60 candidatos da Amazônia têm campanhas financiadas por desmatadores

Eles receberam um total de R$ 1,77 milhão em 8 estados. A maioria pertence a partidos da base de apoio de Bolsonaro no Congresso, com destaque para o Partido Liberal (PL) e o União Brasil. Candidato do Acre condenado por trabalho análogo à escravidão recebeu do próprio pai, preso por crime ambiental, a doação de maior valor entre todos os que concorrem na Amazônia.

Focos de calor próximos a área com registro de desmatamento Prodes, em Nova Maringá (MT).
/ Greenpeace

Por  PlenaMata.

Sessenta candidatos em oito estados da Amazônia Legal  tiveram suas campanhas financiadas por pessoas multadas por desmatamento pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Juntos, eles receberam R$ 1,77 milhão de 87 doadores autuados entre 2005 e 2022 pelo órgão federal.

Os dados foram obtidos pelo projeto Data Fixers, em parceria com a agência de dados públicos Fiquem Sabendo. A iniciativa cruzou informações de candidatos e de financiadores divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com os registros de multas ambientais do Ibama. Para chegar nos doadores autuados por desmatamento, o levantamento do InfoAmazonia e do PlenaMata considerou apenas as multas do tipo Flora na tabela de infrações da autarquia.

Na lista, há 38 candidatos a deputado estadual e 16 a federal. Três que concorrem ao Senado também aparecem no levantamento: Gilberto Laurindo (Patriota), do Amapá; Acir Marcos Gurgacz (PDT), de Rondônia; e Antônio Galvan (PTB), do Mato Grosso, que conta com o maior número de doadores fichados pelo órgão federal. Galvan recebeu mais de R$ 172 mil de 12 desmatadores, que, juntos, acumulam 22 processos.

Para os governos estaduais, tiveram financiamento de pessoas multadas por desmate: Mauro Mendes Ferreira (União Brasil), do Mato Grosso; Leonardo Barreto de Moraes (Podemos), de Rondônia; e Wanderlei Barbosa Castro (Republicanos), do Tocantins.

O Mato Grosso é o estado com maior número de doadores autuados por desmatamento. Foram 22 financiadores que depositaram mais de R$ 860 mil em 22 campanhas no estado. Rondônia figura em segundo lugar na lista, com 15 multados financiando 15 candidaturas em um total de R$ 168 mil. O Amazonas é o único estado amazônico cujos candidatos não contaram com doações de autuados pelo Ibama pelo crime ambiental.

Os 60 candidatos que contaram com doações de desmatadores estão distribuídos em 15 partidos, 11 deles da base de apoio de Jair Bolsonaro (PL), que teve sua gestão marcada por retrocessos na política ambiental. O Partido Liberal, atual partido do presidente da República, aparece na frente, com 10 pleiteantes, seguido pelo União Brasil, com nove.

A cientista social e gestora ambiental Roberta Graf, que trabalhou no Ibama por mais de uma década, acredita que esses financiadores buscam influência sobre os possíveis mandatos a fim de enfraquecer leis ambientais e garantir o avanço da pecuária e da soja na região, além do fortalecimento de políticas que beneficiem o latifúndio.

“Na Amazônia existem as reservas legais que limitam esses interesses. Na região, também são aplicadas muitas multas contra infrações ambientais. O que esses doadores querem ao bancar campanhas é afrouxar esse cenário, desmontando políticas de manutenção da floresta e da desconcentração da posse da terra”.

Na Amazônia existem as reservas legais que limitam esses interesses. Na região, também são aplicadas muitas multas contra infrações ambientais. O que esses doadores querem ao bancar campanhas é afrouxar esse cenário.

Roberta Graf, cientista social e gestora ambiental

Ela lembra que tramitam no Congresso, em Brasília, vários projetos de leis danosos ao meio ambiente, entre eles os PLs da Grilagem, que flexibilizam o controle sobre a ocupação de terras públicas, com possibilidade de anistia a grileiros. “Tem muita gente grande de olho nisso para escapar das multas”.

A coordenadora do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (Legal) na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Marilene Freitas, esclarece que, além dos interesses antiambientais, esses patrocinadores de campanhas visam ainda abocanhar uma fatia do orçamento público por meio de favorecimento em licitações.

“As eleições de 2022 revelam que persistem interesses econômicos nesses processos de doações. Nomes das elites regionais tornam conhecidas as relações entre doadores, patrimonialismo e permanência de relações oligárquicas por trás da caça ao orçamento do estado, terras públicas e atividades produtivas sujeitas à legislação ambiental”.

As eleições de 2022 revelam que persistem interesses econômicos nesses processos de doações. Nomes das elites regionais tornam conhecidas as relações entre doadores, patrimonialismo e permanência de relações oligárquicas por trás da caça ao orçamento do estado, terras públicas e atividades produtivas sujeitas à legislação ambiental.

Marilene Freitas, coordenadora do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (Legal) na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Doação tamanho família

A maior doação individual foi para um candidato a deputado estadual no Acre. O advogado José Lopes Júnior (41 anos), do PL, recebeu R$ 373 mil do pai José Lopes, o financiador de campanha mais multado por desmatamento na Amazônia, com 36 autuações pelo Ibama.

Advogado José Lopes Júnior, do PL, candidato a deputado estadual no Acre

Em 2019, o candidato foi condenado a mais de nove anos de prisão por submeter 34 pessoas a regime análogo à escravidão em três fazendas em Boca do Acre, município amazonense que faz divisa com o Acre. A denúncia partiu do Ministério Público Federal (MPF). O crime teria sido cometido entre 2006 e 2012. Ele não cumpriu a pena. A reportagem procurou o candidato em três ocasiões, duas por telefone e uma por meio de seu advogado, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

Já o pai de Junior é um dos maiores fazendeiros do Amazonas, dono de mais de 150 mil cabeças de gado nos municípios de Boca do Acre e Lábrea, na divisa com o Acre. Ele também é proprietário de frigoríficos na região. Em 2019, o empresário foi detido no Acre pela Polícia Federal, no âmbito da Operação Ojuara, por formação de milícia privada.

Na época, Lopes foi acusado de pagar policiais militares para expulsar posseiros e extrativistas de terras públicas da União e garantir a posse de áreas invadidas por ele em Boca do Acre. Denunciados por corrupção passiva, os milicianos também faziam a segurança dos trabalhadores e equipamentos empregados para desmatamentos ilegais na região utilizando armas, coletes, algemas e rádios da própria Polícia Militar do Amazonas.

A operação também resultou na prisão do então superintendente do Ibama no Acre, Carlos Francisco Augusto Gadelha. Segundo a denúncia, ele fazia parte do esquema praticado por Lopes e outros fazendeiros.

Servidores do órgão repassavam aos pecuaristas informações privilegiadas sobre fiscalizações. Além disso, deixavam de lavrar os autos de infração por desmatamento. No final de 2018, Gadelha chegou a assinar uma carta endereçada ao então recém-eleito presidente Bolsonaro, acusando o Ibama de aparelhamento ideológico pela esquerda.

Elites agrárias

A cientista social Roberta Graf ressalta que a interferência do crime ambiental na política não é novidade no Brasil, mas se intensificou durante o atual governo por conta das bandeiras antiambientais e do enfraquecimento das instituições de combate às infrações cometidas contra o meio ambiente.

Graf afirma, ainda, que as elites agrárias sempre deram as cartas na política nacional não só como financiadores de campanhas, mas também como mandatários. “São eles que têm mais facilidade de serem eleitos”, diz.

“Não custa lembrar que essa elite é formada por latifundiários com forte visão antiambiental e muitas vezes escravocrata, diferente das elites de outros países, que ao menos têm projeto de nação. Aqui o cenário é perverso, envolve violência contra ativistas e populações tradicionais e serve apenas ao enriquecimento próprio. Por quase não precisarem pagar impostos, não volta nada para o Brasil, só destruição”.

Graf comenta que o país viu surgir, na era Bolsonaro, a aliança entre o crime organizado e o ambiental. Além disso, a flexibilização da aquisição de armas de fogo pelo atual governo agrava ainda mais o cenário de terra sem lei na Amazônia.

“Hoje em dia, muitos traficantes de drogas também são criminosos ambientais porque descobriram na grilagem uma forma fácil de ganhar dinheiro. E eles estão lotados de fuzis, tocando o terror nas zonas rurais. Tem ainda a figura dos milicianos, que é alimentada pelas facções, e vice e versa. Há diversos casos de policiais fazendo vista grossa, a serviço do crime, e isso está inserido nesse contexto de guerra cultural ‘anticomunista’ que respinga na questão ambiental”.

A coordenadora do Legal na Ufam, Marilene Freitas, reflete sobre os motivos pelos quais boa parte dos eleitores amazônidas não dão importância suficiente para as questões ambientais na hora do voto e acabam por eleger políticos ligados à devastação.

“Há pouca percepção de uma relação direta entre bem-estar urbano e meio ambiente, ou seja, as pessoas não relacionam a problemática ambiental com questões de saúde, desenvolvimento econômico e sustentabilidade dos biomas e ecossistemas na Amazônia e de como todos esses aspectos estão ligados com os estoques e consumo de recursos naturais”.

A professora finaliza dizendo que “a problemática ambiental só se tornará mobilizadora quando esses fatos e fenômenos estiverem esclarecidos em suas relações de causa e impacto, em seus riscos visíveis e invisíveis. A população acha o tema importante, mas pensa que a ação de cada um pode mudar o curso dos acontecimentos, ou seja, não tem ideia dos riscos contemporâneos sobre os ambientes e sociedades amazônicas, nem da necessidade de ação política coletiva para mudar essa realidade”.

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