Alessandro Forina é antropólogo cultural e professor da Universidade Autônoma de Madri. Juntamente com Francesca Ricciardi e José Ariza de la Cruz, publicou um artigo na revista espanhola Viento Sur definindo as políticas migratórias da União Europeia e dos Estados Unidos como necropolítica.
É sobre isto que fala nesta conversa. “Necropolítica são aquelas políticas de morte que são efetivadas por meio de múltiplos fatores como a mudança climática, os desastres naturais, a violência e a degradação socioambiental, os conflitos armados, a pilhagem de recursos e a poluição ambiental, entre outros”, adianta Forina.
A entrevista é de Jorge Muracciole, publicada por Tiempo Argentino, 18-09-2022. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Em seu trabalho, aborda as políticas securitárias da União Europeia e dos Estados Unidos, em sua fronteira sul, relacionadas a essa problemática.
As políticas securitárias têm muitos elementos em comum e podemos enquadrá-las nas hipóteses de Michel Foucault sobre micropolítica e do filósofo camaronês Achille Mbembe, que desenvolveram o conceito de necropolítica e necropoder. Essa capacidade discursiva ou narrativa de poder definir o outro é o mecanismo que utilizam em populações que emigram de outros lugares (da África ou Oriente Médio para a Europa; da América Central e Caribe para os Estados Unidos).
Isto se dá a partir dos setores do poder, com uma indústria de segurança das fronteiras, com tipos de filtros que impedem que aqueles que fogem de situações limites possam chegar a um refúgio seguro. Nessas tentativas de fuga, por causa desses dispositivos de segurança, centenas de milhares de pessoas morrem. Muitos precisam fugir do sul por causa de problemas originados ou provocados pelo norte.
Conforme destaca em seu trabalho, a necropolítica não se origina de um único poder soberano excludente, mas emerge de um labirinto de forças em ação.
Sim, porque não é só por parte do Estado, mas são múltiplos fatores, incluindo as corporações multinacionais. O problema da degradação lenta não é fácil de detectar. A princípio, é um acúmulo de problemas, com a dificuldade de poder detectar culpados. As responsabilidades se espalham por meio de outras decisões que vão além do Estado e que são transnacionais, com diversos interesses: armamentistas ou extrativistas que se retroalimentam.
Você destaca que há autores que consideram que a promessa de salvação planetária é uma justificativa poderosa que pode ser usada para legitimar uma ampla gama de ações, inclusive as violentas.
O poder pode usar as narrativas do ambientalismo, que são a preservação do planeta e respeitar os recursos da natureza que nos permitem a vida. Com essa promessa, grandes corporações, filantropos e bilionários podem justificar o descarte de outras pessoas por um suposto bem superior que é a salvação planetária. Por essa razão, temos que ficar em alerta.
Também destaca que no atual estágio de globalização neoliberal, o acervo dificulta a produção de aparatos normativos, sociais, econômicos e culturais para lidar com essa lenta violência climática e ambiental e a configuração de políticas públicas de proteção daquelas pessoas e populações que se veem gravemente afetadas.
É um dos problemas que observamos: como proteger as pessoas que fogem das poluições, do extrativismo, da exploração de recursos, dos efeitos e conflitos causados pela mudança climática [?]. Um dos problemas jurídicos que temos é a dificuldade em detectar as responsabilidades.
A Convenção de Genebra de 1951 define o que é um refugiado com base em determinados agentes que perseguem determinadas pessoas por determinados motivos. Mas sobre o tema da degradação lenta, da poluição lenta, da mudança climática e dos problemas socioambientais é muito mais difícil de legislar.
É o caso de Kiribati, um país do Pacífico que ficará inabitável em menos de 15 anos por causa do aumento do nível do mar. Muitas famílias migraram para ficarem a salvo na Nova Zelândia, mas não havia um marco legal que pudesse protegê-las. É um caso emblemático.
Um debate atual é sobre a diferenciação entre refugiados por questões políticas e os migrantes forçados por outras razões.
Foi o que se viu claramente com a crise dos refugiados por causa da guerra na Síria. Aqueles que fugiam de outras regiões, como os subsaarianos, eram vistos como meros migrantes econômicos. Poderíamos fazer uma relação deste fato com o conceito de necropolítica, já que se aplicava para todos aqueles que não eram sírios, efetivando uma separação entre os migrantes forçados de acordo com a região de origem.
A pobreza não era considerada razão suficiente para uma migração forçada, sendo que é evidente que as raízes da pobreza são politicamente induzidas. O refúgio era usado para dividir quem merecia viver e quem não. O resultado dessas políticas foram milhares de mortes por afogamento no Mediterrâneo, sendo que eram pessoas que mereciam proteção.
Qual é o papel do direito neste caso?
O direito se torna um dispositivo utilizado pelo soberano para impor sua dominação. Mas também a partir dos movimentos sociais, da academia e das organizações podemos lutar para que o soberano utilize o direito para proteger. Temos que nos apropriar das coisas que temos, como os direitos humanos, pensados para proteger e não para excluir.
Que futuro você vislumbra em matéria de migrações?
O futuro não parece bom. Estamos observando um crescimento significativo dos deslocados em todo o mundo. Conforme o último relatório do ACNUR, já em 2021 estávamos batendo outro recorde, com 90 milhões de refugiados e deslocados forçados, e as perspectivas para 2022 ultrapassariam os 100 milhões por causa da guerra na Ucrânia.
Nos Estados Unidos, com Trump, as fronteiras ficaram muito mais restritas e as narrativas xenófobas se aprofundaram. Devemos nos apropriar de narrativas de inclusão, de interculturalidade, de direitos humanos. Este planeta é para todos e não só para alguns.