Decreto de Lula pode desengavetar 45 mil processos ambientais paralisados pela gestão Bolsonaro

Mais do que o simbolismo do líder indígena Raoni Metuktire subir a rampa do Palácio do Planalto na posse junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva,  a proteção da Amazônia e a valorização dos povos indígenas ganharam lugar de destaque na largada do novo governo petista que se iniciou no último domingo, dia 1º de janeiro.

Entre os primeiros atos assinados ainda durante a cerimônia de posse, o presidente dedicou ao menos seis medidas para a área ambiental: novas regras para agilizar os processos por infrações ambientais; revogação das políticas pró-garimpo, retomada do Fundo Amazônia, do plano de combate ao desmatamento, e a recomposição do Fundo Nacional do Meio Ambiente e do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Uma destas medidas que trazem impacto imediato na preservação da floresta amazônica é o decreto 11373/2023, que suspende a política implantada pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e que, segundo especialistas, inviabilizava a aplicação de multas e responsabilização de infratores ambientais. O novo texto acaba com a instância de conciliação criada pelo governo anterior e restabelece prazos e meios de notificação dos infratores.

Cacique Raoni Metuktire sobe a rampa do Palácio do Planalto ao lado de Lula em cerimônia presidencial

“Essa é uma forte sinalização para aqueles que desmatam. Essa questão da instância de conciliação era realmente grave e era uma das emergências que foi atendida pelo presidente Lula. Acaba-se com aquela sensação de impunidade instalada pela gestão passada”, afirma Adriana Ramos, assessora de políticas públicas do Instituto Socioambiental (ISA).

Essa é uma forte sinalização para aqueles que desmatam. Essa questão da instância de conciliação era realmente grave e era uma das emergências que foi atendida pelo presidente Lula

Adriana Ramos, Instituto Socioambiental

Com o novo decreto 11373/2023, a expectativa é de que mais de 45 mil processos ambientais voltem a tramitar no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com a resolução do mérito e punição de culpados. Ao contrário do que vinha prometendo a gestão passada, que era uma anulação em massa por prescrição de milhares de processos. Estima-se que R$ 18 bilhões em multas ambientais poderiam prescrever com a política de congelamento dos julgamentos implantada por Bolsonaro.

Desde o início da sua gestão, Bolsonaro pregava o fim do que chamava de “indústria da multa”. E de fato o Ibama esteve praticamente impedido de julgar processos ambientais desde 2020 devido às manobras burocráticas do governo Bolsonaro, analisa o advogado Mauricio Guetta, assessor jurídico do ISA.

“Por ano, o Ibama julgava em média 5 mil processos. Em 2020, quando foi implantada essa fase de conciliação, o órgão julgou apenas 17 processos. Agora, essas tramitações são retomadas e o que se espera é que o órgão possa voltar a julgar e punir infratores”, afirmou Guetta.

Por ano, o Ibama julgava em média 5 mil processos. Em 2020, quando foi implantada essa fase de conciliação, o órgão julgou apenas 17 processos

Mauricio Guetta, assessor jurídico Isa

 

Talvez não por acaso, Bolsonaro foi o candidato que mais recebeu doações de infratores ambientais. Um levantamento do InfoAmazonia publicado no início de outubro revelou que a campanha de reeleição recebeu R$ 3,1 milhões de 93 doadores que acumulam mais de R$ 300 milhões em multas ambientais, a maioria por desmatamento ilegal na Amazônia.

 

Fiscalização ficou comprometida na gestão Bolsonaro com paralisação no julgamento de processos ambientais.

Outras medidas ambientais de destaque foram a reativação do Fundo Amazônia e do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDam), que será estendido também ao Cerrado e demais biomas, como Pantanal e Mata Atlântica.

Como também já havia destacado o InfoAmazonia em dezembro, o Fundo Amazônia, parado desde o início da gestão Bolsonaro, tem um volume de R$ 3,6 bilhões em doações internacionais. Esse valor é superior aos orçamentos disponíveis para o Ministério do Meio Ambiente e ICMBio juntos, e deve funcionar como uma das principais fontes de financiamento para projetos de combate ao desmatamento e questões ligadas às mudanças climáticas.

Também paralisado por Bolsonaro, o PPCDam é considerado o maior programa de combate ao desmatamento já implantado no país. Em vigor nos dois primeiros mandatos de Lula, o programa reduziu o desmatamento em mais de 80% entre 2004 e 2012.

O programa ficará sob a gestão do novo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e terá quatro eixos prioritários de atuação: atividades produtivas sustentáveis, monitoramento e controle ambiental, ordenamento fundiário e territorial e instrumentos normativos, econômicos e tributários voltados à redução do desmatamento e demais ações.

A aposta do governo é que o PPCDam sirva como alavanca para novas captações de recursos para o Fundo Amazônia. Logo após a posse de Lula, o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, comemorou o retorno do Brasil à cena internacional e anunciou a liberação de mais 35 milhões de euros de forma imediata para a preservação ambiental no país.

O assessor jurídico do ISA ainda destaca que Lula determinou o prazo de 45 dias para a nova regulamentação para o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o que também marca o retorno da participação da sociedade civil neste e nos demais conselhos de decisão e análise das questões ambientais.

“Essa retomada da participação social vem com muita força, inclusive com orientações do Supremo [STF]”, avalia Guetta.

Garimpos na ilegalidade

O presidente Lula também revogou por completo o decreto 10.966/2022, que instituiu o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala. Na prática, o programa de Bolsonaro buscava a legalização de  garimpos de até 50 mil hectares com uso de maquinário pesado, que passaram a ser enquadrados na mesma categoria do garimpo artesanal.

Essa medida afeta diferentes regiões  de extração de minério na Amazônia e os milhares de hectares de garimpos ilegais que aguardavam regularização dentro dos programas anunciados pela gestão Bolsonaro.

“Houve uma explosão de garimpos em terras indígenas na Amazônia na gestão anterior e acredito que a revogação dessa medida é importante para frear esses projetos que buscavam a legalização como era prometida”, explica a advogada Brenda Brito, pesquisadora associada do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

A explosão de novos garimpos na Amazônia nos últimos anos marcou um dos capítulos mais conflituosos para a floresta e os povos indígenas. Na gestão passada, o garimpo se expandiu pelas terras indígenas como nunca. A área ocupada ilegalmente em 18 territórios chegou a quase 20 mil hectares em 2021, mais que o dobro do que havia em 2018 e cinco vezes maior do que em 2013, segundo dados do MapBiomas, levando conflitos e destruição para os territórios.Em maio de 2022, o InfoAmazonia mostrou como os decretos de Bolsonaro beneficiaram empresários ligados ao garimpo, facilitando a legalização de plantas de exploração na Amazônia como garimpos de pequena escala.

 

 

Desmatamento zero 

Brenda Brito destaca ainda o compromisso reafirmado por Lula em seu discurso de posse em perseguir a meta do desmatamento zero. A promessa é avaliada por especialistas como  um dos maiores desafios ambientais da gestão, que assume o país durante uma retomada acelerada de desmatamento e crimes contra o meio ambiente.

“É um grande desafio, mas não é impossível. A redução do desmatamento é considerada uma das formas mais baratas para se reduzir emissões e ao mesmo tempo a gente sabe que o desmatamento é desnecessário. A gente não precisa desmatar para produzir mais. Quando o Brasil reduziu o desmatamento nos primeiros governos Lula em quase 80%, isso ocorreu em um momento de aumento da produção agropecuária”, afirma a pesquisadora.

Outras medidas consideradas importantes para questão socioambiental são a criação do Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sônia Guajajara, e o fortalecimento dos órgãos ambientais e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, liderado por Marina Silva, que voltará a fazer a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Serviço Florestal, que na gestão passada tinham sido transferidos para pasta da Agricultura.

AS PRIMEIRAS MEDIDAS DE LULA PARA O MEIO AMBIENTE:

Decreto nº 11.367, de 1º.1.2023 – Retomada dos Planos de Combate ao Desmatamento da Amazônia e Cerrado (PPCDAm e PPCerrado) e início da elaboração de Planos para todos os demais Biomas.

Decreto nº 11.368, de 1º.1.2023 – Governança do Fundo Amazônia, com a recriação do Comitê Orientador.

Decreto nº 11.369, de 1º.1.2023 – Revogação do decreto que institui o programa de apoio ao garimpo.

Decreto nº 11.372, de 1º.1.2023 -Recomposição da participação social do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).

Decreto nº 11.373, de 1º.1.2023 – Mudança no regime de tramitação dos processos de infrações e sanções administrativas ao meio ambiente.

Despacho do Presidente da República – Retomada do Conselho Nacional do Meio Ambiente com participação social.

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