O Centenário de seu Macimino

Por Ivan Cesar Cima e Jacson Antonio Lopes Santana, Cimi Sul Equipes Chapecó e Frederico Westphalen.

Em 1922, nascia seu Macimino Mariano de Moraes, que hoje completa cem anos, carregando uma vida de muita luta, resistência e sofrimento. Seu Macimino ainda sonha com a terra prometida, terra essa que foi tirada dele e de seus parentes, como seu Clementino, que faleceu em 2009. Seu Macimino e sua família foram arrancados de sua terra nos anos 40, como se fossem animais, e levados para o estado vizinho do Rio Grande do Sul.

Durante o processo de colonização, coordenado pelo governo do Estado de Santa Catarina, com a intenção de implantar um modelo de desenvolvimento para a região, as terras Guarani foram indevidamente tratadas como devolutas e concedidas a uma empresa particular de colonização. Por força de lei, a colonizadora – Companhia Territorial Sul Brasil – deveria ter mantido reservadas as terras indígenas, mas não o fez. Estas terras foram ilegalmente loteadas, sendo vendidas pela empresa colonizadora e tituladas pelo governo do estado.

Quando os primeiros colonos chegaram, vindos em grande parte do estado do Rio Grande do Sul, viviam nesta região muitas famílias Guarani que, para resistir, foram se concentrando nas proximidades do rio Araçá, na região de Saudades e Cunha Porã. No entanto, a violência da colonização foi expulsando-as de suas terras. Na década de 30, a maioria delas foi exilada em terras do Povo Kaingang. Mesmo se tratando de povos historicamente inimigos, os Guarani e os Kaingang foram forçados, pelo governo brasileiro, a partilhar o mesmo pedaço de terra. Algumas famílias Guarani, no entanto, permaneceram na região.

Os Guarani viveram, durante anos, confinados em áreas do povo Kaingang, mas sempre alimentaram o desejo de recuperar seu território de ocupação tradicional. Reivindicam o direito de retornar para o Araça’í, terra que viu nascer alguns anciões Guarani, a exemplo de seu Clementino. Reivindicam apenas uma pequena parcela daquela que foi uma grande área de seus antepassados.

Na luta pela justiça e dignidade, alimentada no sonho da “Terra sem Males, os Guarani decidiram então retomar sua terra tradicional, na madrugada de 10 de julho de 2000, seu Macimino e cerca de duzentos Guarani – homens, mulheres e crianças – regressaram para a seu território tradicional.

A retomada do Araça’í significou, para os Guarani, a possibilidade de viver sua cultura e suas tradições, educando as crianças dentro de um espaço conhecido, construindo o seu Tekohá. Sob barracos improvisados enfrentaram muitas dificuldades, tempestades, todo o frio do rigoroso inverno, com geadas e até neve. Suportaram a escassez de alimentos. Também resistiram às ameaças constantes, vindas de pessoas que rondavam o acampamento, disparando tiros para intimidá-los. Assistiram a uma massiva campanha contra sua presença na região, fundada em argumentos preconceituosos e ofensivos. Mesmo assim, os Guarani demonstravam a alegria de estar de volta à terra de sua história, lugar de ser gente por inteiro, invadida, loteada e devastada pela mão dos colonizadores. Ao regressar para o Araça’í, reafirmaram aquilo que Sepé Tiaraju, há a mais de duzentos anos aclamou, “Alto Lá! Esta terra tem dono”.

Durante esse processo de luta, os Guarani conseguiram assegurar a criação de um Grupo Técnico (GT) para realizar os estudos antropológicos e históricos da área do Araça’í. Esse GT foi constituído em setembro de 2000 e iniciou seus trabalhos no mesmo período. O Ministério Público trabalhou para que os Guarani permanecessem no Araça’í. No entanto, a justiça dos tribunais não refletiu sobre a vida e os direitos dos Guarani, fundamentou-se no direito à propriedade privada e sentenciou o despejo dos “filhos da terra”. Foram, uma vez, arrancados de sua “terra mãe” e levados, à força, para um outro destino, novamente para uma terra que não era do povo.

Seu Macimino, juntamente com toda comunidade do Araça´í, foram acolhidos, ainda em 2002, na Terra Indígena Toldo Chimbangue, em Chapecó, SC, espaço esse do povo Kaingang. Novamente em exilio, decidem permanecer neste espaço provisório para que pudessem estar mais próximos a seu território tradicional, o Araça´í. Nas palavras de Seu Macimino “não é fácil viver num local que não é do povo”, por isso sempre estiveram em busca, lutando pela efetivação de seus direitos e para que a Constituição Federal, em seus artigos 231 e 232 sejam respeitados.

Com muita luta e resistência, em 2005, a terra foi reconhecida como de ocupação tradicional dos Guarani. Em 2006 retornam para a terra tradicional, cobrando a assinatura da Portaria declaratória, sendo novamente expulsos pela Policia Federal.

Hoje o Centenário Macimino, juntamente com toda a comunidade Guarani do Araça´í, sonham e querem o retorno a terra tradicional, terra essa roubada quando era jovem.
A comunidade Guarani, mesmo no exilio, vivendo em espaço provisório, segue firme na luta pela reconquista do Araça´í, a Terra sem Males, o Lugar de Ser.

Importante destacar que os Guarani contam com importantes apoio de entidades ambientais, de direitos humanos, de movimentos sociais e de pessoas comprometidas com a causa indígena.

Que Ñhanderu guie, fortaleça e proteja toda a comunidade Guarani do Araça´í em sua luta pela garantia da Mãe Terra.

Chapecó, SC, 29 de abril de 2022

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