Por Murilo Pajolla
O Ministério da Saúde exonerou o coronel do Exército Robson Santos da Silva do cargo de secretário especial de Saúde Indígena. Em seu lugar, nomeou o militar de mesma patente Reginaldo Ramos Machado, que não possui experiência conhecida com povos originários.
A troca no comando da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) foi publicada nesta quinta-feira (31) no Diário Oficial da União (DOU). As determinações são assinadas pelo ministro Ciro Nogueira (PP-PI), da Casa Civil.
Um dos milhares de militares alçados a cargos estratégicos na administração de Jair Bolsonaro (PL), o novo titular da Sesai ocupava, desde abril de 2020, o posto de Diretor de Gestão Interfederativa e Participativa no Ministério da Saúde.
Para o coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) Alberto Terena é um “cenário difícil”. A liderança defende que Robson Santos da Silva saiu para evitar um desgaste maior por conta de sua má gestão no cargo. “O secretário [Robson Santos da Silva] já vinha fazendo um péssimo trabalho, não estava correspondendo com que se faz necessário”.
Alberto Terena está desacreditado que a mudança signifique uma melhora. “Eu creio que vai continuar desta forma, a negação da saúde de fato. É uma troca para uma pessoa que não conhece o contexto indígena”, denuncia a liderança.
Currículo
Por quase três anos, Reginaldo Ramos Machado foi “coordenador de área administrativa” do Ibama, segundo currículo disponível no perfil de Machado da rede social LinkedIn. Já no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), foi Diretor de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamentos em 2019.
Por quase 30 anos, atuou como Assessor de Estado Maior Gerencial do Exército Brasileiro, até se aposentar em 2012. Também foi comandante da 4ª Companhia de Polícia do Exército em Belo Horizonte.
Na iniciativa privada, Machado declarou ter atuado por seis anos como diretor de uma empresa no ramo de ”consultoria em Gestão Estratégica Operacional”. Trabalhou ainda para a mineradora Vale, como consultor gerencial administrativo, de saúde e de segurança no Pará.
Por meio das assessorias de imprensa, o Brasil de Fato perguntou ao Ministério da Saúde e à presidência da República qual foi motivo da troca de comando da Sesai e quais critérios técnicos embasaram a escolha do novo titular. Não houve resposta até a publicação da reportagem.
Gestão da saúde indígena contestada
No cargo desde 2020, Robson Santos da Silva geriu a Sesai sob fortes críticas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que reúne dezenas de organizações de povos originários de todo o Brasil.
Conforme a Apib, a falta de atendimento e o atraso na vacinação contribuíram para a disseminação do coronavírus nas aldeias. Unidades descentralizadas da Sesai receberam alta quantidade de cloroquina, comprovadamente ineficaz no tratamento da doença.
No início de 2021, a Apib e seis partidos políticos entraram com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 no Supremo Tribunal Federal (STF).
A ação foi acolhida pelo ministro Luís Roberto Barroso, que determinou que os indígenas “não aldeados” fossem incluídos no grupo prioritário do Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas.
Antes da decisão de Barroso, 379,5 mil pessoas, ou 42,8% da população indígena do país, ficaram de fora da primeira etapa da imunização contra o coronavírus.
Em agosto, a Apib protocolou um comunicado no Tribunal Penal Internacional (TPI), órgão de Justiça das Nações Unidas (ONU), para denunciar o governo de Jair Bolsonaro (PL) por genocídio de povos indígenas.
Aprofundamento do modelo privatista
Atualmente, de acordo com o Ministério da Saúde, 800 mil indígenas são atendidos por 15 mil profissionais da saúde, metade deles também indígenas.
O serviço é intermediado por oito entidades beneficentes de assistência social, a maioria ligadas a igrejas. Juntas, elas receberam quase R$1,5 bilhão da União nos últimos dois anos, segundo o Portal da Transparência do Ministério da Saúde.
Em janeiro deste ano, o Brasil de Fato reportou que o governo de Jair Bolsonaro cogitava aprofundar ainda mais o modelo privatista, considerado caro e ineficaz.
Organizações dos povos originários apontaram a intenção da Sesai de terceirizar a entidades privadas funções estratégicas que seriam, por lei, de responsabilidade do estado.
O alerta soou após a Sesai divulgar em novembro uma proposta de edital de contratação de ONGs que vão fornecer mão de obra – técnicos, enfermeiros, médicos e outros – para atuar nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) espalhados pelo Brasil.
A Mobilização Nacional Indígena (MNI), espaço de articulação de mais de 100 organizações indígenas, indigenistas e ambientalistas, elaborou uma nota técnica classificando a medida como “um avanço na privatização da saúde indígena”.
“Nos parece que o chamamento público está transferindo a entidades privadas um conjunto de atribuições da Sesai, principalmente quanto ao planejamento, coordenação, supervisão, monitoramento e avaliação das ações”, afirma o documento.
Questionado na época sobre o aprofundamento da terceirização, o Ministério da Saúde respondeu à reportagem que a proposta de edital criticada por organizações indígenas era uma “oportunidade de melhoria nesse modelo” e foi submetida à consulta pública.