Banco Central independente: a única certeza é a de quem pagará a conta. Por José Álvaro Cardoso.

Edifício-Sede do Banco Central em Brasília. Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

Por José Álvaro Cardoso.

Em 25 de fevereiro de 2021 entrou em vigor a lei que estabelece a chamada autonomia do Banco Central (Lei Complementar 179), que teve origem no PLP do senador Plínio Valério (PSDB-AM). Dentre outras mudanças, o texto estabeleceu mandatos de quatro anos para presidente e diretores da autarquia federal, em períodos que não coincidem com o mandato do presidente da República. 

Segundo a lei, o presidente da República indica os nomes dos novos dirigentes, que devem ser aprovados no Senado. Tendo o nome aprovado o indicado para presidente do Banco Central do Brasil (BCB) assumirá no dia 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do presidente da República.  Os outros indicados, oito diretores, com os nomes também aprovados no Senado, assumirão de forma escalonada, de dois em dois a cada ano, iniciando pelo primeiro ano do mandato do presidente da República. Assim, o presidente da República que assume, tem que conviver com a direção do Banco Central indicada pelo presidente anterior. Como de resto está ocorrendo neste exato momento. O atual presidente, Roberto Campos Neto (neto do conhecido ministro da ditadura militar), que tomou posse em 28 de fevereiro de 2019 indicado por Jair Bolsonaro, tem mandato até dezembro de 2024.

Com a vigência da nova lei, o Banco Central, que era subordinado ao Ministério da Economia, passou a ser uma autarquia de natureza especial, sem vinculação ou subordinação hierárquica a nenhum ministério. Porém manteve seus objetivos enquanto instituição, de garantir a estabilidade de preços e zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro, mantendo o nível de atividade econômica. O Banco manteve os anteriores instrumentos de execução da política monetária. 

A lei procurou restringir bastante a possibilidade de exoneração do cargo por vontade do presidente da República. A exoneração ocorrerá, segundo a lei, somente se for a pedido, por doença incapacitante, por improbidade administrativa com condenação definitiva, por crime cuja pena proíba o exercício de cargos públicos, ou ainda quando a pessoa se mostrar muito incompetente para o exercício do cargo. 

A lei prevê que, ao final dos mandatos, ou no caso de exoneração a pedido ou por demissão injustificada, o presidente e diretores ficarão proibidos de participar de controles societários ou de exercer qualquer atividade profissional, direta ou indiretamente, com ou sem vínculo empregatício, nas instituições do Sistema Financeiro Nacional por um período de seis meses. Durante esse período os ex-membros da instituição receberão proventos do BCB. 

A discussão da independência do banco central no Brasil é antiga, tem pelo menos 30 anos. Historicamente é uma bandeira dos liberais, que argumentam que a independência preservaria decisões técnicas do Banco, do “mundo da política”. Nessa perspectiva, a independência do Banco Central possibilitaria a autonomia em relação à pressões político-partidárias, próprias das disputas travadas no seio da sociedade. Vale observar de início, que essa formulação dos liberais esbarra com o fato de que o Banco Central é um instrumento estratégico na sociedade, responsável inclusive pela política monetária (que é essencial), portanto um organismo político por definição, e que exerce papeis que interferem diretamente na vida das classes sociais em geral.   

É importante considerar que deixar o banco sem controle público não significa que ninguém o controlará. A ausência de subordinação hierárquica ao governo central tende a fragilizar a instituição, deixando-a mais vulnerável aos interesses do setor privado (claro, esse é o objetivo da lei). Deixar o banco central sem o controle, no mínimo formal, do governo federal, deixará o banco entregue à uma oligarquia financeira, que é extremamente poderosa e perniciosa ao país. 

A oligarquia financeira é muito poderosa no mundo todo. Nos EUA, a maior economia do globo, por exemplo, a dívida nacional bruta ultrapassou US$ 31 trilhões, equivalente a 135% do PIB (US$ 23,32 em 2021). No ano passado o valor da dívida bruta se aproximou do teto estabelecido pelo Congresso (cerca de US$ 31,4 trilhões), o que pode levar inclusive a um impasse institucional, na medida em que essa é uma limitação legal para a concessão de empréstimos públicos. Essa dominação da burguesia financeira, é mais ou menos assim no mundo todo. Porém, no Brasil, o poder dessa oligarquia é um caso à parte, na medida em que os credores da dívida se apropriam de 51% do orçamento federal, através do sistema de parasitagem da dívida pública. É um caso específico no mundo, cuja solução, por si só, seria uma espécie de revolução

A capacidade de apropriação de riqueza por parte do sistema financeiro, que coloca à disposição, todo ano, 5% ou mais do PIB brasileiro, para uma plutocracia financeira constituída de algumas centenas de milhares de pessoas, garante um nível de poder a esse segmento, que possibilita controlar de forma sistemática os processos políticos e os próprios governos que se revezam no executivo federal. Tirar da caneta do presidente da República eleito a gestão político-técnica do Banco Central significa destinar ainda um maior poderio, para essa oligarquia financeira mandar e desmandar no país. O Banco Central é instrumento chave para o governo estabelecer políticas cruciais para a nação, como a estabilidade e da moeda, quantidade de meio circulante, controle da inflação, fiscalização dos bancos, e assim por diante. 

A transformação do Banco Central do Brasil em uma autarquia independente veio na esteira do golpe de Estado de 2016 e representa um aprofundamento no processo de dominação da burguesia financeira no país. Com a independência do BCB, o sistema financeiro, e todos os seus tentáculos, tentou tornar os instrumentos de controle público do sistema financeiro, um ambiente “asséptico” à contaminação do voto popular. Isso é muito grave considerando a realidade brasileira, ou seja, de grave crise econômica e política, e de no mínimo cinco anos de estagnação do Produto Interno Bruto (PIB) (desempenho do produto que se tem registro nas contas nacionais). País este que entre 2010 e 2014 ostentava a condição de 7ª economia do mundo, e que em 2020 saiu da lista das dez maiores pela primeira vez desde 2007. 

O Brasil, que transfere todo ano, 5% ou mais do PIB para um grupo de autênticos vampiros, não tem dinheiro público para retomar o desenvolvimento da economia. O país mantém há décadas o maior juro real (ou seja, taxa de juros descontada da inflação prevista para os próximos 12 meses) do mundo. Quando cai um pouco no ranking fica sempre entre os primeiros nessa lista maldita. 

É necessário registrar que o fato da taxa básica de juros do Brasil estar muito acima da média mundial (neste momento bem acima do segundo lugar da lista, o México) seguindo uma receita que jamais funcionou – tentar controlar com juros escorchantes uma inflação que não decorre de excesso de demanda – não tem nada de “opção técnica”. É antes de tudo, um método de extorsão de toda uma população, em benefício dos bancos. Destinar 51% do orçamento para os banqueiros, significa reservar míseros R$ 139,9 bilhões para saúde e R$ 62,8 bilhões para a educação, como ocorreu no ano passado. Esses são valores que representam uma fração dos quase dois trilhões destinados aos juros e amortizações da dívida em 2021. Mas quase ninguém fala disso, é como se esses pagamentos infinitos fossem uma determinação divina

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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