Por Daniel Giovanaz, do Brasil de Fato.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, decidiu por unanimidade, nesta quinta-feira (11), liberar a venda de farinha com trigo transgênico HB4, produzido na Argentina.
Este será o primeiro produto com trigo geneticamente modificado comercializado no mundo.
O pedido de aprovação foi apresentado pela empresa Tropical Melhoramento & Genética (TMG), que pediu permissão para importar o trigo transgênico desenvolvido pela argentina Bioceres em parceria com a francesa Florimond Desprez. Foram dois anos e oito meses de embate até a aprovação.
Tolerante à seca e resistente ao veneno glufosinato de amônio, a variedade HB4 foi liberada sob o argumento do “aumento de produtividade em situações e ambientes de baixa disponibilidade hídrica, (…) para uso exclusivo em alimentos, rações ou produtos derivados ou processados.”
A Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) se posicionou contra a liberação da tecnologia. Entidades como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida e o Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) enviaram ofício ao Ministério Público Federal (MPF) criticando a falta de transparência no processo de avaliação na CTNBio. [Contiua após o vídeo.]
Veja também:
Riscos
Segundo essas organizações, as consequências do consumo humano do trigo transgênico e dos agrotóxicos utilizados em seu cultivo podem ser catastróficas.
Uma vez aprovado, o trigo transgênico é considerado um caminho sem volta – assim como já aconteceu com o milho, a soja e o algodão.
“A possibilidade de que o trigo transgênico contamine as outras variedades de trigo é quase inevitável”, explicou a bióloga Alicia Massarini, integrante do coletivo de cientistas contrários ao HB4, do coletivo Trigo Limpio, em entrevista recente ao Brasil de Fato.
“É impossível que as sementes não se misturem no processo de armazenamento e transporte. No campo também, porque, mesmo que o trigo seja uma planta autógama, que fecunda a si mesma, uma pequena proporção de cerca de 3% pode experimentar polinização cruzada”, acrescentou a pesquisadora, lembrando que o Brasil não fez uma análise de riscos adequada e confiou “cegamente” nos critérios adotados pela Argentina.
A Abitrigo estima que cada brasileiro consuma, em média, mais de 40 quilos do grão ao ano, por meio de alimentos como pão e massas.
“O glufosinato de amônio, presente nos agrotóxicos utilizados no cultivo do trigo transgênico, pode causar alguns tipos de câncer. Também pode afetar o sistema reprodutivo, e é neurotóxico. Muitos riscos para um produto tão importante na alimentação humana”, afirmou ao Brasil de Fato o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio entre 2008 e 2014 e colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) classifica o glufosinato de amônio como 15 vezes mais tóxico do que o glifosato, que já é alvo de ações na Justiça dos Estados Unidos por causar câncer.
A modificação genética no trigo é realizada exatamente para tornar a planta resistente ao produto, proibido na Europa e na maioria dos países desenvolvidos.
Além dos riscos do agrotóxico, a própria condição do HB4 como produto transgênico não está isenta de riscos à saúde humana. Em nota publicada em setembro, ex-integrantes da CTNBio ressaltaram que não há consenso científico sobre a segurança dos transgênicos.
A aprovação do trigo geneticamente modificado na Comissão terá impactos diretos na Argentina. O aval do Brasil é condicionante para a liberação da comercialização no país vizinho, autorizada no ano passado. O Brasil é responsável pela compra de 50% do trigo exportado pelos argentinos.
Edição: Vinícius Segalla