voltar para lá”, diz.

Apesar de não acreditar, por enquanto, em um movimento migratório em massa para Assis Brasil, Edmilson diz que moradores de Iñapari e regiões próximas pretendem sair de seus territórios caso aconteçam situações violentas em meio aos protestos.

“Estamos avaliando essa situação. Ontem tivemos uma reunião com vários órgãos fiscalizadores da fronteira para fazer esse termômetro e até o momento nada apontou uma dimensão de maior migração, como foi no caso dos haitianos [há dez anos]. Não estamos prevendo isso”, conclui.

O prefeito também avalia da mesma forma. Para ele, a procura por produtos diminuiu nesta terça-feira e o movimento está acontecendo “dentro da normalidade”.

“Nesse momento nenhum fato nos leva a crer que nossos alimentos possam acabar ou que o nosso combustível possa acabar. Aqui só tem um posto, mas é bem próximo da cidade vizinha, Brasiléia, e ontem mesmo chegou uma nova carreta. Vimos hoje (24) também uma diminuição da procura por parte dos peruanos”, explica.

Lima informou que o único posto de combustíveis da cidade amanheceu sem filas desde ontem.

“Não sabemos se diminuiu por haver bloqueios das rodovias ou se eles ficaram receosos com a manifestação da Secretaria de Segurança Pública de que poderia haver operações para fiscalizar o transporte de combustíveis. Hoje (24) está totalmente diferente de ontem, quando tínhamos centenas. Hoje ninguém”, disse o prefeito.

Em nota, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Acre (Sejusp) informou que está acompanhando a situação e que mantém contato com todas as instituições públicas estaduais e federais na região, caso o problema se agrave. Até agora nenhuma fiscalização de transporte de combustíveis foi feita.

A redução de compradores peruanos, embora tenha sido um alívio para as autoridades de Assis Brasil, causou frustração em comerciantes, que se animaram com o aumento de vendas no início da semana.

Para o presidente da Associação Comercial, Empresarial e Industrial de Assis Brasil (Aceiab), André Barbosa da Costa, o fechamento das rodovias que dão acesso ao Brasil deve ter impedido novas entradas de peruanos, o que causou “perdas” para o comércio de Assis Brasil.

Costa disse que os peruanos que ainda conseguem entrar agora, o fazem a pé ou de moto. “Na segunda (23), tivemos essa surpresa com eles vindo comprar gasolina e diesel em Assis Brasil, mas é o movimento normal cotidiano que os peruanos fazem para comprar aqui. Os fechamentos [das estradas] causaram transtorno para o comércio varejista da cidade. As vendas reduziram”, disse, decepcionado.

Cidade já foi palco de conflitos

Confrontos entre policiais peruanos e migrantes haitianos na fronteira entre Brasil e Peru, na cidade de Assis Brasil, no estado do Acre, em 2021 (Foto: Alexandre Noronha/Amazônia Real)

Localizada na tríplice fronteira, a cidade de Assis Brasil enfrentou uma grave crise migratória no início da década passada, qupando foi tomada por imigrantes haitianos que tentavam entrar no Brasil.

Em fevereiro de 2021, como mostrou a Amazônia Real, imigrantes venezuelanos, colombianos e africanos foram expulsos do Peru para o Brasil em confronto com a polícia peruana, que usou bombas de gás lacrimogêneo e cassetetes para conter a passagem.

Na época, os imigrantes queriam sair do Brasil por conta da pandemia de Covid-19 e o governo peruano justificou o fechamento da fronteira como medida para conter novos casos da doença no país. Eles ocuparam a Ponte de Integração durante quase um mês, até deixarem o local em cumprimento à decisão judicial da 2ª Vara Federal Cível e Criminal de Rio Branco em março do mesmo ano.

Desabastecimento preocupa peruanos

  • Peruanos lotam único posto de combustível de Assis Brasil, no Acre (Foto cedida por Jerry Lima à Amazônia Real)
  • Peruanos lotam único posto de combustível de Assis Brasil, no Acre (Foto cedida por Jerry Lima à Amazônia Real)
  • Peruanos lotam o único posto de gasolina de Assis Brasil, no Acre (Foto: Reprodução/ Redes sociais)
  • Peruanos lotam o único posto de gasolina de Assis Brasil, no Acre (Foto: Reprodução/ Redes sociais)
  • Peruanos lotam o único posto de gasolina de Assis Brasil, no Acre (Foto: Reprodução redes sociais)
  • Peruanos lotam o único posto de gasolina de Assis Brasil, no Acre (Foto: Reprodução/ Redes sociais)
  • Peruanos lotam o único posto de gasolina de Assis Brasil, no Acre (Foto: Reprodução/ Redes sociais)


Nas redes sociais, os peruanos demonstram preocupação com o agravamento do desabastecimento no país depois de mais de 40 dias de paralisações, além da violência nos confrontos entre manifestantes e a polícia. Um internauta, em postagem publicada no Twitter, chega a dizer: “O país está a caminho da escassez e do confronto entre uns e outros. A resposta do Estado é balas e mais balas sem solução”.

Em outra postagem na mesma rede social, onde há um vídeo que mostra manifestantes e policiais nas ruas, a usuária escreve: “A polícia intimidando, impedindo os cidadãos de exercerem seu legítimo direito de protestar”.

De acordo com o último relatório do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Irrigação (Midagri) do Peru, houve uma queda no fornecimento de alimentos ao Grande Mercado Atacadista de Lima, que recebeu na última segunda-feira menos 6,7% toneladas (cerca de 356 toneladas) de produtos agrícolas em relação à média das últimas quatro segundas-feiras.

Apesar da situação preocupante no Peru, o prefeito de Assis Brasil não cogita uma imigração expressiva de peruanos que queiram cruzar a fronteira sob a ameaça da instabilidade política do país, e permanecer no Brasil, mas afirma estar monitorando a situação junto aos órgãos de segurança pública.

“No momento nós não acreditamos na questão da migração, mas estamos trabalhando junto aos órgãos de segurança brasileiros e autoridades peruanas na fiscalização e monitoramento da situação”, afirma.


DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.