Alternativa controversa: Bolsonaro quer multiplicar o número de usinas nucleares pelo país

Apesar dos riscos e problemas, Governo Federal elege opção para combater crise energética

Imagem série “O Brasil Nuclear de Bolsonaro” – Brasil de Fato com imagem de Daniel Ramalho / AFP
Por Thales Schmidt, do Brasil de Fato.

Jair Bolsonaro (sem partido) planeja fazer investimentos bilionários em um setor marcado por conflitos ambientais: a energia nuclear. Documentos oficiais apontam que o Governo Federal pretende expandir o número de usinas e abrir o setor para a iniciativa privada. Embora defendida como uma medida ambientalmente sustentável, a cadeia da energia nuclear no Brasil tem um histórico marcado por um rastro de contaminação e acidentes.

Elaborado pelo Ministério de Minas e Energia, o Plano Nacional de Energia 2050 (PNE) estabelece diretrizes de longo prazo para o setor energético do país. O documento destaca que o Brasil, mesmo tendo sofrido com a falta de energia, com os choques de petróleo das décadas de 1970 e o apagão de 2001, pode alcançar um cenário futuro em que oferte energia ao mercado.

Para isso, a energia nuclear é apontada como ferramenta para o “abatimento de emissões de gases de efeito estufa” e “transição energética”. O PNE 2050 fala em 10 gigawatts (GW) em novas usinas nucleares até 2050, o que pode significar cerca de 10 novas usinas.

Outro documento, o Plano Decenal de Expansão de Energia 2029. também mostra as ambições atômicas do Ministério de Minas e Energia. O texto afirma que a energia nuclear não emite gases do efeito estufa e que o Brasil detém a sexta maior reserva global de urânio.

“A Eletronuclear, em conjunto com a COPPE/ UFRJ desenvolveu no passado um extenso estudo abrangendo todo o território nacional, que identificou 40 grandes áreas  tecnicamente propícias para a instalação de novas centrais nucleares”, diz o Plano Decenal de Expansão de Energia 2029.


Cidades de interesse da atividade nuclear brasileira / Infográfico: Brasil de Fato

Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, contudo, destacam que é preciso considerar os riscos ambientais contidos em todo o ciclo da energia nuclear, desde a mineração do urânio, elemento químico radioativo usado como combustível das usinas, e questionam o rótulo de energia neutra em carbono do setor nuclear.

“O que os defensores da energia nuclear preconizam é que a energia nuclear é limpa porque não emite gases do efeito estufa. Eu queria dizer, em primeiro lugar, que não existe energia limpa, toda energia é obtida através de processos físicos e químicos de conversão que sempre resultam em degradação ao ambiente, e por conseguinte, da sociedade, em maior ou menor escala dependendo da fonte de energia. Na verdade, a única energia que pode ser considerada limpa é a energia que não é consumida”, afirma o professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP) Célio Bermann.

A classificação da energia nuclear é uma discussão travada hoje pelos gestores de políticas públicas. A União Europeia adiou a decisão sobre como classificá-la e deixou suspensa a possibilidade de novas usinas nucleares receberem o selo “verde” e, portanto, terem maiores facilidades na hora de acessar um fundo de 250 bilhões de euros do bloco (mais de R$ 1,6 trilhão).

Enquanto a França é a maior economia de um grupo de países que aposta e defende a implantação de novas usinas nucleares, a Alemanha decidiu, após o desastre de Fukushima (Japão), em 2011, desativar todas suas usinas nucleares. O assunto ganha outra camada de complexidade porque a Europa atravessa uma crise energética, com a disparada do preço do gás natural, e com a conferência climática COP26.

Investimentos bilionários e iniciativa privada

Doutor em energia nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e professor da USP, Ildo Sauer avalia que há defensores da opção nuclear por motivações genuínas, mas também advogados do setor por “interesses comerciais e econômicos”. Como exemplo, ele cita as cifras bilionárias previstas para a construção de Angra 3.

A construção de uma terceira usina nuclear no Brasil se arrasta desde 1981 e foi prevista até mesmo no Plano Nacional de Energia 2030 (PNE), lançado em 2007. Com um custo estimado em mais de R$ 17 bilhões, o governo Bolsonaro quer retomar Angra 3 com um projeto de parceria-público privada que ganhou espaço com a privatização da Eletrobras.

Em 2019, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, estimou em R$ 15,5 bilhões os investimentos públicos do Brasil em energia nuclear para os próximos anos.

Embora a Constituição estabeleça no Artigo 21 que compete à União “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados”, o Governo Federal tem trabalhado para expandir a participação de empresas privadas no setor.

A Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal responsável pela mineração de urânio no Brasil, afirma em seu relatório anual de 2020 que tem como objetivo “viabilizar modelos de parceria com o capital privado” e busca “flexibilidade operacional” para possivelmente vender o combustível nuclear no futuro.

O Plano Nacional de Energia 2050 (PNE) também defende “aprimorar o marco regulatório associado à energia nuclear, passando pela flexibilização do monopólio da União, pela estrutura organizacional do setor e pela sua regulamentação”. O documento defende a elaboração de um “plano de comunicação” para destacar as “melhorias” da segurança de usinas nucleares.

A atuação das empresas estatais da área no Brasil, contudo, é marcada por problemas de segurança e conflitos ambientais. A mineração de urânio da INB em Caetité, cidade do interior da Bahia, já registrou mais de 10 acidentes, entre eles o vazamento de materiais tóxicos e a contaminação de trabalhadores, afirma a Fiocruz. De acordo com artigo científico, a cidade de 50 mil habitantes tem índices de câncer acima da média na comparação com o Estado e o Brasil. O estudo afirma que a mineração do material radioativo no município pode ter ligação com os índices de câncer.

Os conflitos ambientais do ciclo nuclear no Brasil serão abordados em futuras reportagens do Brasil de Fato.

Para o professor da USP Célio Bermann, a INB tem hoje “um passivo extremamente significativo e que permanece dessa forma sem que haja forma de se redefinir e se aumentar a segurança nas suas atividades”.

Ildo Sauer destaca que a discussão sobre energia nuclear não deve ser “demonizada” e que ela pode ser uma alternativa, mas que o Brasil sequer conhece seu potencial elétrico de fonte eólica ou solar.

“Se o dinheiro que eles querem usar para concluir Angra 3 fosse usado para fazer combinação de eólico e fotovoltaica [solar], nós produziríamos entre 1,5 vezes a até o dobro do que a energia que Angra III vai produzir e não deixaríamos como herança para as gerações futuras cerca de mil toneladas de elementos radioativos”, diz Sauer. “Há países em que a opção nuclear permanece, em termos de custo e em termos de avaliação ambiental, como uma alternativa. Definitivamente esse não é o caso brasileiro.”

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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