Os “supersalários” praticados na Comcap. Por José Álvaro Cardoso.

Imagem de mohamed Hassan por Pixabay

Por José Álvaro Cardoso.

Uma série de projetos da Prefeitura Municipal de Florianópolis, na área de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) dependem da experiência e da inteligência, acumuladas por décadas, em estudos e no trabalho prático de limpeza, da Companhia de Melhoramentos da Capital (COMCAP). São projetos complexos, de destinação dos resíduos sólidos, que passam pelo aumento significativo da reciclagem e de compostagem dos resíduos. São programas que requerem estudos, maturação, acompanhamento e cuidado. É muito difícil uma empresa privada, cuja energia é voltada para os lucros dos proprietários, desenvolver esse tipo de trabalho com o mesmo cuidado de uma empresa pública.

A própria incapacidade das empresas privadas em atrair profissionais de alto nível, em função dos baixos salários e da ausência de perspectivas de carreira, atrapalha o desenvolvimento desses projetos. Há uma evidente contradição entre a lógica do setor privado e as exigências da existência de uma empresa pública e integrada de limpeza, que considere todas as dimensões do problema. Este envolve a destinação do RSU, poda, varrição, preservação ambiental e toda a lista de serviços que a COMCAP presta à população.

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Sobre a capacidade técnica da Autarquia, destaco uma declaração do presidente do SINTRASEM (Sindicado dos Trabalhadores Municipais de Florianópolis), Renê Muraro, em entrevista ao Portal Desacato em 01/04/2022, no programa Agenda dos Trabalhadores: segundo ele, nenhum técnico ou político que conhece realmente o trabalho da COMCAP, e que seja honesto com os fatos, qualifica a Autarquia como ineficiente ou incompetente. Todos os que conhecem a Empresa reconhecem que ela desempenha os serviços para os quais existe, com destacada excelência.

No entanto, em função dos interesses na privatização total desses serviços (que envolvem uma soma significativa de dinheiro), existe uma engrenagem na mídia comercial de geração de críticas permanentes à COMCAP. A depreciação é planejada e articulada, e alguns comentários beiram ao surreal, pela extrema inconsistência. Há uma evidente intenção de rebaixar sistematicamente a Empresa, o que se explica em função do interesse na sua privatização. Essa postura acaba contaminando os ingênuos em geral, que reproduzem essas críticas nas redes sociais, normalmente sem conhecer o assunto. Por razões variadas, a Empresa e o governo não costumam responder às críticas, o que acaba fazendo com que circule somente a visão privatista na mídia. É um jogo desigual.

Uma das acusações mais duras dirigidas à COMCAP é a da existência de supersalários, que seriam completamente fora da realidade de mercado, especialmente o de empresas de limpeza urbana. Esse tipo de acusação costuma ter grande repercussão na sociedade, não só pela propaganda permanente da mídia comercial contra as estatais, mas também em função dos baixos salários que a população em geral, recebe.

No entanto, em edital de 2020 da Empresa, para a contratação de profissionais nos níveis fundamental, médio e superior, os salários oferecidos estavam em um intervalo entre R$ 1.308,50 a R$ 3.353,90, com jornadas de trabalho de 30 e 40 horas semanais. Os salários de R$ 3.353,90, para nível superior, equivaliam em 2020, a 3,2 salários-mínimos. Além do salário, a Empresa ofereceu no edital ainda, um auxílio alimentação de R$ 855,00 e vale transporte para os trabalhadores que recebessem até 3 pisos salariais (à época o correspondente a R$ 3.925,50), com custo integralmente bancado pelo Município de Florianópolis. No edital os valores salariais para algumas funções eram:

Gari de Coleta – O cargo pede ensino fundamental incompleto e oferece salário de R$ 1.870,84, por carga horária semanal de 40 horas por semana;

Gari de Limpeza Pública – Ensino Fundamental incompleto; salário de R$ 1.308,50, por jornada de trabalho de 30 horas por semana;

Motorista – Requisito de ensino fundamental completo e experiência profissional de cinco anos e Carteira Nacional de Habilitação na categoria “D”. A remuneração é de R$ 2.560,36.

É um fato que um gari de coleta da COMCAP ganha inicialmente quase 45% acima do salário médio de Santa Catarina, no setor de limpeza urbana. Mas a média salarial em Santa Catarina para gari de coleta é R$ 1.291,65, segundo o Novo CAGED. Essa é a média, ou seja, uma parte dos trabalhadores ganha salário-mínimo. Essa é a questão que deve ser debatida. O salário médio citado acima é o que o NOVO CAGED classifica como Lixeiro Nível I. Ao nível de Brasil, o Nível II recebe cerca de R$ 1.434,26, e o Nível III tem uma média salarial de R$ 1.722,87. Pelas exigências é muito mais correto comparar o salário da COMCAP com o Nível II, e aí a diferença entre o salário da Autarquia e o setor privado, fica menor.

Portanto, pelo que se observa, não há nada de privilégios nos salários da COMCAP. A diferença de remuneração, que pela amostragem não é muito elevada, é fruto da organização e luta dos trabalhadores da Autarquia. A média salarial do Estado no setor privado é praticamente o salário-mínimo. O trabalhador que recebe esse salário para operar na coleta de lixo 44 horas por semana, não consegue sustentar nem a si mesmo. Não é o salário da COMCAP é que é alto, os salários de mercado que são muito baixos. Isso deve ser denunciado e combatido.

A COMCAP não se sustenta enquanto operadora pública de qualidade, se pagar salários miseráveis. Quem defende esse tipo de ideia ou é mal-intencionado ou é um ingênuo completo. Muitas matérias divulgadas nos meios de comunicação são extremamente tendenciosas, pinçando as distorções salariais da autarquia como se fossem a média da sua situação remuneratória. Uma análise mais cuidadosa dos dados disponíveis, mostra que 80,50% dos salários líquidos da COMCAP estão na faixa que vai até R$ 4.000,00. Apenas 1,58% dos trabalhadores recebem salários líquidos acima de R$ 10.000,00. Não tem nada de privilégios. O diferencial na Autarquia em relação ao setor privado, são os benefícios, que acabam compondo uma remuneração razoável, obtida após décadas de lutas dos trabalhadores.

As críticas do setor privado à remuneração da COMCAP não podem servir de parâmetro, porque os salários no setor privado são miseráveis. O trabalhador ficar recolhendo lixo durante 8 horas seguidas para ganhar R$ 1.200,00 ou R$ 1.800,00 (no caso do motorista), praticamente sem benefício algum, o coloca na condição de um escravo moderno. Para desempenhar uma ocupação extremamente penosa, exaustiva e arriscada, o trabalhador recebe um salário que mal paga a sua alimentação. É indefensável que um trabalhador que recolhe lixo, ou um que trabalhe com varrição, ganhem apenas R$ 1.200,00, valor que não compra duas cestas alimentares básicas (para uma pessoa) em Florianópolis. Os salários do setor privado não podem servir de exemplo.

 

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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