Por Cristiane Sampaio.
Após aprovação do piso nacional da enfermagem na Câmara dos Deputados, na última quarta-feira (04), a categoria segue mobilizada para evitar que o presidente Jair Bolsonaro (PL) vete a proposta e atrase o reajuste. Sinalizações de parlamentares durante a votação do projeto sugerem que o texto pode encontrar barreiras no Palácio do Planalto, que argumenta não ter caixa para bancar o reajuste.
Segundo o relatório aprovado pelos parlamentares, o novo piso deve entrar em vigor já na data da publicação da lei. O objetivo dos enfermeiros é fazer com que a medida seja efetivada no mercado de trabalho o quanto antes.
O projeto de lei (PL) 2.564, de 2020, estabelece um piso de R$ 4.750 para enfermeiros, além de 70% desse valor como piso para técnicos em enfermagem e 50% para auxiliares de enfermagem e parteiras.
“A enfermagem está exausta. A cada etapa que conseguimos vencer, o governo e os seus representantes dentro do Congresso Nacional apresentam novos obstáculos”, desabafa a presidenta da Federação Nacional da Enfermagem (FNE), Shirley Morales.
A declaração da dirigente se refere a polêmicas sobre o custo desse reajuste aos cofres públicos, assunto que dominou os debates no Legislativo. Também pesou a pressão de empresários da rede privada de saúde, em sintonia com o lobby contrário a medida de prefeitos e governadores.
Caso seja vetado, a proposta de um novo piso para a enfermagem retornará ao plenário do Congresso Nacional, para que possíveis vetos sejam avaliados por deputados e senadores.
Polêmicas na Câmara
Durante a votação do projeto, o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), orientou correligionários a votarem contra o PL, reforçando a já conhecida rejeição do governo federal a proposta. O Palácio do Planalto argumenta que não há condições fiscais para bancar reajustes salariais na rede pública de saúde.
“Nós queremos votar o projeto, mas queremos entregar no contracheque dos enfermeiros o valor. Então espero que até o final desta votação nós encontremos uma solução que viabilize a fonte para esses recursos, para que todos saiam daqui com a certeza de que de fato foi uma vitória”, bradou Barros no plenário, durante a votação.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente, esteve entre os 12 deputados que votaram contra o projeto. Ainda assim, ele foi aprovado por ampla maioria, com 449 votos favoráveis.
“Foi uma demonstração de insensibilidade deles com a categoria. Eles deram declarações explícitas de que são contrários. Em geral, quando fazem isso, é para preparar um posicionamento de veto por parte do presidente, por isso neste momento a coisa mais importante é a mobilização pela sanção”, diz o relator do PL, Alexandre Padilha (PT-SP).
Custeio
Em paralelo à tramitação do PL, permanecem tratativas sobre o financiamento do novo piso da enfermagem. Mesas de negociação ocorridas nas prévias da última votação apontaram alguns caminhos para viabilizar a matéria.
Um deles, é um acordo feito no Congresso para primeiro assegurar o financiamento e depois enviar o texto agora para sanção presidencial, como forma de facilitar a aprovação.
Além disso, senadores apresentaram uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para dar amparo legal a pauta. A PEC insere o novo valor do piso na Constituição, para evitar possíveis questionamentos por falta de previsão constitucional. A mobilização agora é para acelerar a aprovação desta proposta, que precisa passar por dois turnos de votação nas das Casas Legislativas do Congresso.
Em paralelo, parlamentares discutem outras possibilidades de custeio do piso. “O que se discute é a importância de se ter uma fonte de financiamento para compensações. Uma parte dos parlamentares votou no PL com a expectativa de que haja uma compensação financeira. É um debate que a Câmara vai fazer. E, claro, tudo que vier de mais recursos para saúde é positivo, é importante”, diz Padilha.
“Não tem nenhuma proposta definida, mas o piso é viável. Ele representa menos de 5% de tudo que é investido no SUS. Se pegarmos apenas o valor de enfermeiros que são pagos por estados, municípios e pelas Santas Casas, isso representa menos de 3% de todo o orçamento do SUS. Se pegarmos o valor total, significa menos de 4% do faturamento dos planos de saúde”, defende o ex-ministro da Saúde.
Subfinanciamento e Teto de Gastos
O líder da bancada do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), vê como “absurda” a postura dos críticos do PL. Em sintonia com o discurso do relator, ele afirma que os setores privado e público absorveriam a nova demanda orçamentária com facilidade.
“Com o tanto de dinheiro no orçamento, não há dificuldade alguma do ponto de vista dos municípios, dos estados, da própria União. A dificuldade que existe é com os hospitais filantrópicos, que incluem 1.700 hospitais, mas não é por causa do piso”, observa.
O petista menciona como problema o subfinanciamento da saúde, iniciado especialmente pelo governo de Michel Temer (MDB) por meio do ajuste fiscal que ficou conhecido como Teto de Gastos. “E o governo Bolsonaro vem dando continuidade a essa política, agravando esse abismo que se criou para o futuro do país”, critica o líder.
Lopes rejeita a ideia de que o reajuste dependa de novas receitas. “Isso não existe. A receita é o orçamento geral da União. Você tem que sempre preservar as relações dos entes subnacionais, aumentar os repasses, mas não pode usar esse argumento, tanto é que não se diz ‘vou dar o piso para uma categoria, mas vou criar um imposto pra pagá-lo’”, argumenta.
Para o parlamentar, a aplicação do piso no contracheque da categoria é uma realidade cada vez mais próxima devido ao apoio que a pauta conquistou. “A vitória já veio e a oposição seguirá vigilante para finalizar esse processo o quanto antes”, encerra.
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