Por Flávio de Carvalho *
“Maria, Maria, é a dor, o suor, uma dose mais forte e lenta. De uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apena aguenta” (Nascimento & Brant).
A violência machista é um assunto de extrema gravidade na vida das mulheres brasileiras que migram, em busca de uma vida melhor, fora do nosso país.
Antes de tudo, tal como escrevo, Violência Machista, uma expressão muito mais direta e realista do que violência de gênero, por exemplo. Como se tentasse esconder a raiz do problema: o machismo. Crescente, lamentavelmente.
Pergunte-se a qualquer brasileira no exterior, por um episódio marcante de violência machista. Haverá acumulado, infelizmente, sucessivos episódios de violência. Por ser mulher, por ser imigrante e por ser brasileira. A teoria de acúmulos na opressão não é nenhuma novidade. É fato. E realidade.
É deste último aspecto que devemos tratar.
Acompanhei, durante muitos anos, os estudos de uma Doutora em Comunicação Social, em Barcelona, chamada Maria Badet. Dedicou muito tempo a entrevistar espanhóis de diversas idades, inclusive dentro de escolas da rede pública. O tema era sempre o mesmo: a imagem estereotipada que os espanhóis demonstram, ao tratar das brasileiras no exterior.
Tenho presente na imagem uma revista vendida em todas as bancas e livrarias de Barcelona: uma bunda, numa foto imensa, de biquíni, e uma palavra – somente – escrita em letras grandes. BRASIL.
Os dados da pesquisa de Maria Badet foram muito reveladores e podem encontrar-se facilmente suas produções acadêmicas e associativas na Internet. É a atual impulsora da associação Casa da Gente, na Catalunha. Foi graças a ela que a associação Coletivo Brasil Catalunha, um dia saiu do papel.
Nas suas obras, encontrarás os multifatores com que a violência se exerce, principalmente em espiral ascendente. Sempre é melhor eliminar o mal já na raiz.
Como dissemos, tudo é muito evidente.
As estatísticas que indicam que migram mais as mulheres, apesar de terem menos oportunidades, em relação aos homens, maioritariamente privilegiados.
A forma como (sobre)valorizam-se e se reinventam ao migrar, tornando-se a maioria do universo de empreendedoras, de líderes, de artistas, de educadoras, entre outras posições destacadas – tratando-se sempre do caso das brasileiras emigradas.
Este homem que vos escreve, no entanto, necessita ir mais além. Fundamentalmente, expresso o sentimento de tentar dialogar com homens (atendo-se às velhas categorias, estabelecidas por um sistema patriarcal, opressor): homens, heterossexuais, dominados por um padrão cisgênero, entre outras limitações que muitos de nós enfrentamos. Sem espaços para vitimismos nossos, por favor.
Dialogar sobre o nosso papel numa relação violenta. Só existe a violência quando parte de alguém. E esse alguém, na sua imensa maioria é um homem. Não se trata de mera coincidência.
Pois pelo tanto que muito vem se revelando a pergunta que se faz às mulheres (“já sofreu este abuso, como, quando, onde e por quem?”), cada vez mais não precisa perguntar-se aos homens: basta olhar lá bem dentro de nós mesmos. Já sabendo que a resposta não será fácil se somente buscas superficialmente. Há que ir-se, pelo menos ao inconsciente ou ao subconsciente: Freud explica, tal como Jung, Foucault o Wilhelm Reich…
Quantas vezes você se perguntou se já exerceu violência machista?
Quantas vezes você sentiu que nem mesmo percebeu cometer esse mal?
Percebeu que não somente a violência pode ter te beneficiado em algo, mas também que o fato de não dizer que “aquilo” não foi assim tão violento, em algo – igualmente – “aquilo” te beneficiou? Como? Beneficiou-te, sim? De que forma? Analisar é bom caminho para compreender.
Qual a diferença entre sentir que alguém se beneficiou (muito geralmente, um homem) e que isso deu-se em prejuízo de alguém (muito geralmente, uma mulher)? O de cima sobe e o de baixo desce…
As datas de protestos e reivindicações dos movimentos mundiais de mulheres não são um problema menos nosso do que delas. O Feminismo deveria interessa mais aos homens, sendo algo “delas!”, sim.
Na dúvida, diante do risco de que tentemos, novamente, os homens, opinar por elas (sim, isso nos beneficia!), inventou-se, faz tempo, solução bem prática: cala e escuta.
É só um primeiro passo. Mas já é muito pra toda essa luta.
Se te interessa, venha conosco participar dos debates sobre a construção, reconstrução ou desconstrução do que se chama Masculinidade. De fato, queremos construir uma nova forma de viver em sociedade.
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Aquele abraço.
* @1flaviocarvalho, @quixotemacunaima, sociólogo e escritor. Barcelona, 25 de novembro de 2022.