Por Flávio Carvalho, para Desacato.info.
“Amar e mudar as coisas me interessa mais” (Belchior).
“Bolsonaro tem muito boas intenções” (Roberto Carlos).
Essa história de Cancelamento, pra mim é mais simples do que tudo.
Funciona mais ou menos assim, sem muitas complicações.
O mundo é tão grande e tão cheio de artistas, e tem tanta arte pra apreciar e tanta música pra escutar (e livros pra ler, e filmes pra ver, e etc.) que eu não perderei nunca mais meu tempo em, por exemplo, escutar música de artista que me traz triste lembrança.
Nessas horas eu sou muito Ariano Suassuna: assim como não há música popular e erudita (separadamente), só existem dois tipos de arte. A Boa e a Ruim. Quem define o que é uma coisa ou outra? Quem define o que é bom ou ruim? Eu. E o meu gosto – inseparáveis, nós, sim! Gosto esse (ou Desgosto) que você pode até considerar bom ou ruim, mas a palavra básica que se impõe a tudo isso é uma que os fascistas desconhecem ou detestam: Respeito. Respeito ao que eu sinto. Portanto, ao meu… Sentimento!
Sentimento bom ou sentimento ruim? Não importa. Sentimento é algo de mim para mim. Claro que terá a ver ou, não, com a forma como eu me relaciono com você. E com o meu mundo (atenção para o pronome possessivo Meu). Mas não caberá jamais questionamento externo sobre o que eu sinto. A partir do que eu sinto, haverá Simpatia ou Antipatia. Mas o que importa é a Empatia, como capacidade humana.
Simpatizar é gostar de algo. Antipatizar é o contrário, o não gostar. Empatizar é ir mais além, colocando-se no meu lugar, ao sentir o que eu sinto. Entre simpatizar ou antipatizar até cabe sua opção (que pode ser gradual, entre gostar ou não). Empatizar, por outro lado, é questão absoluta, de decisão, de sim ou não. Por isso vai mais além, tornando-se uma questão de sentimento. Empatia é questão do sentir, como valor absoluto. Gostar ou não, por sua vez, é algo relativo.
Eu posso gostar mais ou menos ou não gostar completamente do que você gosta, em resumo. Posso até expressar ou guardar isso pra mim. Uma coisa ou outra. Já empatizar é uma coisa que eu não posso dar a ninguém se eu não quiser dar, podendo guardar isso somente pra mim. Ou ser generoso, quando empatizo e compartilhar com alguém. A decisão é minha e de mais ninguém.
Psicologismo puro? Não. Isto define a forma com que cada pessoa escolhe relacionar-se com o Seu Mundo, a partir de si mesmo. Lembrando que o Mundo é Mundo mesmo sem você existir. Mas estamos tratando aqui da forma como Você se relaciona com o mundo, tornando-o responsabilidade sua, e, portanto, sendo um Mundo Seu. Daí, entraremos na capacidade de mentir ou não, para si ou para quem…
Mesmo que determinados artistas tenham ganhado a minha preciosa admiração em momentos da minha vida, podem igualmente perdê-la: por posicionamento político (como apoiar alguém que já havia falado todas as merdas que havia dito – como Roberto Carlos apoiando Bolsonazi); por omissão, diante da gravíssima crise social que estamos atravessando (como Ivete Sangalo, em relação a Bolsonazi); ou por intolerância, de qualquer tipo (como um artista – que nunca me chamou mais atenção do que lamentavelmente conseguiu chamar-me hoje – como o também fascista Sergio Reis).
Para nossa sorte, um filósofo chamado Popper tornou famoso o seu Teorema, anos e anos atrás: ao intolerante, somente há uma maneira de agir, que é sendo intolerante com os intolerantes. O resto é conversa fiada. Esse é o Teorema da Intolerância.
A solução passa, portanto, PARA MIM, pela minha emoção: se me traz bons sentimentos, o que me permite continuar tentando ser melhor pessoa, é coisa muito boa. Senão… Não!
O MEU Mundo e Eu (eu mesmo) somos, felizmente, pessoas muito bem conectadas.
Se você não tem boa conexão com o SEU Mundo, lamento. Mas, o problema é SEU.
Resumo da história. Seguiremos assim, pra concluir.
Se você quer seguir escutando O Rei da MPB, como muitos chamam Roberto Carlos, mesmo ele tendo apoiado abertamente um fascista (quando ele pode até nem saber o que é fascismo, mas não poderá jamais dizer que ele, Roberto, não escutou o fascista que ele apoia dizer as barbaridades e cometer as atrocidades que já havia feito), sim, o problema é seu. Eu posso não gostar do que você gosta. E deixamos aí.
E os Detalhes (muito importantes) é que eu poderia, se eu quisesse, seguir escutando as músicas antigas de Roberto Carlos. Basta eu gostar e – isso é ainda mais importante – eu sentir-me bem, gostando das suas músicas. Isso aí quem define sou eu. Entendeu?
Agoooooora, que fique bem claro, um último par de coisas:
Jamais tente me obrigar a gostar do que você gosta. Ou me impedir, por censura, de chegar a algo que você não gosta – como extremo oposto. E a terceira medida é jamais pense que pode dizer tudo o que você quiser, sem limites, com base na defesa da (muito interessante para todos nós) liberdade de expressão. Pois eu posso ser intolerante com a sua intolerância, como já foi dito, para o nosso próprio bem – em comum. Pois eu não devo querer para você o que eu não quero para mim.
Só não diga que você não tem toda a informação, como tentam fazer os supostos arrependidos de terem apoiado o fascista. E que o artista que você gosta também não tinha toda a informação, antes de apoiar o fascista. Isso não se pode negar.
Apoiar ou não apoiar um determinado fascista, em qualquer etapa da sua vida, mesmo alegando que nem você nem ele saibam o que é o fascismo é um ato de cuidado ou de descuido (nem tanto com o Mundo; que também), mas com você mesmo e com a vida. Ou pior, com a morte que ele faz da vida de muitas pessoas, como as que mais gostamos ou não. A partir daqui o preço que se paga (ainda em vida, sem subterfúgios morais nem religiosos) é seu e somente seu. Mas a vida dos outros – e a morte, principalmente – te cobrará mais que o respeito. Portanto, muito cuidado com o SEU descuido.
E não adianta “se fazer de desentendido”. Tanto ele, Bolsonazi, Roberto, Ivete ou Sergio Reis, sabiam o que estava fazendo, quanto agora VOCÊ também já não podem negar-se ao erro que o artista que Você Gosta cometeu. A partir disso, da informação que já possuímos, você, ele e eu decidimos. Mas, Sempre sem Hipocrisia.
E, por último, eu posso dizer que seguirei apreciando a arte, a música, o filme, o livro que eu gosto. Claro, pois é o meu direito. E como resultado, o meu controle de qualidade fala mais alto. Aqui entra o meu dever: Eu decido o que é bom ou ruim, pra mim. Vou logo avisando que o preço, atualmente, ficou Muito Mais Alto. Cidadania é isso: a relação entre direitos e deveres. Quem decide o grau como isso se relaciona sou eu.
A música pode ser linda, de excelente qualidade, e até mesmo ter me emocionado alguma vez na vida. Mas se não for capaz de passar pelos meus critérios antifascistas (se na hora de eu botar na balança, o sentimento que me transmite e a emoção que me rejeita, seja ela machista, racista, homófoba, fundamentalista, ou qualquer uma dessas merdas que configuram o fascista), então, NAO PASSARÁ.
Se depois de tudo o que eu falei, “ainda passar”, o problema passou a ser meu, de foro íntimo. E aí o problema é mais embaixo. É de mim comigo mesmo. E de quanto eu posso, ou não, mentir pra mim mesmo. O amigo travesseiro jamais perdoa.
Mentira é aquilo que a gente é capaz de dizer aos outros. Hipocrisia é o que eu sou capaz de mentir pra mim mesmo. Portanto, pior – ou melhor – pra mim. Eu decido, sem botar a culpa nos outros, por favor. E nem é culpa: é Responsabilidade, na verdade.
É ou não é mais simples do que você pensava?
Aquele abraço.
PS.: Se é complexa a forma como eu me relaciono com a arte, mais complexa é a situação do artista. Basta multiplicar por infinitas vezes a complexidade desse texto. Fácil, né? O artista é importante não somente para si mesmo, mas para muitas pessoas às quais a sua arte chega. A arte do artista é fundamental para o artista e para o público que a contempla. Por isso é tão importante o que ele sente como o que ele faz com o que ele, o artista, sente. Mas a parte do público, a que me refiro nesse texto, é a melhor resumida: você só se relaciona, contempla, gosta ou não gosta do que você quiser. Nenhuma arte jamais lhe deverá ser imposta (Nem Censurada!). É ou não é mais simples do que você pensava? Detalhes podem ser coisas muito grandes pra esquecer.
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@1flaviocarvalho, Coletivo Brasil Catalunha. Sociólogo e Escritor.
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