Entre 1964 e 1985, casas eram cedidas por civis para operações do regime militar. A Comissão da Verdade identificou pelo menos sete desses locais e acredita que outros ainda possam ser localizados. Palco de tortura e assassinato, eram centros clandestinos, para onde eram levados opositores cujo paradeiro não queriam que fosse descoberto.
Um desses locais ficou conhecido como “Casa da Morte”. A casa pertencia ao alemão Ricardo Lodders e foi cedida por seu filho, Mário Lodders, ao general do Centro de Informações do Exército (CIE) José Luiz Coelho Neto. Localizada em Petrópolis, na Rua Arthur Barbosa, nº 668, no bairro Caxambu, ela foi o destino de 22 pessoas dadas como “desaparecidas”, mas foi descoberta por causa do depoimento da única sobrevivente que conseguiu sair de lá.
Inês Etienne Romeu foi detida em 1971 e permaneceu presa na Casa da Morte por três meses. Só saiu viva de lá porque conseguiu enganar seus torturadores e fingir que passaria a colaborar com o regime.
Etienne memorizou os nomes das pessoas que estiveram presas junto com ela, dos torturadores, o número de telefone da casa e a sua planta. O local tinha três quartos, sala, banheiro e garagem subterrânea.
Inês Etienne Romeu integrava a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e foi acusada de integrar o grupo que participou do sequestro do então embaixador suíço, Giovanni Bucher, em dezembro de 1970.
Nesse local, ela sofreu as mais variadas torturas físicas e psicológicas, foi estuprada, era obrigada a limpar a cozinha nua, enquanto era observada por seus torturadores, sofria ameaças diárias e viu outros prisioneiros serem mortos e torturados.
Ao sair da Casa da Morte, ela estava extremamente debilitada, passou por duas internações psiquiátricas e depois foi presa pelo sequestro do embaixador. Em 1979, conseguiu a sua liberdade condicional e ajudou a localizar a casa onde ficou presa e torturada e a identificar o tenente-médico Amílcar Lobo, que participava das sessões de tortura e era o responsável por verificar se os presos tinham condições de suportar as sessões de tortura e confirmar a morte daqueles que não resistiam.
A Casa da Morte foi criada para exterminar os últimos dirigentes de organizações que combatiam a ditadura. Membros da Ação Libertadora Nacional (ALN), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) foram mortos em seu interior. O objetivo era eliminar os indesejáveis sem deixar rastros.
Inês foi a única sobrevivente e graças a ela foi possível resgatar a história dos horrores que aconteceram naquele local, identificar torturadores e denunciar os crimes cometidos dentro daquela casa isolada de Petrópolis.
Inês Etienne Romeu se tornou um dos símbolos da luta contra a ditadura e a Casa da Morte entrou para a história como mais um lugar onde atrocidades foram cometidas contra quem se opunha ao regime. Em 1979, ao falar sobre o período em que esteve presa, seja na Casa da Morte ou no Presídio Talavera Bruce, Inês disse o seguinte: “Eu não digo que resisti. Eles me quebraram. Durante esses oito anos, eu me senti num processo de colar os pedaços, os meus pedaços. Quer dizer, é claro que a gente nunca vai ser o mesmo vaso”.
Mesmo quebrada, ela conseguiu juntar os cacos e lutar para que os seus algozes fossem punidos. Ela morreu em 2015, mas deixou seu nome registrado na história ao revelar a localização da Casa da Morte e apontar seus torturadores.
Referências:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55492932
http://memorialdademocracia.com.br/card/doi-mantem-casa-da-morte-em-petropolis
NAPOLITANO, Marcos. “1964: história do regime militar brasileiro”. São Paulo: Contexto, 2014.
https://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/08/politica/1396915292_036457.html