Por Pedro Borges e Elias Santana Malê, para Alma Preta Jornalismo
O vereador bolsonarista de Belo Horizonte Nikolas Ferreira (PL) responde processo por intolerância religiosa depois de denúncia de Mãe Kelma de Yemanjá. O político utilizou um vídeo da religiosa durante uma cerimônia e fez chacota da entrega de um pequeno artefato da entidade Zé Pilintra ao ex-presidente Lula.
Nikolas Ferreira disse que a entrega não deveria ser de “Zé Pilintra” e que o presidente deveria se anunciar como “eu sou pilantra”. O valor da causa pedido por Mãe Kelma de Yemanjá é de R$ 16,5 mil, motivado pela ação de danos morais.
O fato ocorreu no dia 21 de agosto de 2021, durante encontro de religiões de matriz africana, que ocorreu no Hotel Gran Marquise, situado na Avenida Beira Mar de Fortaleza, entre 13h e 19h. Mãe Kelma de Yemanjá participou do encontro como coordenadora da Rede Nacional das Religiões Afro-brasileiras e Saúde.
Mãe Kelma de Yemanjá e outras lideranças religiosas realizaram cânticos e fizeram falas sobre as violências sofridas pelos povos de terreiro no Brasil em atividade com o ex-presidente da república, Lula. Durante esse momento, transmitido pelo Instagram, passou a ser alvo de ataques contra os símbolos religiosos de matriz africana.
A vítima só teve conhecimento dos ataques na semana seguinte, com o recebimento de prints e imagens dos insultos nas redes sociais. No entendimento da defesa de Mãe Kelma, Nikolas Ferreira faz uma referência à entidade Zé Pilintra, figura importante das religiões de matriz africana, caracterizando-o como “pilantra”.
“O vereador fica debochando do ato religioso, dizendo tratar-se de guerra espiritual contra o mal, neste caso, representado pela religião da autora. Associa a religião da autora a legalização do aborto, a pedofilia e a imoralidade com as quais a autora não guarda qualquer relação”, diz o texto do processo, assinado pelo escritório Brayner Aguiar Guerra Advogados Associados. No restante do vídeo, Nikolas Ferreira diz que todo cristão deve se opor às ideias de esquerda, que defendem o aborto, por exemplo.
O processo sinaliza que Mãe Kelma de Yemanjá foi vítima de discriminação racial e que não teve garantido o direito de liberdade religiosa. “Por exercer uma crença, foi humilhada perante a sociedade, amigos e familiares e no caso em comento apenas quis exercer a sua religião de forma pacífica e amigável”, diz a ação.
Os ataques virtuais geraram tristeza, choro, necessidade de busca de um psiquiatra para tomar remédios anti-depressivos e antisiolíticos. Mãe Kelma de Yemanjá disse ter sentido medo de ter o seu terreiro atacado, em face das ofensas.
A defesa de Nikolas Ferreira alega que os ataques não foram direcionados a ela, mas ao ex-presidente da república, Lula, e que o vereador não tem responsabilidade sobre as ofensas proferidas por terceiros contra a religiosa.
“Com efeito, paira ao absurdo abduzir que qualquer discordância à corrente ideológica-política e religiosa, imbui em automática intolerância religiosa e consequente, dever de indenizar, sob equivalente malgrado à direitos humanos fundamentais constitucionalmente previstos: de liberdade de expressão e manifestação religiosa”, diz o texto, assinado pelos advogados Thiago de Faria, Julio César Lage e Mariana Garofolo.
A defesa do advogado também diz que Mãe Kelma de Yemanjá “não tem direito e se lança nessa aventura jurídica”.
“A autora altera a verdade dos fatos, deduz pretensão da qual não é legitima, age de modo temerário ao ajuizar ação sem efetiva sustentação fática e jurídica e procura usar o processo para conseguir objetivo ilegal, atitudes que devem ser mais do que desestimuladas, mas sim repreendidas pelos órgãos jurisdicionais, uma que atentam contra a dignidade da Justiça”, complementa o texto assinado pela defesa do vereador.
O caso corre na justiça, na 17ª Unidade do Juizado Especial Cível. A juíza Maria Helena Capelo Pimentel intimou as partes a participarem de audiência de conciliação, no dia 14 de julho, às 11h. Não houve acordo e a justiça do Ceará pediu 10 dias para a defesa de Mãe Kelma de Yemanjá rebater os argumentos apresentados pela defesa de Nikolas.
Mãe Kelma de Yemanjá preferiu não se pronunciar e optou por dialogar com a imprensa depois do processo concluído.
Questionado sobre a equipe de reportagem da Alma Preta, a assessoria do vereador Nikolas Ferreira negou qualquer ataque à líder religiosa. Leia a íntegra da nota abaixo:
“O vereador, em nenhuma hipótese, ofendeu à Mãe Kelma, sua religião ou a entidade Zé Pilintra. O que ocorrera, em verdade, perpassa por um vídeo react, ou seja, um pequeno vídeo em que o vereador mostra por alguns segundos a entrega de presentes ofertados por ela ao ex-presidente Lula. A partir disso, ele faz uma reflexão sobre a dicotomia dos valores propagados pelo conservadorismo (sua pauta ideológica) e esquerdismo/progressismo representado pelo político Lula. Há um claro equivoco no tocante a interpretação do vídeo, pois, em momento algum, é direcionado a Mãe Kelma ou a sua religião qualquer comentário jocoso ou ofensivo, mas, claramente, ao ex-presidente Lula, por óbvias divergências políticas. Até porque, a reflexão feita no vídeo, a exemplo do aborto, vão ao encontro das divergências entre os políticos, pois, a pauta ideológica conservadora é contra o aborto, enquanto a pauta da esquerda é favorável ao aborto. O que se estava em debate no vídeo não era a ridicularização da religião, da Mãe Kelma ou da entidade Zé Pilintra, mas, sim, do político (Lula) que estava recebendo os presentes. O vereador sequer tece qualquer comentário ou faz a mínima menção a eles. Todo o discurso é direcionado tendo como único foco, o político Lula. O vídeo nada mais é que, a mera reflexão do pensamento político do vereador, tratando-se, na oportunidade, da expressão ideológica que adota, especialmente em função da religião por ele praticada, em detrimento da ideologia defendida pelo político (Lula). Basta assistir ao vídeo, para observar que, todo o discurso do vídeo é realizado para demonstrar o antagonismo entre as duas ideologias políticas. Nada mais. Sendo assim, o vereador reafirma que jamais proferiu qualquer ofensa a Mãe Kelma, a sua religião e a entidade Zé Pilintra.”