Por Dindara Ribeiro e Nadine Nascimento, para Alma Preta Jornalismo.
Lideranças religiosas e povos de axé denunciam um caso de intolerância religiosa ocorrido durante o enterro de uma ialorixá no cemitério do Campo Santo, em Salvador. A situação aconteceu na semana passada e foi registrada na 7ª Delegacia do Rio Vermelho, na capital baiana.
A ialorixá Juracy de Logun Edé, fundadora do Ilê Axé Ijexá Logun Edé Silemín, foi enterrada no dia 25 de julho e conforme a denúncia, o sepultamento foi marcado por uma série de violações, como a negação do pedido para carregar o caixão nas mãos e do local adequado para enterrar o corpo.
Durante o enterro, a administração do cemitério teria impedido os povos de axé de carregar o caixão porque a mãe de santo havia sido internada em um hospital reservado para pacientes com Covid-19.
No entanto, familiares apontam que, apesar da líder religiosa não ter falecido em decorrência da covid-19, eles acataram a recomendação do cemitério. A religiosa Juracy tinha 76 anos e morreu em decorrência de uma parada cardiorrespiratória.
Além disso, o corpo também teve que ser enterrado em uma gaveta, não no chão, conforme tradição das religiões de matriz africana.
Segundo o Ogan Alan Oliveira, o enterro, que estava marcado para às 16h30, só foi terminar às 18h30 e, mesmo com as reclamações, houve demora por parte da administração do cemitério no atendimento dos familiares e povos de santo que estavam presentes.
“Quando a gente chegou para enterrar disseram que era na gaveta só que gente de candomblé não é enterrado em gaveta porque não pode, tem que ser enterrado na terra. E aí deu maior confusão, confusão essa que o enterro estava marcado para as 16h30 o sepultamento e a gente só foi enterrar a partir de 18h30 porque o pessoal responsável não quis respeitar e atender a gente”, relata o Ogan, que esteve presente no registro do B.O.
Oliveira, que também é fundador do programa Voz do Axé, fez um vídeo no dia do enterro para denunciar o ocorrido. O portal, voltado para notícias e pautas dos povos de religião de matriz africana, também emitiu uma nota de repúdio sobre o caso.
Um dos irmãos da mãe de santo, que não foi identificado, apontou que a situação se tratou de intolerância religiosa e pediu respeito aos povos de santo.
“Nós viemos aqui para prestar a última homenagem a uma pessoa que se foi e nos deparamos com a rispidez do cemitério. É complicado porque o combinado não aconteceu. Nós achamos que houve intolerância religiosa em cima disso tudo”, afirma.
“Estou revoltadíssimo com essa situação porque o respeito não é só para quem está vivo, é para pessoas que partem desse mundo porque é uma alma, um ser humano que está indo embora”, pontua o irmão da ialorixá.
O caso também foi encaminhado para o Centro de Referência de Combate ao Racismo e Intolerância religiosa Nelson Mandela, vinculado à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado (Sepromi). Em nota, o órgão respondeu que o caso foi recebido e nos próximos dias o Ministério Público e a Defensoria Pública serão oficiadas para adoção de procedimentos visando medidas cíveis e penais cabíveis ao caso.
“Através da mediação do Centro Nelson Mandela, o caso também está sendo encaminhado para a Coordenação Especializada de Repressão aos Crimes de Intolerância e Discriminação (Coercid) da Seretaria da Segurança Pública (SSP)”, informa o órgão.
A Alma Preta Jornalismo pediu um posicionamento à Santa Casa, responsável pela administração do cemitério Campo Santo, mas não foi obtido retorno até o fechamento da matéria.