Justiça do RS está nas mãos de uma mulher negra pela 1ª vez; conheça

    Desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira será presidente do TJ por dois anos — Foto: Eduardo Nichele/TJ-RS

    Por Franceli Stefani

    Natural de Pelotas (RS), a 260 km de Porto Alegre, a desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, 64, ainda se emociona ao relembrar o dia de sua posse, em 1º de fevereiro, como presidente do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul). Foi a primeira mulher nomeada em 148 anos de existência do órgão. É, também, a primeira negra a ocupar o cargo.

    “Vivi, na posse, um dos momentos mais importantes da minha vida. Eu, claro, não tinha como planejar que seria a primeira mulher, a primeira negra, frente ao poder Judiciário”, diz a magistrada, que agora comandará a entidade responsável por julgar casos em segunda instância de todo o estado.

    Filha de um advogado, diz ter sido inserida no mundo do Direito desde muito cedo, dentro da família. São quase 40 anos dedicados à profissão, e ela fala, com orgulho, da carreira e da vida que construiu. “Não tenho filhos, sou solteira e sou uma pessoa muito feliz, que brinda com a vida e faz o que gosta”, afirma.

    Embora reconhecida há muito tempo como referência por seus pares, ela diz que assumir o TJ não era uma meta, mas um acontecimento natural em seu caminho. “Minha pretensão sempre foi julgar, depois, com o tempo, a gente vai ficando antiga no local de trabalho e os demais colegas vão percebendo a forma com que nos relacionamos”, diz.

    Pioneirismo feminino

    Formada pela UFPel (Universidade Federal de Pelotas), a primeira mulher a ascender à chefia do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul construiu seu pioneirismo aos poucos.

    Nogueira se tornou juíza em 1986. Depois de diversas passagens em cidades do interior do estado, voltou para Porto Alegre. Em 2004, então, foi promovida ao posto de desembargadora. “É uma trajetória de muito aprendizado, de profundo respeito ao Judiciário, tendo sempre presente a necessidade das pessoas. Era uma época, em que os processos eram físicos e usávamos máquina de escrever”, recorda.

    Entre os feitos do seu currículo, há outras vitórias: foi a primeira mulher a integrar o conselho deliberativo da Ajuris (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul), e a primeira a comandar a Corregedoria-Geral. da Justiça do estado.

    “Lugar de mulher é onde ela quiser. Chegou a minha vez”

    Surpresa com manifestações de carinho e apoio, vindas de mulheres de todo País, garante que todas devem buscar seu espaço e seu caminho. “Tem uma frase que ouvimos, lemos e escrevemos constantemente que é ‘lugar de mulher é onde ela quiser’. Feliz o seu autor porque é realmente isso. Chegou a minha vez, como chegará a das próximas”.

    Nogueira afirma que não enfrentou preconceito em sua trajetória, mas que percebe o número reduzido de mulheres negras na magistratura. Segundo levantamento de 2021 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), dos 1.563 desembargadores do país, 45 são mulheres negras, representando menos de 3% do total.

    Em sua visão, independentemente da orientação sexual, é necessário foco e propósito para tudo o que se deseja. Sobre a falta de oportunidade para a população menos favorecida, diz que há movimentos das próprias comunidades e políticas públicas para acesso às universidades. “O movimento geral é muito grande para que todas as pessoas, de todas as origens, tenham essa chance de chegar onde elas quiserem.”

    “Pessoas racistas precisam se adequar aos novos tempos”

    Embora haja relatos de juristas reproduzindo racismo, machismo e homofobia dentro do próprio Judiciário, Nogueira reforça que todos os seres humanos são imperfeitos. “A perfeição anda longe de nós, até mesmo por questões históricas e devido ao núcleo familiar que as pessoas estão inseridas.”

    A desembargadora diz que é bom que essas pessoas se renovem e se adequem aos novos tempos. “Esse tipo de comportamento fala de formação e caráter de pessoa. Isso vai mudar a partir do momento que a pessoa tiver essa conduta discriminatória punida”.

    Ela, que diz nunca ter sofrido racismo, explica a importância de as vítimas procurem seus direitos. “Não deixe a história cair no esquecimento”, aconselha.

    “Meu pai pôde me ver formada e desembargadora”

    De acordo com a desembargadora, ela se caracteriza como alguém que luta, com erros e acertos, e se dedica ao máximo para si e seus familiares. “Tenho sete sobrinhos, dois sobrinhos netos. Temos uma relação forte e amorosa. Embora não tenha filhos, destino a eles a dedicação materna”, afirma.

    Foi na família, inclusive, que ela teve sua maior inspiração. O pai, o advogado Orlando Pinto Nogueira Neto, já falecido, conseguiu ver a filha alcançar seus objetivos. “Ele me deu o exemplo de uma vontade grande de seguir. Ele se formou na faculdade quando eu tinha 12 anos. Quando completei 16, comecei a trabalhar em um escritório de contabilidade e advocacia que ele mantinha”, relembra.

    Lá, ela podia acompanhar algumas audiências, os processos, a elaboração de questões e a busca de informações. “Depois de formada, ainda permaneci trabalhando com ele”, relembra a magistrada, que comemora: “Ele pode me ver desembargadora”.

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