Por Carlos Serrano, BBC.
Albert Einstein enfrentou cálculos extremamente complexos para resolver grandes enigmas do universo.
E, ao mesmo tempo, suportou o feroz ataque de cientistas nazistas que — movidos pela inveja, pela ansiedade de se sentirem atrasados ??diante de novas teorias e inspirados por ideias racistas — tentaram deter a revolução intelectual gerada por um dos mais brilhantes físicos de todo o tempo.
E eles não eram inimigos quaisquer.
Durante anos, dois ganhadores do Nobel de física, Philipp Lenard e Johannes Stark, lideraram uma campanha de descrédito contra Einstein, baseada em uma ciência influenciada pela ideologia nazista.
A estratégia deles era impor uma suposta “física ariana”, em oposição ao que consideravam uma física sequestrada por um, também suposto, “espírito judeu”.
Lenard e Stark recusaram-se a reconhecer as duas teorias mais audaciosas da época, ambas impulsionadas por judeus: a relatividade de Einstein e a mecânica quântica de Niels Bohr.
Tamanha era a raiva de Lenard e Stark, que historiadores afirmam que seus esforços eram comparáveis ??a querer se tornar o “Führer da física”.
Como surgiu o ódio de Lenard e Stark contra Einstein, como foi sua campanha de perseguição e até onde eles foram em seu esforço para impor a “física ariana”?
Um gênio incômodo
Einstein, de origem judaica e cada vez mais reconhecido mundialmente, era muito incômodo para os nazistas.
Além disso, seu sucesso despertou ciúmes em Lenard — também um físico brilhante, mas sem muitos dos atributos que tornavam Einstein especial.
Lenard recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1905 por seu estudo dos raios catódicos.
No entanto, ele tinha “profundidade intelectual limitada e era emocional e imaginativamente atrofiado”, conforme descrição do escritor científico e ex-editor da revista Nature Philip Ball em seu livro Serving the Reich: The Struggle for the Soul of Physics under Hitler (“Servindo ao Reich: a luta pela alma da física sob Hitler”, em tradução livre).
Lenard era um cientista amplamente experimental e, de acordo com Ball, suas habilidades matemáticas não eram suficientes para ele entender ideias ousadas como a relatividade.
Sua incapacidade de entender a relatividade o levou a desqualificá-la como uma teoria,. O fato de ser apoiada pela comunidade acadêmica internacional o fez pensar que se tratava de uma conspiração.
Lenard se agarrou à ideia de que o que agora conhecemos como espaço-tempo era o chamado éter — e qualificou a relatividade como uma “fraude judaica”.
O caso de Stark era semelhante.
Em 1919, ele havia recebido o Prêmio Nobel de Física por descobrir que um campo elétrico causa alterações no espectro da luz, fenômeno conhecido hoje como Efeito Stark.
Stark também era um experimentalista que estava sobrecarregado com a complexidade matemática que a física estava assumindo.
E, como Lenard, ele também era um nacionalista extremista cujas ideias se radicalizaram após a Primeira Guerra Mundial.
Seu nacionalismo era tal que ele entrou em confronto com os oficiais nazistas porque, do seu ponto de vista, eles não eram “nazistas o suficiente”.
Lenard e Stark se juntaram aos nazistas desde antes de o partido tomar o poder.
Ciência racista
Lenard já criticava a relatividade desde 1910, mas foi a partir de 1920 que começou a adicionar elementos racistas aos seus ataques, segundo Ball.
Seu discurso baseava-se no fato de que, enquanto os arianos se apegavam aos dados e ao trabalho experimental, os judeus estavam absortos em especulações abstratas.
“O argumento de Lenard era que qualquer esforço humano, incluindo a ciência, era definido pela raça”, disse Alex Wellerstein, historiador da ciência especializado em história da eugenia, à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).
“Lenard argumentava que raças diferentes tinham uma física diferente.”
Visto que a relatividade e a mecânica quântica incluem fatores como incerteza e relativismo, Lenard viu nessas teorias uma ameaça para uma sociedade bem organizada e um caminho para o caos.
Em contraste, a “física ariana”, que incluía experimentos que estavam em ascensão na Alemanha do século 19, enfatizava verdades tangíveis, em ciência que era aplicada a problemas reais e uma abordagem da realidade estritamente baseada no experimental.
Em geral, os argumentos de Lenard e Stark não continham “críticas substanciais” às ideias de Einstein, explica Wellerstein. Do ponto de vista científico, eram fracas.
O mais generoso que se poderia dizer sobre os argumentos anti-Einstein, diz Wellerstein, é que naquela época vários aspectos de suas teorias não haviam sido concluídos, o que abriu a porta para personagens como Lenard ou Stark oferecerem explicações alternativas, ignorando os aspectos robustos das ideias de Einstein.
Alcance limitado
Em 1931, centenas de filósofos e cientistas participaram de uma publicação contra as ideias de Einstein.
Wellerstein, entretanto, aponta que a “física ariana” realmente não gozava de muita popularidade.
“Não sei de um número exato (de seguidores), mas os relatos que li fazem parecer que era relativamente pequeno”, diz o especialista.
“Você tem que ter em mente que as ideias que Lenard e Stark estavam promovendo não eram muito interessantes do ponto de vista da física funcional. Era a física do passado, não do futuro.”
O que Hitler pensava de tudo isso?
O principal líder nazista estava obviamente ciente sobre Einstein, mundialmente famoso por seu Nobel de 1921 e por ser um dissidente que se recusou a retornar à Alemanha após a ascensão dos nazistas.
Wellerstein, no entanto, diz que não viu muitas evidências de que Hitler considerava a campanha de Lenard e Stark digna de sua atenção pessoal.
“Hitler não precisava de motivos sofisticados para odiar os judeus e suas criações”, diz o historiador.
Como Einstein reagiu?
Em geral, Einstein não estava muito envolvido nos ataques de seus detratores.
Em 1920, entretanto, ele publicou uma carta em resposta a um dos ataques orquestrados de Lenard à relatividade.
“Admiro Lenard como professor de física experimental”, escreveu Einstein. “No entanto, ele ainda não alcançou algo na física teórica, e suas objeções à teoria da relatividade geral são tão superficiais que eu não havia considerado necessário, até agora, respondê-las em detalhes.”
De acordo com Wellerstein, Einstein se afastou dos debates públicos sobre suas teorias e deixou que outros físicos as discutissem.
“Que eu saiba, ele não tentou influenciar os debates dentro da Alemanha nazista, talvez sabendo que a única coisa que faria seria agitá-los”, disse Wellerstein.
O fracasso da “física ariana”
Com o tempo, as ideias de Lenard e Stark foram perdendo força diante do pragmatismo dos oficiais nazistas.
No meio da guerra, esses líderes estavam mais interessados ??em obter resultados, desenvolver armas e tecnologia, do que em discutir interpretação da física.
“Os nazistas nunca adotaram a ‘física ariana’ como parte de sua ideologia oficial”, diz Wellerstein.
“A ‘física ariana’ falhou espetacularmente, porque até mesmo os nazistas tiveram dificuldade em levá-la a sério, especialmente durante a guerra.”
Ball, por sua vez, explica que estava claro para os nazistas que os judeus que propuseram a teoria quântica e a relatividade eram os que realmente conheciam os segredos dos átomos, e que somente eles foram capazes de transformar suas descobertas em aplicações práticas.
Após o fim da guerra, vieram os julgamentos de Nuremberg, em 1945.
Nessa época, Lenard tinha 82 anos e, embora tenha sido brevemente preso e destituído de seu título de professor emérito da Universidade de Heidelberg, ele nunca foi condenado e morreu em 1947, como Ball explica em seu livro.
Stark também foi poupado de uma sentença severa.
Em 1947, foi condenado a quatro anos de trabalho no campo, mas a pena foi suspensa duas vezes e ele morreu sem cumprir a condenação em 1957, aos 83 anos.
Em 2020, a União Astronômica Internacional decidiu que duas crateras na Lua que haviam sido chamadas de Lenard e Stark em homenagem a esses cientistas deveriam deixar de ser chamadas dessa forma.
Há vozes que vão mais longe e pedem que seus respectivos prêmios Nobel sejam retirados.
Enquanto isso, a relatividade geral de Einstein se destaca como uma das teorias mais importantes da física moderna, esperando que alguém a supere com argumentos realmente sólidos.