Por Lucas Scatolini.
Faltando poucos meses para o reajuste anual dos planos de saúde, decretado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), começaram as especulações sobre o índice. O jornal O Globo acaba de cravar sua aposta: a alta será 15% e 18%, diz matéria publicada hoje, com base em fontes de mercado financeiro e da Associação Brasileira de Planos de Saúde. Se as previsões se confirmarem, será o maior aumento determinado pela ANS nas últimas duas décadas. Pretexto: os custos dos serviços teriam se elevado. Só os medicamentos acabam de ser reajustados em 10,89%. Além disso, após o isolamento provocado pela pandemia, a população teria voltado a recorrer aos hospitais e médicos – o que provocou mais atendimentos.
Mas seriam as mensalidades atuais compatíveis com a renda e o padrão de vida da população? Um estudo de IBGE publicado em 2017 sugere que não. Naquele ano, as despesas médias das famílias com saúde privada chegaram a R$ 1.714,60. Já era comum, então, encontrar casos em que só a mensalidade do plano consumia 20% do orçamento familiar. E a tendência se agravou. Entre 2017 e 2020, o desembolso mensal subiu 36,1% – o triplo da inflação, de 11,41%. É um padrão que se repete desde 2012, com este item da despesa (e também a educação), subindo acima da média, como mostra o gráfico abaixo. Nem mesmo a recessão e o desemprego crescente impediram a saúde privada de cobrar cada vez mais.
Há outra conta que não fecha no argumento das operadoras privadas. Para a coordenadora do Programa de Saúde do Idec, Ana Carolina Navarrete, as projeções do mercado não refletem dados de utilização dos planos de saúde pelos usuários, a chamada “sinistralidade”, medida pela própria ANS. Segundo ela, em junho de 2021, a agência publicou um estudo que mostrou que a sinistralidade do primeiro trimestre do ano passado permaneceu inferior ao observado no mesmo período de 2019, entre 75% e 77%. Ele aumentou no segundo trimestre, chegando a 82%, similar ao período pré-pandemia.
E, mesmo com mensalidades muito elevadas, explodem as queixas contra empresas do setor. Em março, o Outra Saúde mostrou que a ANS suspendeu 12 planos de saúde, operados por seis grandes empresas do país, devido ao enorme número de reclamações sobre a cobertura assistencial. Mas o ministro Marcelo Queiroga trabalha para as corporações, na tentativa de ajudá-las a criar coberturas precárias e supostamente “baratas”.
Que alternativa o SUS poderia oferecer aos 48 milhões de brasileiros que pagam muito pelos planos privados – e recebem atendimento quase sempre precário? A Conferência Livre e Democrática de Saúde, que será lançada nesta quinta-feira (7/4), será uma grande oportunidade de debater o tema. Hoje, não há resposta clara, devido ao subfinanciamento da saúde pública. Ele provoca os chamados “vazios assistenciais” – grande dificuldade de agendar consultas especializadas e exames, por exemplo. Parte da classe média recorre, como alternativa, à medicina de negócios.
Mas e num novo cenário político? No documento introdutório à Conferência, a Frente pela Vida, promotora do encontro, propõe como prioridades a luta para financiar adequadamente a Saúde Pública e para sanar os vazios assistenciais. A sociedade terá forças para obter estas duas grandes conquistas? É o que veremos nos próximos meses.