Por Verbena Córdula.
A tentativa de apagamento das lutas de determinados sujeitos contra inúmeras opressões foi e continua sendo um ato violento, o qual devemos repudiar e denunciar. Isso aconteceu, por exemplo, com as mulheres e suas ações contra o regime ditatorial instaurado no Brasil em 31 demarço de 1964, quase nunca mencionadas pelas narrativas oficiais, ou mesmo pelos próprios movimentos de resistência, que em geral não atribuem a esse grupo a devida importância.
As mulheres têm sido quase sempre retratadas pela historiografia hegemônica como sujeitos subalternos ou inexistentes. Isto porque, ao seguir a lógica da cultura patriarcal, a construção narrativa da história é, em geral, branca, cristã, eurocêntrica, heterossexual e masculina. É como se os outros sujeitos fora desse arquétipo não desempenhassem o papel de atores sociais. Embora muitos esforços estejam sendo efetivados para transformar essa realidade, as tentativas de apagamento das ações desses sujeitos continuam vigentes.
E quando o assunto é a resistência ao regime ditatorial implementado a partir do Golpe de Estado perpetrado pelos militares, com a anuência e participação de setores da burguesia nacional, a aparição da figura feminina não aparece ressaltada, deixando uma visão equivocada de que esse grupo social não teve protagonismo nos movimentos de resistência a esse período de terror que infelizmente faz parte da história brasileira.
A despeito do que a maior parte dos relatos oficiais e da imprensa burguesa tenham querido construir na memória da sociedade brasileira, durante o período em questão as mulheres tiveram participação ativa na luta, tenha ela sido através de resistências mais dissimuladas, ou mesmo a partir da luta armada, por meio das guerrilhas.
Criméia Alice Schimidt de Almeida é uma dessas mulheres. Militante do Partido Comunista do Brasil (PC do B), lutou na Guerrilha do Araguaia, um movimento emblemático do período, que buscava estabelecer uma revolução socialista no país, e que foi duramente combatido pelos militares golpistas. A Guerrilha durou de finais da década de 1960 até 1974. Por haver tido problemas durante uma gravidez, a militante deixou o movimento em 1972. Fez parte do movimento durante quatro anos.
Aos 12 anos de idade, Criméia já dava mostras da sua disposição para a luta, na escola onde estudadava, liderando um grupo de estudantes para tomar uma decisão a respeito da implantação de uma escola experimental. Em seguida, militou efetivamente no movimento estudantil universitário, em 1968, na Faculdade Ana Nery, onde cursou Enfermagem.
Prisão e tortura
Criméia foi presa quando participava de um Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em outubro de 1968, na cidade de Ibiúna, no interior paulista. Após sua soltura, no mesmo ano, entrou para a clandestinidade logo após a promulgação do Ato Institucional Nº 5, (o AI-5), a expressão mais dura do período ditatotial.
Por haver engravidado, deixou a luta direta e ficou responsável pela comunicação entre os/as guerrilheiros/guerrilheiras e o PCdoB. E em uma das viagens que fazia para estabelecer essa conexão, foi presa e torturada em São Paulo. E, em seguida, levada a Brasília, onde as torturas continuaram até a criança nascer. Crimeia continua na luta, participando, atualmente, da Comissão dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos.
Não há como precisar o número de mulheres, assim como as formas como elas protagonizaram esse período da história brasileira. Podemos dier, no entanto, que muitas se organizaram e lutaram de diversas formas, como no caso, por exemplo, daquelas reunidas no grupo denominado “União Brasileira de Mães”, que realizaram passeatas com a finalidade de denunciar as desaparições de seus entes naquele período nefasto.
Felizmente, apesar das tentativas de apagamento dessas lutas, há historiadoras e historiadores que têm buscado evidenciar a presença das mulheres nesse e em outros momentos históricos, de modo a incorporá-las enquanto sujetos de pesquisa, e, sobretudo, sujeitos da história. Considerar a paticipação ativa das mulheres no decorrer da história trata-se não apenas de considerar as relações de gênero, mas, principalmente, evidenciar e contrapor as tentativas de invisibilização desses sujeitos no registro dos acontecientos e na própria história.