Por Bruna Bronoski.
Em julho de 2000 ocorreu um dos maiores desastres ambientais do Paraná. Naquele mês, uma válvula da Refinaria Getúlio Vargas da Petrobras, no município de Araucária, se rompeu e 4 milhões de litros de óleo cru vazaram, contaminando os rios Barigui e Iguaçu.
Após mais de 20 anos, um acordo fechado entre o Ministério Público e a Petrobras estabeleceu uma indenização de quase R$ 1,4 bilhão, que deve ser destinada à preservação, restauração e monitoramento ambiental de áreas do patrimônio natural do estado. Entre elas estão unidades de conservação, áreas de proteção permanente e a Bacia Hidrográfica do Alto Iguaçu, principal região afetada pela tragédia.
Do total da indenização, 66,66% será destinado ao Fundo Estadual de Meio Ambiente (FEMA). O restante, 33,33%, será depositado para um fundo federal, o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD). Ou seja, cabe ao governo do Paraná aproximadamente R$ 931 milhões.
Todavia, a lista de 15 projetos do Instituto Água e Terra (IAT), aprovada pelo Conselho de Recuperação de Bens Ambientais Lesados (CRBAL), órgão estadual responsável por decidir como os recursos serão empregados, pretendia usar ao menos R$159 milhões para a compra exclusiva de veículos, como caminhões pipa, de lixo e viaturas, entre dezembro e janeiro deste ano.
Este valor corresponde a quase 20% da indenização da Petrobras ao estado do Paraná. Metade do recurso já foi depositado ao Fundo Estadual de Meio Ambiente e o conselho responsável por sua gestão, em menos de dois meses de discussões, já tem destino para a verba.
Outro projeto, chamado “Rio Vivo – Estradas Rurais Integradas aos Princípios e Sistemas Conservacionistas”, está justificado como obras ambientais. Segundo o governo, elas seriam feitas na região da bacia do Alto Iguaçu conforme critérios de elegibilidade, que não estão definidos no projeto.
O governo Ratinho Jr. tem dado ênfase a pequenos projetos de sustentabilidade, como ocorreu em janeiro deste ano ao anunciar a polinização de parques urbanos com abelhas sem ferrão.
A propaganda governamental também utiliza a imagem da harpia, ave de rapina considerada em extinção por causa da diminuição de florestas, para dizer que o Paraná é sustentável.
Várias organizações afirmam que o governo está longe de atuar de forma adequada, estratégica e baseada em dados científicos para conter a crise hídrica e as mudanças climáticas no estado. Ao todo, 22 entidades paranaenses e brasileiras, entre elas a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Instituto Brasileiro de Conservação da Natureza e o Centro Cultural Brasil EUA Interamericano, pediram em carta publicada recentemente a revisão dos projetos aprovados com o recurso da Petrobras, já que esta é uma oportunidade única de avançar na pauta ambiental do estado.
MP se manifesta mais uma vez sobre ações “apressadas” do governo
Entre os projetos do governo aprovados pelo conselho, nenhum direciona os recursos com justificativa detalhada para a conservação ou recuperação de unidades de conservação, tampouco para recuperação de áreas degradadas na bacia hidrográfica do Alto Iguaçu.
As aprovações foram em torno da compra de 53 caminhões para a patrulha ambiental, outros 71 caminhões para coleta de lixo reciclável, a compra de coletes salva-vidas e equipamentos meteorológicos. Ainda foram aprovados projetos de construção de 557 poços artesianos, abertura de estradas e obras de drenagem, entre outros.
Sobre os poços artesianos, o conselheiro do Comitê da Bacia Litorânea, Paulo Marques, pontua: “Isso é paliativo, não produz mais água, além de que poços têm limite. Essa obra não vai fazer chover mais”.
Marques critica essa e outras destinações do recurso. “Existe uma crença comum de que tudo pode ser resolvido com obra. No caso dos recursos hídricos não é assim. Nós temos que mudar a nossa forma de gestão dos recursos, mudar a forma como fazemos uso do solo”.
Há poucos dias, o IAT convocou reunião para explicar como irá proceder no primeiro edital de chamamento público aberto para uso do recurso. O instituto definiu, sem que isso estivesse no acordo, que vai destinar R$ 120 milhões para projetos de organizações não-governamentais, universidades e municípios.
Cerca de 100 pessoas participaram do encontro. Houve questionamentos sobre a composição da banca que irá definir quais projetos serão escolhidos para receber o aporte, além do teto dos valores.
A advogada da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, Ednéia Alkamin, respondeu que haverá uma comissão de seleção que selecionará os projetos e depois os encaminhará para aprovação do CRBAL. “Essa comissão pode ter participantes de outro setor, ainda está sendo estudado como vai ser isso, eu acho importantíssimo que essa comissão de seleção tenha elementos técnicos, trazer universidades e terceiro setor para participar”. Ou seja, o edital está sendo publicado e ainda não há metodologia definida para seleção.
Segundo o Ministério Público, a reunião convocada pelo IAT desrespeita a autoridade judicial, já que o órgão do governo não esperou a decisão da Justiça sobre a validade da composição do conselho e a aprovação “apressada”, segundo o MP, dos 15 projetos do governo.
Em manifestação protocolada na última sexta-feira (04/02), os promotores afirmam que “a convocação para a mencionada reunião pressupõe a consolidação de todas as indevidas destinações das verbas com desvio de finalidade e da arbitrária definição de que apenas aproximadamente 12% da verba dirigida ao FEMA seria acessada com projetos submetidos a um edital de chamamento público”.
Ainda é aguardada a decisão do juiz Flavio Antonio da Cruz, da 11ª Vara Federal de Curitiba, sobre o pedido liminar de cumprimento de sentença para anulação das decisões tomadas até agora pelo CRBAL e obediência aos termos do acordo (leia mais aqui).
Prejuízos no Paraná mostram urgência ambiental
Pesquisas realizadas com dados abertos apontam que o Paraná está longe de ser o mais sustentável do Brasil. Segundo o último Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, o estado está entre os três que mais desmatam o bioma no país. Outro levantamento aponta que o foram destruídos 5.710 hectares de florestas paranaenses só em 2020, o que corresponde a 59% do desmatamento na região sul do país.
Do Comitê de Bacias Litorâneas, Paulo Marques conta que o Paraná já vive problemas sérios por causa da diminuição da cobertura vegetal. “O problema da crise hídrica não é apenas a falta de chuvas, mas sim a falta da capacidade de retenção da água das chuvas nas bacias hidrográficas, que está diretamente ligada ao uso do solo”.
Marques explica que a maior capacidade de retenção da água é nas florestas. “Ali a água cai, demora um tempo para escorrer pelas árvores, penetrar no solo e chegar ao lençol freático, que vai chegar ao rio. O modelo de represas para retenção de água tem limite”. O biólogo lembra um exemplo paranaense: “Pela primeira vez nós passamos dois anos de racionamento de água na região de Curitiba porque as represas não deram conta de reservar toda a água necessária. Isso acontece porque nós modificamos o entorno, retiramos as florestas”.
Ficar sem água é um problema que afeta a população duas vezes: há escassez na torneira e também alta do preço dos alimentos. Com a estiagem provocada pela destruição de florestas no sul e na Amazônia, a produção agrícola tem menor rendimento. Menor oferta e igual demanda resulta em subida de custo de vários produtos, entre eles, a carne, que depende da soja e do milho para sua produção.
Os produtores agrícolas do Paraná estão vivendo os prejuízos da diminuição das florestas. Na primeira safra de soja 21/22, a expectativa de colheita de 21 milhões de toneladas no estado caiu para 12 milhões, uma perda de 57%.
E esses prejuízos não são pontuais. No ano passado a estiagem afetou a produção de milho safrinha do estado, com queda de mais de 60%, um recorde histórico. Segundo o analista de milho do Departamento de Economia Rural, Edimar Gervásio, as mudanças climáticas são as responsáveis. “O principal fator é a estiagem. Tem outros também, como as temperaturas mais baixas no período noturno que o Paraná vem registrando”.
Cobertura vegetal do Paraná precisa ser ampliada e protegida
Segundo a Rede Pró Unidades de Conservação, uma ação possível seria a estruturação e regularização de unidades de conservação (UCs). O item 4.2.1 do Termo de Acordo Judicial prevê ao menos 40% dos valores devem ser destinados a essas áreas para ações de implementação, ampliação, proteção, estruturação, fiscalização e regularização fundiária dessas áreas.
Sobre a regularização fundiária, o acordo permite que o recurso indenize proprietários de terra que tiveram seus imóveis demarcados como UCs. A não indenização dos proprietários e consequente permanência deles dentro das unidades impede a realização de ações de conservação.
Questionado sobre o uso do recurso para este fim em 26 de janeiro, o secretário da Sedest e presidente do conselho, Márcio Nunes, afirmou que “Juridicamente isso não é possível, estas pessoas precisam ser pagas pelo Tesouro do Estado, então não existe possibilidade do acordo servir para indenização”.
Pelo acordo, no entanto, esta é uma possibilidade. Segundo a bióloga e diretora executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, Angela Kuczach, “O recurso pode e deve ser aplicado para regularização e outras ações dentro de uma lista de prioridades nas UCs”.
A entidade pediu ao Instituto Água e Terra dados do levantamento da área e da quantidade de proprietários que precisam ser indenizados no estado. “Perguntamos via Lei de Acesso à Informação. O IAT respondeu que não tem esse dado. É responsabilidade do estado fazer este diagnóstico”, ela afirma.
Sobre outros diagnósticos das UCs, a reportagem do OJC questionou o instituto onde esta informação está disponível. O órgão informou que o levantamento é interno e ainda não fez a divulgação.
Segundo o diretor de relações institucionais da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (ANAMMA), Mário Mantovani, os projetos propostos pelo governo precisam ser realizados, mas não com o recurso para conservação ambiental. “Os recursos não eram para isso. A situação foi forçada para que os projetos se enquadrem no interesse eleitoral. A forma como o governo do Paraná está fazendo é eleitoreira, é uma competição com o governo federal para ver qual governo é mais nocivo ao meio ambiente”, afirma.
O que diz o governo do Paraná
A reportagem do OJC perguntou ao IAT qual foi a metodologia utilizada para elaboração dos projetos. O instituto encaminhou nota afirmando que “os projetos e planos elaborados e apresentados ao CRBAL estão pautados na política estadual e no plano de governo, amparados na agenda ambiental 2030, “Race to Zero” e os compromissos da “Declaração de Edimburgo”. Ainda disse que usou como referência as áreas estratégicas prioritárias para conservação e restauração do Estado do Paraná e seus corredores ecológicos, “como previsto na lei federal nº 9985/2000”.
Questionamos também se o IAT fez um diagnóstico sobre as unidades de conservação do estado para propor os projetos. A resposta foi que “o IAT elaborou diagnóstico de suas 70 unidades de conservação no ano de 2020, documento interno que respalda todo o planejamento estratégico e as políticas ambientais voltadas ao patrimônio natural e executadas através de programas como o Paraná Mais Verde, Programa Estadual de Educação Ambiental, PREVINA, Parques Paraná, dentre outros estabelecidos e amplamente divulgados”. Por último, o Instituto Água e Terra não informou se irá divulgar o tal “documento interno”.
Foto de capa: Observatório de Justiça e Conservação