Por Franceli Stefani, Universa.
“Estou tentando me manter calma, mas como se a sociedade nos coloca para baixo? Sou educadora há 24 anos. Fiz concurso para professora e estou apta a trabalhar, mas não me permite. Vivo isso. Estou muito acuada, no meu limite”.
As frases são da professora Maristela Santos, que mora e trabalha na cidade gaúcha de Campo Bom (RS), a cerca de 55 km da capital Porto Alegre. Ela relata que sofreu, por diversas vezes, injúria racial dentro da sala de um colégio da rede municipal, enquanto dava aula. “Alunos do 8º ano, de duas turmas da escola, imitavam sons de macaco quando eu me virava de costas em sala. Difícil ter calma depois de passar por isso”. As informações são do portal Universa.
O boletim de ocorrências foi registrado por ela no dia 13 de maio como injúria racial, que consiste em ofender alguém com elementos referentes à raça da pessoa. A vítima informou que, antes disso, em outras oportunidades, já havia conversado com as turmas em questão e repassado a situação à direção, que também fez contato com os alunos. “Resolvi procurar a polícia porque, naquele dia, eles começaram a zombar de mim por ter reclamado com a direção. Diziam que nada aconteceria porque eu não tinha vídeo ou áudio para provar, além de não passar de uma brincadeira”, diz.
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“Quando os alunos foram questionados, alegaram se tratar de uma brincadeira do TikTok. Só que eu não havia proposto nada do tipo, meu conteúdo ela sobre eletricidade”.
Concursada, com especialização em psicopedagogia, a educadora frisa que um professor auxiliar testemunhou as vezes que sofreu a agressão racista. “Estou muito triste e abalada com o que ocorreu. Já trabalhei com todas as idades, mas nunca havia sentido e passado por algo parecido com essa situação de agora”, revela.
Na opinião de Maristela, quando uma situação como essa ocorre em sala de aula, é sinal que a família está desestruturada. “Banalizaram esse tipo de brincadeira e a questão racial na nossa sociedade, isso é muito grave. Se ocorreu na sala de aula, é preciso dar um basta. Ele está ali para aprender. Se não for feito algo, não for tomada alguma atitude, ficará pior.”
Os adolescentes têm 14 e 15 anos, e o caso está sendo investigado pela Polícia Civil. Como são menores, respondem por ato infracional, então, ao fim da investigação, o procedimento é encaminhado ao Ministério Público e ao Juizado da Infância e Juventude.
O delegado Clóvis Nei da Silva, responsável pela delegacia em que a denúncia foi registrada, diz que a vítima já foi ouvida e, a partir de agora, serão ouvidas também as testemunhas. “Vamos buscar identificar os autores e responsabilizá-los”.
“Sei que são menores, mas têm consciência do que fazem. Minha palavra basta, porque eu trabalho há 24 anos na prefeitura. É a primeira vez que acontece. Saí da escola e fui registrar ocorrência”.
“Fiquei sem chão ao perceber o que estava acontecendo”
Mulher, professora, mãe, esposa e preta. Não é a primeira vez que Maristela sente na pele o preconceito. No entanto, pondera que sempre foram situações veladas. “Fiquei sem chão ao perceber o que estava acontecendo. Estava em sala de aula, me senti humilhada e envergonhada”, revela, entre lágrimas.
Ela conta que tem problemas no coração e de ansiedade e faz uso de medicamento controlado. Com o episódio, seu estado emocional piorou.
“O impacto psicológico é muito grande. Fiquei quatro dias afastada, tentaram me trocar de escola, mas eu não tenho como me deslocar. Está tão complicado que busquei atendimento psicológico, não tenho conseguido nem dormir” – Maristela dos Santos, professora vítima de injúria racial
A professora recebeu apoio do Coletivo Feminista Elza Soares, com sede na cidade de Novo Hamburgo, próxima a Campo Bom. A coordenadora de igualdade racial do grupo, Iara Virgínia da Silva, afirma que o caso é grave, desestruturante e não pode ser esquecido.
“Ela estava muito desgastada com o que estava ocorrendo. Demos todo o apoio que estava ao nosso alcance e, agora, nossa equipe jurídica está tomando todas as providências. Fatos como esse estão se tornando corriqueiros”, diz Iara. Ela ainda opina que a impunidade nos adultos, principalmente em estádios de futebol, é reflexo do que ocorreu com a professora.
“A partir da ajuda do coletivo eu consegui me reestruturar”, diz Maristela. “Me deram embasamento jurídico e psicológico. Se não fosse por eles, ia parar em uma clínica, fiquei muito mal.”
Sem pedidos de desculpas
Embora a professora tenha recebido alguns contatos de estudantes de outras turmas em apoio e solidariedade a ela, aqueles que praticaram o delito não a procuraram. “Eles precisam entender a responsabilidade do que fizeram. Sempre me posicionei diante atitudes erradas, então pensei que, se alguém não tiver coragem de denunciar, isso não vai parar”.
Maristela diz que a situação é desgastante, mas não pode ficar calada para discriminação, preconceito e intolerância. “Se não exijo meus direitos e o respeito, o que vai acontecer com o futuro dessas gerações? Eles fizeram algo muito grave e precisam assumir a responsabilidade por isso.”
Prefeitura diz que está prestando apoio
A Prefeitura de Campo Bom, responsável pela administração da escola em que Maristela foi vítima de injúria racial, afirmou à reportagem que prestará todo apoio necessário à professora.
“Diante dos fatos ocorridos, em que uma professora da rede municipal relatou ter sofrido injúria racial dentro da sala de aula, a prefeitura de Campo Bom informa que repudia qualquer ato de discriminação ou racismo e que está prestando todo o apoio à professora”, dizem, em nota.
“O ato foi denunciado por meio de boletim de ocorrência na delegacia de polícia local e, agora, cabe à esfera policial julgar o ocorrido. Campo Bom é uma cidade para todos, e é inadmissível que casos assim aconteçam em pleno século 21. A administração municipal ressalta que acompanhará o caso e prestará todo o apoio necessário à vítima.”