Por Thalita Pires.
Os especialistas em covid-19 não têm dúvidas. O Brasil está passando por mais uma onda da doença causada pelo coronavírus. Em duas semanas – entre 20/05 e 02/06 – o número de casos de covid no Brasil subiu 122%, indo de 14 mil para 31 mil casos confirmados.
A quantidade real de infecções, no entanto, é subestimada. O número de testes realizados atualmente no país é muito baixo. Em maio, o SUS fez apenas 176 mil testes, contra 1,7 milhão feitos em janeiro. Sem dados concretos que provem o aumento no número de casos, a população fica sem informação e não pode agir para se proteger.
A testagem é fundamental para a detecção das infecções a tempo de quebrar a cadeia de transmissão e também para auxiliar a tomada de decisão dos gestores em saúde. “No Brasil sempre se testou pouco, em todas as ondas. Nunca tivemos estratégias de testagem, e mesmo depois de mais de 2 anos de pandemia, continuamos sem uma política para isso”, afirma Alexandra Boing, epidemiologista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e integrante do Observatório Covid-19Br.
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Os testes vêm sendo realizados, via de regra, em pacientes sintomáticos. “Não temos disponibilização regular de testes para assintomáticos, não temos esclarecimento para a população sobre importância de se testar”, diz Boing. “Tampouco as equipes de vigilância foram reforçadas para poder atuar nesses casos positivos identificados”, conta.
Mesmo sem testes, no entanto, já era possível identificar a nova onda. Uma das ferramentas mais confiáveis para prever o comportamento da covid, a pesquisa conjunta entre a Universidade de Maryland (EUA) e o Facebook mostrou uma reversão na tendência de queda nos casos do Brasil em 11 de abril.
Essa pesquisa é feita por meio da rede social com um questionário de sintomas “tipo covid”. Como a pesquisa atinge um grande número de pessoas e os resultados são computados imediatamente, ela consegue capturar as mudanças antes dos números oficiais, que dependem de testagem.
É provável que esta onda não causa tantas mortes como as observadas em 2020 e 2021. Isso acontece por conta da vacinação, que também fez o número proporcional de mortes no país despencar na onda de janeiro de 2022. Mesmo assim, há preocupação. “As vacinas não impedem a transmissão: quanto mais o vírus se transmite, maior a chance de surgirem novas variantes”, explica Boing. “Além disso, estudos mostram que mesmo casos não graves podem levar à covid longa, situação em que as pessoas apresentam sequelas por meses ou anos após a infecção”, diz.
Por que agora?
Há múltiplas causas para o aumento de casos. Uma delas é a chegada da estação fria no Sul e Sudeste. Esse é o momento em que a incidência de doenças respiratórias aumenta muito nessas regiões, por conta da tendência de fechar os ambientes para maior conforto térmico. Os números no Norte e Nordeste não estão apresentando alta neste momento.
De acordo com Isaac Schrarstzhaupt, cientista de dados e coordenador da Rede de Análise Covid-19, o sistema hospitalar brasileiro sempre teve dificuldades de lidar com a sazonalidade das doenças respiratórias. “Mesmo antes da pandemia, havia falta de leitos de UTI nessa época”, afirma.
Com a covid, a situação é muito mais grave. “Temos hoje no Brasil cerca de 100 mortes por dia por apenas uma doença. Até 2019, esse número não chegava a 15, considerando todas as causas de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG)”, explica.
Mesmo considerando um cenário de menor preocupação com a notificação, já que não havia pandemia, os números são discrepantes. Em 2020, a média diária de mortes por SRAG chegou a 730 e cresceu para 1.100 em 2021. Em 2022, são 340 mortes por dia, 22 vezes mais do que em 2019.
Fim da emergência sanitária
O cenário nos hospitais é agravado com o fim do financiamento de leitos extras pelo Ministério da Saúde, uma das muitas consequências do fim da emergência sanitária no Brasil, determinada em abril. Sem esse dinheiro, a abertura de leitos será muito mais difícil do que em 2020 e 2021.
Outra consequência dessa decisão do governo Bolsonaro é simbólica. “Quando o fim da emergência é decretado, há uma mensagem implícita de que está tudo bem”, diz Schrarstzhaupt.
A flexibilização das medidas de contenção da transmissão, ocorridas ao longo do primeiro semestre de 2022, também impactaram os números. O fim da obrigatoriedade de máscaras em ambientes fechados em diversos estados e cidades fez com que o vírus circulasse com mais facilidade. “O país já tinha medidas de prevenção frágeis e, em dois anos e meio de pandemia, não implementou nenhuma medida de monitoramento da qualidade do ar nos ambientes”, diz Boing.
Para ela, o fim da obrigatoriedade das máscaras, uma medida altamente efetiva e de baixo custo individual e coletivo, não fez e não faz sentido no país. “Agora estamos colhendo o resultado das decisões e das mensagens equivocadas do poder público”, acredita.
Variantes mais transmissíveis
Outro ponto que ajuda a formar o quadro da covid hoje é o surgimento de variantes mais contagiosas. As variantes da ômicron chamadas B4 e B5 são ainda mais transmissíveis que a cepa original. Elas também possuem um escape imunológico em relação às primeiras variantes da ômicron, B1 e B2. Como elas só foram detectadas no país no fim de maio, existe um cenário propenso para que essas variantes contaminem pessoas que tiveram covid há pouco tempo.
A estagnação da vacinação contra a covid no Brasil é outro motivo que ajuda a aumentar os casos. Nenhum estado conseguiu universalizar a segunda dose na vacina. A chamada dose de reforço, fundamental para a manutenção da proteção contra a doença, tem adesão muito menor. Em São Paulo, estado com maior cobertura vacinal, apenas 58% da população está imunizada com a terceira dose. Piauí, Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais têm cerca de 50% da população totalmente imunizada.
Medidas de contenção
Para Boing e Schrarstzhaupt, as ações para o controle da pandemia seguem sendo as mesmas. É necessário reforçar a vacinação, com campanhas agressivas, buscas ativas pelos serviços de saúde, mobilização da população e combate às fake news. É fundamental, ainda retomar o uso obrigatório de máscara em ambientes fechados. Essa medida não impede a transmissão apenas da covid, mas de qualquer doença respiratória.
Outras medidas são a ampliação da testagem e o rastreamento de casos e contatos ocorra para se isolar e interromper a cadeia de transmissão e alertar a população sobre os reais riscos desse momento.
Em um cenário ideal, o país deveria estar fazendo um esforço para implementar o monitoramento da qualidade do ar nos ambientes para poder guiar ações que melhorem a circulação nas escolas, comércio e demais espaços fechados de uso público. “Estamos em um momento de grande ameaça à natureza, o que acaba gerando oportunidades para a emergência de novos patógenos”, diz Schrarstzhaupt. “Uma melhor ventilação dos ambientes é uma ação fundamental a longo prazo, já que é provável que novas pandemias surjam nos próximos anos”, completa.
Edição: Glauco Faria
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