As mil facetas de Joséphine Baker, a primeira mulher negra a entrar no Panteão francês

Símbolo da resistência francesa na Segunda Guerra Mundial, a artista e militante antirracista Joséphine Baker será a primeira mulher negra a entrar no Panteão, nesta terça-feira (30). Na cripta do monumento situado no 5º distrito de Paris repousam os restos mortais ou memoriais de personalidades que marcaram a França, como os filósofos Voltaire (1694-1778) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1789) . Apenas cinco mulheres foram homenageadas até hoje, sendo a última delas Simone Veil, em 2018.

Taíssa Stivanin, da RFI

Nascida em 1906 no Missouri, nos Estados Unidos, a intérprete da canção J’ai Deux Amours (Tenho Dois Amores), chegou à França aos 19 anos e ganhou a cena parisiense, se apresentando com os seios à mostra, quase nua, quebrando tabus e ignorando proibições. Como uma verdadeira camaleoa, ela assumiu, durante seus 68 anos, diversas identidades e papéis: artista, espiã e ativista de direitos cívicos. Ao morrer em 1975 em Paris, Joséphine Baker deixou um legado.

A artista franco-americana foi enterrada em Mônaco e seu corpo não será transferido ao Panteão para a cerimônia desta terça-feira. Desde 2013, sua família solicita ao governo francês sua entrada no monumento. O dossiê foi examinado pela primeira vez em junho pelo Palácio do Eliseu e veio acompanhado de uma petição lançada há dois anos, que reuniu 38 mil assinaturas, explicou Brian Bouillon Baker, um dos filhos adotivos de Baker, à RFI. “Estamos todos ansiosos. Nós nos sentimos surpresos, emocionados e orgulhosos, um orgulho que provavelmente nossa mãe também teria sentido, mesmo se, claro, ela nunca tenha reivindicado essa homenagem no Panteão”, disse.

Brian Bouillon Baker também contou que se reuniu secretamente com o presidente francês, Emmanuel Macron, em seu escritório, para conversar sobre o assunto. O chefe de Estado pediu que a entrada de Joséphine Baker fosse mantida em sigilo até agosto deste ano, mas garantiu que ela receberia a homenagem. A razão principal, teria dito Macron, foi o papel da artista franco-americana como espiã durante a resistência nazista e seu engajamento contra o racismo.

Em 28 de abril de 1963, em um dos momentos mais marcantes de sua vida, Joséphine Baker participou da Marcha pelos Direitos Cívicos em Washington, usando seu uniforme das Forças Francesas livres. Ela discursou diante da multidão ao lado de Martin Luther King e Daisy Bates. Joséphine Baker falou da liberdade que tinha na França e os locais que não eram submetidos à segregação racial, vivenciada na época de maneira cotidiana pelos negros americanos.

Joséphine Baker de férias na França com seus fihos, em 25 de agosto de 1964. REPORTERS ASSOCIES/Gamma-Rapho via Getty Images

Em uma rara gravação do Instituto Nacional do Audiovisual francês (INA), dos anos 1970, a cantora contou como foi sua chegada à França. “Um dia, em setembro, eu deixei a América do Norte. O tempo estava nublado. Cheguei a Paris com o sol da França dentro do coração. Sabia que na França teria liberdade de corpo e de espírito”, declarou.

O presidente francês, Emmanuel Macron, conta o filho da cantora, também é um fã de sua música, mas a decisão de homenageá-la no Panteão se deve principalmente à sua atuação no período da Resistência. “O mais importante foi sua ação e seu papel durante a Segunda Guerra Mundial”, declara.

Joséphine Baker arriscou a vida pela França. Em setembro de 1939, ela se tornou agente de contraespionagem e, em 1940, se engajou no serviço secreto da França Livre, o serviço de resistência criado em Londres pelo general Charles de Gaulle após o histórico apelo de 18 de junho do mesmo ano. Em 1945, a artista franco-americana se mudou para o Marrocos, onde apoiou as tropas americanas e aliadas na região, obtendo informações estratégicas privilegiadas.

Joséphine Baker recebe a legião de honra das mãos do general Vallin, ex-comandante das forças áereas francesas livres, em 1961, em seu castelo em Milandes, no sudoeste da França. © Keystone-France/Gamma-Keystone via Getty Images

Doze filhos adotivos

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, Joséphine Baker e seu marido, o compositor Jo Bouillon, descobriram que não podiam ter filhos. Eles então decidiram adotar 12 crianças, de diferentes partes do mundo. A família vivia no castelo de Milandes, em Dordogne, no sudoeste da França, alugado desde 1937. No local, ela desenvolveu um complexo turístico vanguardista que batizou de “Vilarejo do Mundo.” Em 1956, Joséphine Baker se despediu dos palcos para se dedicar à família, mas o “adeus de verdade” só aconteceria em 1959.

Em 1966, Joséphine Baker foi para Dakar participar como convidada do primeiro festival de Artes da Cultura Negra em Dakar. Em seus discursos, ela promoveu a união dos povos e a fraternidade e não perdeu a ocasião de falar sobre seus filhos de diferentes origens e etnias, que ela chamava de “tribo do arco-íris”.

Seis anos depois de chegar a Paris, Joséphine Baker já era uma celebridade Gamma-Keystone via Getty Images – Keystone-France

Artista, espiã, resistente, ativista. As múltiplas facetas de Joséphine Baker inspiram artistas do mundo todo, inclusive brasileiros. A atriz brasileira Aline de Luna está em Paris com o espetáculo “Joséphine Baker, a Vênus negra” e conversou com a RFI Brasil sobre como é incorporar o mito. “Estar em Paris, nesse lugar onde ela se sentiu acolhida dessa maneira e onde ela se tornou a estrela que ela, foi já é uma emoção incrível, além de poder fazer esse espetáculo aqui e perto dessa cerimônia que acontecerá no Panteão que é a entrada dessa mulher estrangeira, negra, dos Estados Unidos, sobrevivente. É incrível, e faremos a apresentação toda em francês, na língua dela.”

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