Manifestações de 7 do setembro são parte do projeto militar

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Por Marcel Coelho

Se as manifestações do dia 7 de setembro suscitaram mais dúvidas que conclusões em quem as acompanhou, alcançaram o resultado esperado por quem as planejou.

É muitíssimo improvável que as consequências práticas das manifestações não tenham sido previstas por Bolsonaro e asseclas. Por mais irracional que Bolsonaro transpareça ser. E de facto, maioria das vezes o é. A racionalidade do método de Bolsonaro não está em frases como as proferidas ontem: “ou o chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”.

Bolsonaro e seus ministros sabiam bem que o risco de sofrer um processo de impeachment cresceria de forma exponencial com os atos. Também sabiam que prejudicaria a governabilidade.

Bolsonaro é tão incontrolável como se supõe?

Para a compreensão da atual coalizão de forças e seus atores é condição o conhecimento de sua trajetória.

Bolsonaro nunca foi um projeto das elites econômicas; quem o projetou?

A maioria das oligarquias nacionais fecharam apoio à candidatura de Geraldo Alckmin nas eleições de 2018. Vergaram-se à Bolsonaro somente quando diante da fatídica escolha entre o comandante e Haddad.  A identificação dos ocupantes do governo Bolsonaro leva a quem arquitetou sua candidatura.

São 6.157 militares empregados na atual gestão. Dois terços dos oficiais de alta patente quando não ocupando cargos de confiança estão intermediando negócios com a iniciativa privada. A quase totalidade do Estado-maior do Exército de 2016 faz parte do poder central do governo Bolsonaro. Seu então chefe, Sérgio Etchegoyen, de lá, foi direto ao Gabinete de Segurança Institucional da gestão Temer, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A geração de militares que hoje preenche os mais importantes gabinetes de Brasília é aquela formada nos anos 70. Embebida de valores da guerra fria, formação ideológica anticomunista, moral conservadora associada ao ultraliberalismo econômico. A geração setentista ganhou protagonismo com a MINUSTAH e o frequente uso das forças como instrumento último para crises de segurança pública. O descontentamento com a Comissão da Verdade implantada pelo governo Dilma, além do alinhamento internacional brasileiro nas gestões petistas, foram o tempero adicional para estimular a organização dos que hoje governam o Brasil.

Não é Bolsonaro quem governa o Brasil!

Bolsonaro é um projeto que se iniciou formalmente após a vitória do segundo mandato da presidente Dilma. O lançamento da sua candidatura ocorreu em uma formatura da Aman em 2014 sob a concordância de generais. Antes, Bolsonaro era apenas um espantalho. Após, passa a ser um espantalho instrumentalizado.

“General Villas Bôas, o que já conversamos ficará entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”. Disse recentemente o capitão Bolsonaro.

O cenário aponta para que o comportamento de Bolsonaro — vezes suicida, vezes incompreensível — faça parte de uma estratégia alicerçada em fundamentos de guerra híbrida. Percebe-se um descolamento da cúpula militar à medida que Bolsonaro radicaliza suas ações e discursos. A demissão do comando das Forças Armadas e a roupagem moderada do general Mourão e Santos Cruz são aberturas de alternativas à continuidade do poder.

General Santos Cruz moderado?

Relembre uma declaração suave do hoje moderado general:

“Estamos às vésperas das eleições presidenciais. Essa eleição é uma esperança para o Brasil. O PT, o PCdoB, o presidiário Lula, o criminoso quadrilheiro José Dirceu e outros representam a ditadura, o fascismo, o nazismo, o racismo, o comunismo. Eles representam o que a humanidade já produziu de pior politicamente”.

A geração de generais associadas ao capitão foram peças centrais e estiveram associados à Lava Jato, manutenção da prisão de Lula, estabilidade de Temer e empacotamento de Bolsonaro.

Custa crer que esse grupo militar aceitará o afastamento do poder após ter se apropriado até de suas raízes. A radicalização de Bolsonaro é prelúdio de uma transição em prol da manutenção dos atores que o forjaram.

Como se tentará a manutenção?

Trata-se da pergunta fundamental a ser respondida. Bolsonaro é apenas um títere de um oficialato fiador do golpe de estado de 2016. Será descartado. A tentativa de continuidade deste projeto liberal, conservador, com tempero verde-oliva pode acontecer com Mourão ou através de um pacto com a chamada terceira via. Por coincidência, dia 7 de julho ocorreu uma reunião entre Eduardo Leite e o comandante do Exército.

O que não parece crível é a versão de que Bolsonaro é apenas um maluco rumando ao suicídio político sob o olhar sereno dos generais.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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