Negação da Nakba em Israel é vasta e profunda, mostra o novo documentário

Um novo documentário demole a negação oficial do massacre de Tantura, quando mais de 200 palestinos foram executados por uma milícia sionista, dias após o estabelecimento do estado de Israel em 1948.

Sugestão de foto: Restos de uma mesquita nas ruinas de Tantura

Publicado originalmente em Mondo Weiss

Trinta e cinco por quatro metros. Essas são as dimensões da vala comum em que mais de 200 palestinos da aldeia de Tantura foram enterrados, após serem massacrados entre 22 e 23 de maio [de 1948] pela Brigada Alexandroni da Haganah, a milícia sionista judaica, nos primeiros dias do estabelecimento oficial de Israel.

Essas dimensões estão agora documentadas em um novo filme dirigido por Alon Schwarz intitulado “Tantura”, que está sendo apresentado neste final de semana no festival de cinema de Sundance em Utah. O local do massacre é hoje uma praia popular em Israel.

Isso está novamente despertando algumas controvérsias em Israel. Os veteranos da Brigada Alexandroni tentaram silenciar o tema novamente em 2000, depois que tinham testemunhado ao historiador Theodore (Teddy) Katz para sua tese de mestrado, concluída em 1998 e que tinha o massacre como tema central. Seus testemunhos (assim como os dos sobreviventes palestinos) teriam talvez permanecido bem obscuros na biblioteca da Universidade de Haifa se o jornal israelense Ma’ariv não tivesse exposto amplamente o massacre em 2000. Os veteranos processaram Katz por calúnia (cujo valor atualizado seria de U$102 mil), e este, em um momento de fraqueza, sem [a presença] de seu advogado e sob intensa pressão econômica, familiar e sérios problemas de saúde (um AVC recente) assinou uma carta de retratação [previamente] preparada para livrar-se de tudo isso. Ele se arrependeu horas depois, mas era muito tarde – a juíza, que não havia de fato examinado a fundo os testemunhos do trabalho de Katz, declarou que o acordo já estava fechado

Haaretz de 21/01 publicou um artigo sobre o documentário, escrito por Adam Raz e intitulado “Há uma vala comum com palestinos em uma praia popular em Israel, confessam veteranos”. Raz destaca o fato que a juíza, Drora Pilpel, tinha ouvido pela primeira vez alguns dos testemunhos originais obtidos por Katz durante a produção do documentário e disse:

“Se for verdade, é uma pena…Se ele tinha coisas como esta, deveria ter ido [conduzido o caso] até o fim”.

Não é um talvez: Katz tinha “coisas como esta,” 60 horas delas. Não era relevante para que a juíza desse uma olhada nessas coisas antes de encerrar o caso?

Mesmo as testemunhas judias citadas por Katz foram enfáticas.

Yosef Graf, um guia da vizinha Zichron Ya’akov que acompanhava as forças Alexandroni, declarou:

“Eu estou lhe dizendo que esse pessoal [da Alexandroni], eles massacraram.”

Mordechai Sokler, também um guia de Zichron Ya’akov, disse:

“Depois de oito dias, voltei para o lugar em que nós os enterramos, perto da linha férrea. Havia um grande montículo porque os corpos haviam inchado”.

Sokler declarou a Katz que contou 230 corpos.

Quando os veteranos da [Brigada] Alexandroni conseguiram que Katz se retratasse em 2000, estavam exultantes. Em seu site oficial, eles postaram (em Hebraico):

“A história de Tantura – o fim do libelo de sangue [1]

Em janeiro de 2000, um artigo investigativo foi publicado no jornal ‘Maariv’, apresentado por um tal Teddy Katz, que alegava ser um historiador. Sobre um massacre que tinha sido supostamente perpetrado pelos combatentes da Divisão 33 [Alexandroni] contra pessoas indefesas depois da batalha em Tantura. Os combatentes da Brigada partiram para uma batalha jurídica e pública para limpar seu nome e remover a mancha injusta que lhe foi atribuída pelo mencionado ‘historiador’. A seguir, apresentamos um resumo do episódio ao final do qual a verdade sairá à luz”. 

Foi exatamente o oposto – os veteranos estavam tentando ocultar a verdade novamente. O grau de negacionismo entre os veteranos da [Brigada] Alexandroni era escandaloso – chegou a tal ponto que uma testemunha central, o veterano general das Forças de Defesa de Israel, General Shlomo Ambar (1923-2013), fez uma declaração juramentada de que ele e seus colegas não se retratavam sobre o que haviam contado a Katz.

O depoimento original de Ambar é especialmente pesado. Ele de fato reflete sobre suas ações e de seus camaradas [de armas] em comparação com os nazistas e considera que a política nazista em relação aos prisioneiros de guerra era mais favorável que a deles:

“Eu associo [o que ocorreu Tantura] somente com isto: Fui lutar contra os alemães que eram nosso pior inimigo. Mas quando lutamos obedecemos às leis da guerra ditadas a nós pelas normas internacionais. Eles [os alemães] não matavam prisioneiros de guerra. Eles matavam eslavos, mas não prisioneiros de guerra britânicos, nem mesmo prisioneiros de guerra judeus— todos os soldados do exército britânico que foram capturados pelos alemães sobreviveram.”

E agora, no recente documentário, Ambar aparece novamente, desta vez com expressões de negacionismo desconcertante (como citado por Raz no [artigo do] Haaretz):

“O que você quer?” perguntou Shlomo Ambar, que ascendeu ao posto de general-brigadeiro e chefe da Defesa Civil, a antecessora do atual Comando da Frente Interna. “Que eu seja uma alma sensível e fale poeticamente? Eu me afastei. Isso é tudo. Basta.” Ambar, falando no filme, deixou claro que os eventos na aldeia não tinham sido do seu agrado, “mas já que não falei sobre eles à época, não há razão para que fale sobre eles agora.”

No entanto, há testemunhos ainda mais sinceros no documentário:

“Não é bonito dizer isso. Eles os colocaram em um barril e atiraram neles no barril, recordo o sangue no barril.” Um dos soldados fez um resumo dizendo seus camaradas de armas simplesmente não se comportaram como seres humanos na aldeia – e a seguir voltou a ficar em silêncio.

Ou este testemunho:

Outro soldado na Brigada, Micha Vitkon, falou sobre um oficial “que nos anos posteriores se tornou um homem importante no Ministério da Defesa. Com sua pistola, ele matou um árabe após o outro. Ele estava um pouco transtornado, e esse era um sintoma desse transtorno.”

Ou este:

Um dos testemunhos mais sinistros no filme de Schwarz é o de Amitzur Cohen, que falou sobre os primeiros meses como soldado combatente na guerra: “Eu era um assassino, eu não fazia prisioneiros.” Cohen conta que se um esquadrão de soldados árabes estivesse de mãos para o alto ele os mataria a todos. “Quantos árabes eu matei fora do marco das batalhas? Eu não contei. Eu tinha uma metralhadora com 250 balas. Não sei quantos.”

Em essência, todos esses detalhes horripilantes não são novos. Temos dezenas de testemunhos de palestinos, a começar de pouco depois dos massacres. Como este, que foi dado a Teddy Katz por Salih ‘Abd al-Rahman (Abu Mashayiff) de Tantura.

“[Shimshon Mashvitz] concordou [em parar] depois de ter matado 89 pessoas [sozinho]…Ele os matou [com uma submetralhadora Sten]. Eles ficavam perto do muro, com o rosto para o muro, ele vinha por trás e matava a todos, atirando em sua cabeça…Cada grupo com vinte a trinta pessoas. Duas ou três vezes ele recarregou os pentes de balas”.

Ali ‘Abd al-Rahman Dekansh (Abu Fihmi) disse a Katz:

“A pessoa que estava comigo sabia hebraico. Ele escutou quando diziam que eles [os coveiros] terminassem a primeira vala comum, deixem que cavem outra vala e vamos matá-los e colocá-los dentro dela… Seu comunicado militar dizia que tinham matado duzentos e cinquenta. Era um comunicado militar. Foi emitido.” 

Não é importante que tenhamos todas as palavras de forma precisa. Mas essa era a natureza da pedante e obsessiva caça às bruxas que [a Brigada] Alexandroni realizou contra Teddy Katz. Encontraram seis exemplos em que seu texto não era suficientemente preciso, como quando ele escreveu “nazistas” em vez de “alemães” (em relação ao testemunho de Ambar). E a juíza aceitou esse alegado nível de erro, ela não o questionou.

Após o caso judicial e a ridícula e arrogante proclamação de vitória [da Brigada] Alexandroni contra o “libelo de sangue”, a Universidade de Haifa também se uniu à caça às bruxas. Apesar do fato de que Katz tinha alcançado uma das maiores notas imagináveis (97), ela sugeriu que havia inexatidões e que a tese deveria ser corrigida. Katz a corrigiu e de fato a ampliou com mais testemunhos. Dois dos examinadores convocados para a banca, o Dr. Avraham Sela (Universidade Hebraica) e o Dr. Arnon Golan (Universidade de Haifa), atribuíram a Katz [uma nota] 50 e outra, 40. Apesar de ter obtido 85, 83 e 74 dos outros três membros da banca, todas as quais seriam notas para aprovação, a Universidade de Haifa cancelou o seu Mestrado. Sela e Golan são deturpadores completos da Nakba, e até o historiador israelense Benny Morris demonstrou preocupação por sua deturpação e minimização das expulsões em Lydda e Ramleh.

Isso tudo forma parte da vergonha que significa a negação da Nakba por parte de Israel. O professor Ilan Pappe, que tem sido um decidido apoiador de Katz, escreveu ontem no Facebook:

“Em 2007, com a insistência do ministério da educação, tive que renunciar a meu cargo na Universidade de Haifa (apesar do fato de que eu tinha estabilidade); um dos meus ‘crimes foi o de insistir que tinha havido um massacre na aldeia de Tantura em 1948, como exposto pelo meu orientando de mestrado, Teddy Katz. Eu havia feito minha própria pesquisa e declarei categoricamente que este tinha sido um dos mais graves crimes cometidos pelo exército israelense em 1948 – mesmo depois de que Katz, sob intensa pressão e intimidação houvesse se retratado a respeito de suas descobertas.

Não me arrependo por um momento e sou grato que pude continuar a luta contra a negação da Nakba na universidade de Exeter nos últimos 15 anos e ainda tenho esperanças de poder constituir um centro contra a negação da Nakba em Londres.”

O kibutz Nachsholim foi construído sobre Tantura somente três semanas depois que esta sofreu limpeza étnica e a vala comum se tornou um estacionamento. Tantura se chama hoje Nachsholim ou Dor Beach.

Se procurarmos em guias de turismo, a área de Dor Beach parece ser um paraíso. Sol e águas azuis. Mas, sob o paraíso, é realmente um inferno.

Hoje sabemos precisamente onde a vala comum está localizada (por meio da comparação de fotografias aéreas antes de depois do massacre, mostrada no recente documentário). Sabemos seu comprimento e largura: 35 x 4 metros. Quão profunda ela é não sabemos exatamente. E quão profundo é o negacionismo israelense da Nakba? Muito profundo. Há ainda milhões de páginas de relatos israelenses sobre os eventos da Nakba de 1948, que estão censurados e indisponíveis aos olhos do público. Penso que, se os sobreviventes palestinos e seus descendentes considerarem isso aceitável e respeitoso, essa vala comum deve ser aberta e que alguma conclusão pode ser estabelecida dessa forma.

Não que isso irá erradicar o negacionismo israelense da Nakba. Isso é algo que parece estar enterrado sob camadas muito mais espessas do que as areias da praia de Tantura.

NOTA

[1] da T: Analogia com acusações antissemitas em que os judeus eram acusados de assassinar crianças cristãs para utilizar o sangue das vítimas em rituais religiosos.

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