No último dia 19/11, a Secretária do Interior da Grã-Bretanha, Priti Patel, anunciou em sua conta do Twitter que havia designado o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) como “terrorista”. O que está por trás dessa alegação, que será usada para equiparar “apoio ao Hamas”, “apoio à Gaza”, “apoio à Palestina” ou “apoio ao movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS)” a crimes, é mais uma tentativa para impedir o ativismo pró-palestina e punir o ativismo pacífico e o trabalho humanitário.
Além de hipócrita, a declaração de que o Hamas seria “fundamentalmente e radicalmente antissemita” está em total desacordo com a maioria do povo palestino, que se opõe à ocupação israelense e deu ao Hamas a maioria dos votos nas últimas eleições legislativas, realizadas em 2006, elegendo 74 das 132 cadeiras no parlamento. Se as eleições deste ano não tivessem sido canceladas unilateralmente pelo presidente Mahmoud Abbas, a mando de “Israel”, o Hamas teria vencido mais uma vez.
O povo palestino rejeitou fortemente essa designação e mereceu uma demonstração de solidariedade por parte de todas as organizações políticas e militares palestinas, que se manifestaram em apoio ao Hamas dizendo, em um comunicado, que “O povo palestino e suas forças políticas e nacionais estão unidos em rejeitar e condenar a designação britânica do Hamas como organização terrorista.”
A Grã-Bretanha foi efetivamente quem deu vida ao projeto sionista e continua sendo defensora da ocupação colonial de “Israel” na Palestina. Foi através da famigerada carta do secretário de Assuntos Estrangeiros britânico, James Balfour, ao líder da Federação Sionista da Gra?-Bretanha, Barão Lionel Walter Rothschild, em 1917, que o Império Britânico se declarou favorável ao estabelecimento, na Palestina, de um tal “lar nacional” para os judeus.
Pela responsabilidade assumida no processo de partilha, por meio do Plano de Partilha da Palestina aprovado em 1947, que entregou 52% do território da Palestina Histórica a imigrantes europeus de maneira ilegal e injusta, não é exagero dizer que a Grã-Bretanha é a maior responsável pela catástrofe (Nakba) dos palestinos e é cúmplice do processo sionista de limpeza étnica.
Os britânicos apoiaram fartamente os terroristas das gangues judaicas Haganah, Gangue Stern e Irgun, responsáveis pelo ataque terrorista que explodiu, em 1946, o Hotel King David, em Jerusalém, onde viviam familiares e funcionários do governo britânico, matando 91 pessoas e ferindo 45. O autor intelectual do atentado foi Menachem Begin, que depois ocupou o cargo de primeiro-ministro israelense. Não é por acaso que os sionistas transformaram “Israel” em uma base terrorista contra a nação palestina e os países vizinhos.
Após a partilha, os britânicos entregaram o poder na Palestina aos sionistas, incluindo suas bases militares, veículos, armas e munições, que se somaram aos equipamentos modernos fornecidos pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e pelo Bloco Socialista, por pressão do Partido Comunista de “Israel”.
Em 19 de dezembro de 1947, os dirigentes sionistas e a União Soviética firmaram um acordo para o fornecimento de armamento, ratificado em Nova York entre Moshe Sherlak, representando os sionistas, e o chanceler Andrei Gromyko, pela URSS. O armamento foi entregue a?s mili?cias sionistas pela Checoslováquia, que estava sob ocupação do exército soviético.
A resistência do povo palestino contra a ocupação não é terrorismo, mas um direito exercido com base no Direito Internacional e Humanitário, na Carta das Nações Unidas e em diversas resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU), entre elas as de nº 2.649/1970, 2.787/1971 e 3.103/1974, que reconhecem a legitimidade da luta para resistir dos povos sob domínio colonial e estrangeiro, empregando todos os meios à sua disposição, sejam pedras, fuzis ou foguetes e drones.
A ministra Patel justificou sua ordem de proscrição afirmando que ela é vital para proteger a comunidade judaica do Reino Unido e combater o antissemitismo. Postura essa que é descabida, pois é sabido que o Hamas não tem atividades formais no Reino Unido. Portanto, é difícil acreditar que esse movimento de resistência represente algum tipo de ameaça à comunidade judaica, onde quer que seja. Designar o Hamas como “terrorista” significa efetivamente rotular os palestinos como “terroristas”, o que não faz nenhum sentido.
A acusação de antissemitismo é muito conveniente e útil quando faltam argumentos e como forma de intimidar os críticos de Israel e desviar a atenção dos problemas reais da ocupação. O Hamas afirma categoricamente em seu programa (2017) que sua luta é contra “o projeto sionista, não contra os judeus por causa de sua religião. O Hamas não trava uma luta contra os judeus porque são judeus, mas trava uma luta contra os sionistas que ocupam a Palestina.”
O Hamas não é um “movimento terrorista”, mas um partido político com existência legal, reconhecido pelo povo palestino e internacionalmente. É um componente genuíno e integral do movimento de libertação nacional palestino, não sendo cabível a falsa designação dada pela ministra Priti Patel, uma das defensoras mais fanáticas de Israel no governo britânico.
O lobby sionista pressiona os britânicos porque sabe que a resistência palestina, liderada pelo Hamas, tem registrado muitos progressos políticos e militares, e conquistado apoio internacional, ao mesmo tempo que a ocupação está em declínio perante o mundo, já não conseguindo mais esconder os crimes de genocídio e apartheid cometidos contra palestinos.
Os sionistas pressionam a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e outros países para que sancionem os palestinos porque sabem que o Hamas não mudará de posição em relação à libertação da Palestina e ao status de Jerusalém, como capital palestina e cidade ecumênica da humanidade. Já que quer ser justa, por que a Grã-Bretanha não se posiciona pela punição dos crimes de guerra e contra a humanidade praticados pelos sionistas contra o povo palestino?
A resistência é um direito do qual os palestinos não abrem mão. É um legítimo direito dos palestinos contra a ocupação e as reiteradas violações dos direitos humanos, bem como os crimes de guerra por parte de “Israel”. O povo palestino continuará exercendo esse legítimo direito até que a ocupação sionista terrorista seja expulsa da Palestina.
Sayid Marcos Tenório é historiador e especialista em Relações Internacionais. É vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal) e autor do livro Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência (Anita Garibaldi/Ibraspal, 2019. 412 p). E-mail: [email protected] –Twitter: @HajjSayid
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