Quatro fatores que tornam a tarifa de energia brasileira a segunda mais cara do mundo

Diante de um cenário inflacionário que parece descontrolado, Aneel deve anunciar novos aumentos na tarifa nos próximos dias

Foto: Agência Brasil.

Coletivo de Comunicação MAB MG.

Na última semana, o ministro da Economia Paulo Guedes questionou “qual o problema se energia brasileira ficar mais cara”, minimizando a gravidade do aumento de 52% na bandeira tarifária. A previsão é de novos reajustes nos próximos dias com manutenção da bandeira vermelha.

A tarifa residencial do Brasil é a segunda mais cara do mundo, atrás apenas da Alemanha, de acordo como último balanço da Agência Internacional de Energia – EIA (International Energy Angency). Contraditoriamente a principal fonte de energia do país, a hidroeletricidade, é abundante e barata de se produzir, já que a água é gratuita.

A título de comparação, o balanço mostra que a tarifa de luz da província de Quebec, no Canadá, que tem uma matriz energética muito parecida com a nacional, é de R$ 350 por 1.000kWh, enquanto o consumidor do Brasil paga R$ 805.

“O preço extraordinário da luz causa um impacto desproporcional no orçamento da parcela mais pobre da sociedade, agravando a situação de insegurança alimentar, que cresce durante a pandemia de Covid-19”, afirma Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Ele explica que, em alguns casos, as famílias perdem o acesso à energia por não conseguirem mais pagar a conta. Além disso, o custo da eletricidade desacelera os investimentos da indústria e impacta a recuperação econômica do país, que está com a taxa de desemprego na ordem de 15% da população economicamente ativa.

O setor elétrico tem justificado os sucessivos aumentos na conta de energia com a chamada crise hídrica, tentando atribuir a responsabilidade dos tarifaços a São Pedro. Enquanto isso, especialistas questionam as estatísticas usadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e apontam outros fatores que elevam o custo da energia no Brasil. Conheça a seguir quatro deles:

1 – Privatizações do setor elétrico

No final dos anos 90, o governo brasileiro promoveu uma grande reforma liberal no setor elétrico com a privatização de importantes companhias do segmento. Hoje, cerca de 60% dos ativos de energia elétrica no Brasil já foram vendidos. 82% da distribuição de energia já é operada por empresas privadas e 40% das linhas de transmissão são privadas.  O argumento no início das privatizações era de que elas tornariam o setor mais “competitivo” e eficiente, barateando as tarifas.

O resultado dessa operação, porém, foi oposto do prometido para a população. Na prática, quando empresas privadas começaram a vender energia a preços de mercado para as distribuidoras, houve sucessivos aumentos acima da inflação na tarifa final de luz.

Além disso, a iniciativa privada pouco investiu no setor. Durante as duas décadas desse modelo mercantil, houve três grandes crises de oferta de energia com apagões em 2001, 2015 e 2021, obrigando o governo a continuar a financiar a expansão do sistema elétrico com recursos públicos.

No cenário atual, com mais privatização, a expectativa é de mais aumentos na conta de energia. Com a venda da Eletrobras, que foi aprovada pelo Congresso Nacional no último mês de junho, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) estima um custo adicional de R$ 400 bilhões aos consumidores ao longo dos próximos 30 anos.

A previsão é feita a partir da constatação de que as companhias privadas praticam preços mais caros do que as companhias estatais que já tiveram os custos da construção das suas usinas amortizados (financiados com dinheiro público). A Eletrobras, por exemplo, hoje vende 1.000 kWh de energia por R$ 65 para as distribuidoras, enquanto companhias privadas vendem os mesmos 1.000kwh por cerca de R$ 300, de acordo com notas técnicas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

2 – Alta lucratividade para os acionistas

Os elevados preços que são cobrados dos consumidores brasileiros na conta de energia financiam a altíssima rentabilidade das companhias do setor elétrico. De acordo com Gilberto Cervinski, os 15 grupos que são proprietários das usinas, linhas de transmissão e distribuição de energia no Brasil tiveram um lucro líquido de R$ 85,6 bilhões entre os anos 2015 e 2019.

Mesmo durante a crise do Covid-19, o setor segue maximizando os lucros dos acionistas, conforme explica Gustavo Teixeira, economista e assessor do Coletivo Nacional dos Eletricitários. “Em 2020, as empresas do setor distribuíram R$ 14 bilhões em dividendos. Ou seja, mesmo em um momento de crise, a energia cara transfere renda de brasileiros, sobretudo dos mais pobres, para sócios de multinacionais, grandes investidores institucionais”, declarou Teixeira durante audiência pública sobre o preço da energia, que aconteceu na Câmara dos Deputados neste mês. No último ano, o setor elétrico foi o segundo mais lucrativo do país, perdendo apenas para os bancos.

3 – Subsídios para setores como o agronegócio e a mineração

Um importante componente da conta de energia são os “encargos”, nos quais se inserem não apenas os tributos, mas também os subsídios que governo oferece para alguns setores da sociedade. A questão é que, ao contrário do que se pode imaginar, a maior parte destes subsídios não são dedicados à população de baixa renda e sim aos chamados “setores estratégicos”. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), 38% dos subsídios de energia são destinados a atividades rurais e de irrigação, o que contempla especialmente o agronegócio. Isso quer dizer que a população banca, através da conta de luz, parte dos custos das grandes corporações internacionais que atuam no setor agrícola.

Outro setor que também é beneficiado com os subsídios é o da mineração, que exporta produtos de baixo valor agregado, como ferro e alumínio, e deixa um rastro de destruição nos territórios de onde extrai riquezas.

4 – Aumentos abusivos legitimados pelo discurso da seca

Embora representantes do setor de energia aleguem que o Brasil vive a pior crise hídrica das últimas décadas, Vicente Andreu, estatístico pela Unicamp e ex-presidente da Agência Nacional das Águas (ANA), alega que os dados usados não são confirmados pelos institutos de clima e meteorologia do país. “Afirmar que esta é a pior seca do país em 91 anos é falsificação estatística. O que existe é uma operação intencional que produz artificialmente essa situação de escassez de água nos reservatórios”, afirmou o especialista durante audiência na Câmara dos Deputados.

Vicente afirma que, na verdade a atual crise hídrica está localizada na Bacia do Rio Paraná, que, de fato, é muito importante para o setor elétrico. Segundo o estatístico, porém, a situação dos reservatórios das usinas hidrelétricas chega ao limite porque outras matrizes de energia (como a térmica ou a eólica) não foram ativadas antes de se chegar ao cenário extremo que estamos vivendo nas usinas.

“Essa situação acontece justamente porque os reservatórios esvaziados justificam uma explosão da tarifa com a bandeira vermelha, o que garante lucros muito interessante para o setor”, afirma Andreu.

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